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13 maio 2019

Greve internacional dos motoristas de Uber

“Bilhões aos chefes e pagamentos pobres aos motoristas”, diz faixa de motoristas da Uber em protesto em Londres no dia 08/05/2019

No dia 08 de maio, quarta-feira da semana passada, aconteceu uma paralisação de motoristas de Uber de diversos países, entre eles: Estados Unidos, Austrália, Quênia, Nigéria, Chile, Costa Rica, Reino Unido e Brasil.

A motivação da paralisação foi a estréia da empresa no mercado de ações, na sexta, dia 10. Esta, apesar de ter sido considerada decepcionante, com preço abaixo do esperado, e queda ao longo do dia, rendeu 8,1 bilhões de dólares e um valor de mercado de 82,4 bilhões de dólares [1]. No entanto, enquanto os donos e acionistas ganham bilhões em um dia, os motoristas trabalham cada vez mais para ganhar cada vez menos.

A explicação para esse abismo é simples: o modelo de negócio do Uber depende de conseguir escapar do enquadramento das leis trabalhistas de diferentes países, classificando os motoristas como prestadores de serviços autônomos e não como funcionários. Com isso, na prática, a empresa garante um imenso corpo de funcionários com remuneração e condições de trabalho mais precárias. A própria, em comunicado sobre os riscos que corre para os investidores publicizado pela Securities and Exchange Commission, deixa isso claro [2]:

“Se, como resultado de legislação ou decisões judiciais, formos obrigados a classificar os motoristas como funcionários (…) incorreríamos em despesas adicionais significativas para compensar os motoristas, potencialmente incluindo despesas associadas à aplicação das leis de salários e horas (incluindo salário mínimo, horas extras, e exigências de refeições e descanso), benefícios de empregados, contribuições para a seguridade social, impostos e multas. Além disso, qualquer reclassificação desse tipo exigiria que mudássemos fundamentalmente nosso modelo de negócios. “

Em diferentes locais do mundo motoristas da Uber argumentam que devem ser considerados funcionários porque a empresa tem forte controle sobre sua jornada de trabalho, incluindo regras rígidas sobre as condições do veículo, que passeios podem fazer e quais rotas tomar. Processos judiciais sobre a classificação dos trabalhadores estão em disputa em diferentes países.

Além disso, a perspectiva da empresa é que as condições de trabalho piorem:

“…Continuamos a observar a insatisfação com a nossa plataforma de um número significativo de motoristas. Em particular, como pretendemos reduzir os incentivos aos motoristas para melhorar nosso desempenho financeiro, esperamos que a insatisfação dos motoristas no geral aumente.”

Dentro desse cenário em que o Uber não faz nem questão de esconder que seu modelo de negócio depende da precarização do trabalho dos motoristas, fica claro que essa definição jurídica é fundamentalmente uma questão de correlação de forças política. Nesse cenário, o aumento do número de paralisações e outras formas de ação direta que a empresa tem enfrentado se tornam cada vez mais as principais ferramentas dos trabalhadores para negociar melhores condições de trabalho e remuneração. No mesmo relatório, a própria menciona o perigo que esses protestos representam:

“A insatisfação dos motoristas no passado resultou em protestos, mais recentemente na Índia, no Reino Unido e nos Estados Unidos. Tais protestos resultaram e quaisquer protestos futuros podem resultar em interrupções em nossos negócios. A contínua insatisfação dos motoristas também pode resultar em um declínio no número de usuários da plataforma, o que reduziria a liquidez da nossa rede e, por sua vez, poderia causar um novo declínio no uso da plataforma.”

Tela da Uber na manhã do dia 08/05/2019 em Curitiba, as zonas vermelhas indicam a explosão das tarifas dinâmicas por conta da falta de motoristas.

Apesar de cada localidade possuir demandas diferentes, a mais frequente foi de diminuir a comissão que a empresa leva nas corridas, que varia bastante, mas tem uma média de 33% [3]. No Brasil, a mobilização foi forte devido ao descontentamento com o constante aumento do preço dos combustíveis, que tem pressionado a renda dos motoristas ainda mais. Foram registradas paralisações e protestos em diversas capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Goiânia, Curitiba, Salvador e Recife. As mobilizações tem avançado no último ano nas metrópoles brasileira, tendo sido significativa a mobilização dessa categoria junto a greve dos caminhoneiros em maio de 2018 pela redução dos combustíveis. [4]

Em alguns lugares, os motoristas encorajaram passageiros a não utilizar o serviço em solidariedade [5]. Esse tipo de estratégia pode se tornar um mecanismo especialmente potente de mobilização no caso do Uber, graças à relação muito próxima entre motoristas e passageiros.

Essa greve foi de grande importância para mostrar a possibilidade e o impressionante poder de organização internacional de trabalhadores que ainda não são sequer reconhecidos como trabalhadores e não possuem o direito a sindicalização. Futuros desdobramentos dessa luta tem poder de definir os rumos do modelo de negócios da indústria de aplicativos em geral, servindo também como importantes exemplos para trabalhadores dos diferentes setores.

Notas:

[1] “Ações do Uber decepcionam, revelando um caminho rochoso para o IPO” (inglês) https://www.nytimes.com/2019/05/10/technology/uber-stock-price-ipo.html

[2] “Relatório do Uber para a comissão de segurança e trocas dos Estados Unidos (Securities and Exchange Commission)” descrevendo para os acionistas os possíveis riscos que a empresa corre (inglês). https://www.sec.gov/Archives/edgar/data/1543151/000119312519103850/d647752ds1.htm

[3] “A greve mundial do Uber é um teste chave para a economia gig” (inglês) https://www.vox.com/2019/5/8/18535367/uber-drivers-strike-2019-cities

[4] Sobre a paralisação dos ubers em 8 de maio de 2019 no Brasil:

https://www.nexojornal.com.br/podcast/2019/05/08/Por-que-os-motoristas-do-Uber-entraram-em-greve-no-mundo

Sobre a mobilização nacional dos ubers na greve dos caminhoneiros de maio de 2018: https://passapalavra.info/2018/05/119926/

[5] “Motoristas de Uber e Lyft fazem greve e chamam passageiros para boicotar” (inglês) https://www.npr.org/2019/05/08/721333408/uber-and-lyft-drivers-are-striking-and-call-on-passengers-to-boycott?t=1557531727951

0 Comentário

  • Daniel disse:

    Que descaramento desses donos da Uber, eles assumem abertamente que só vão ter lucro fodendo os motoristas! Parabéns pelo texto e pelo site

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