UMA CERCA CHAMADA VESTIBULAR
Enquanto um estuda e vai pra casa
O outro vai direto do trabalho pra facu e sempre se atrasa
Enquanto um chega descansado
O outro, sonolento, se complica no aprendizado
Enquanto um tem todo tempo pra se preparar
O outro tem responsa demais pra se ocupar
Enquanto um no seu AP, todo silêncio pra estudar
O outro tem quatro família no quintal, difícil concentrar
Enquanto um foi pro colégio particular
O outro passou de ano sem ter professor pra ensinar
Enquanto um usa a tecnologia a seu favor
O outro ainda nem se conectou
Enquanto um na hora da corrida larga mais à frente
O outro se esforça pra manter se persistente
Os outros permaneceram em seu lugar comum
Adivinha só quem chegou lá? Apenas um

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TUDO É RITMO
Tudo é ritmo, o coração batendo na frequência certa
Rotação, translação do planeta terra
O piscar dos olhos, lubrificação
O movimento dos pulmões, respiração
O movimento das ondas dos sete oceanos
O pássaro matutino quando tá cantando
O ritmo da chuva quando bate no telhado
A sinfonia de um céu todo carregado
O ritmo do beijo apaixonado
Os passos, sejam lentos ou acelerados
A árvore que dança conforme o ritmo do vento
Frequência que gera o movimento
A cadência do tempo que nunca para
Na tristeza se rasteja, na alegria cria asas
E desse jeito o tempo vai regendo a vida
O universo exercendo sua maestria
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TRÁGICO RETROCESSO
Tudo começou de segunda pra domingo
A bala do seu peito foi saindo
Voltando pra pistola que engoliu o fogo
O opressor guardou na cintura de novo
Se levantou e foi de volta pro barraco
Aproveitou e devolveu o dinheiro que tinha roubado
Encheu o pino que tava vazio
Descansou a cabeça que tava a mil
Chorou a morte da sua mãe, foi difícil
Que reviveu pra te ver sofrer no vício
Se arrumou todo empolgado pra ir pra balada
Mas o conselho que ela deu não lhe valeram nada
Voltou para as primeiras baladinhas
Bêbado aceitou o primeiro teco de farinha
Primeiro pega no bec, inesquecível
Sei que não devo mas a vontade é invencível
Cabulou aula pra colar com os cachaceiros
Voltou pra escola onde ele era o primeiro
Retornou à sua velha infância
Uma criança sonhadora cheia de esperança
No berço uma criança chora, uma família feliz
Ali nasce mais um futuro do país
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FLUTUAÇÕES
Aquele momento difícil era pra ser passageiro
Mas a gente se agarra nos tornando prisioneiros
Beber até esquecer se torna meta
Ao invés de lidar com a dor de forma direta
Seu medo tão prestativo vai servir a mesa
E a maldade vai se alimentar da sua fraqueza
Sexo, cerveja, compras, academia
Coisas onde o ser humano se refugia
No final do dia nada se modificou
Sobrando pouco tempo pra cuidar do eu interior
Perceber que está perdido
É o primeiro passo pra reconectar o seu caminho
Um Novo zero pra recomeçar
Se a realidade tá difícil precisamos voltar a sonhar
Poderia pela via do amor ter aprendido
Mas hora escolhemos o caminho dolorido
A intensidade da fé de fogo ardente
A continuidade da fé de água corrente
Peço sabedoria pra poder seguir em frente
E saber lidar com as flutuações da mente
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INVISIBILIDADE
Na busca irracional pelo prazer
Pessoas fazem o que tiver que fazer
Pra fazer parte da sensação do momento
O dia tá uma bosta porque o celular tá lento
Assim como nossa revolução
Infelizmente, alegria é ir sentado no busão
Um povo que disputa ao invés de se unir
O oprimido que também quer oprimir
Buscar a revolução de forma coletiva
O individualismo enche apenas uma só barriga
Funcionário que recebe ordem do patrão
Salário que sustenta mais um filho da nação
Pensando na família ele vai, defende o pão
Me arrependo de já ter xingado os pilotos dos busão
O inimigo e sua invisibilidade
Segue provocando o caos pela cidade

Americano Fiduhenrique – 33 anos, morador do Santa Júlia, Itapecerica da Serra. Oficineiro de artesanato em ONGs, também trabalha na rua vendendo suas artes, militante do rap há 20 anos.
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