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05 jul 2019

Poesias de Americano Fiduhenrique

UMA CERCA CHAMADA VESTIBULAR

Enquanto um estuda e vai pra casa
O outro vai direto do trabalho pra facu e sempre se atrasa 
Enquanto um chega descansado 
O outro, sonolento, se complica no aprendizado
Enquanto um tem todo tempo pra se preparar
O outro tem responsa demais pra se ocupar
Enquanto um no seu AP, todo silêncio pra estudar
O outro tem quatro família no quintal, difícil concentrar
Enquanto um foi pro colégio particular
O outro passou de ano sem ter professor pra ensinar
Enquanto um usa a tecnologia a seu favor
O outro ainda nem se conectou
Enquanto um na hora da corrida larga mais à frente 
O outro se esforça pra manter se persistente
Os outros permaneceram em seu lugar comum
Adivinha só quem chegou lá? Apenas um

Ilustração por: Laís de Mello

TUDO É RITMO

Tudo é ritmo, o coração batendo na frequência certa
Rotação, translação do planeta terra
O piscar dos olhos, lubrificação
O movimento dos pulmões, respiração
O movimento das ondas dos sete oceanos
O pássaro matutino quando tá cantando
O ritmo da chuva quando bate no telhado
A sinfonia de um céu todo carregado
O ritmo do beijo apaixonado
Os passos, sejam lentos ou acelerados
A árvore que dança conforme o ritmo do vento
Frequência que gera o movimento
A cadência do tempo que nunca para
Na tristeza se rasteja, na alegria cria asas
E desse jeito o tempo vai regendo a vida
O universo exercendo sua maestria

TRÁGICO RETROCESSO

Tudo começou de segunda pra domingo
A bala do seu peito foi saindo
Voltando pra pistola que engoliu o fogo
O opressor guardou na cintura de novo
Se levantou e foi de volta pro barraco
Aproveitou e devolveu o dinheiro que tinha roubado
Encheu o pino que tava vazio
Descansou a cabeça que tava a mil
Chorou a morte da sua mãe, foi difícil
Que reviveu pra te ver sofrer no vício
Se arrumou todo empolgado pra ir pra balada
Mas o conselho que ela deu não lhe valeram nada
Voltou para as primeiras baladinhas
Bêbado aceitou o primeiro teco de farinha
Primeiro pega no bec, inesquecível
Sei que não devo mas a vontade é invencível
Cabulou aula pra colar com os cachaceiros 
Voltou pra escola onde ele era o primeiro
Retornou à sua velha infância
Uma criança sonhadora cheia de esperança
No berço uma criança chora, uma família feliz
Ali nasce mais um futuro do país

FLUTUAÇÕES

Aquele momento difícil era pra ser passageiro
Mas a gente se agarra nos tornando prisioneiros
Beber até esquecer se torna meta
Ao invés de lidar com a dor de forma direta
Seu medo tão prestativo vai servir a mesa
E a maldade vai se alimentar da sua fraqueza
Sexo, cerveja, compras, academia
Coisas onde o ser humano se refugia
No final do dia nada se modificou
Sobrando pouco tempo pra cuidar do eu interior
Perceber que está perdido
É o primeiro passo pra reconectar o seu caminho
Um Novo zero pra recomeçar
Se a realidade tá difícil precisamos voltar a sonhar
Poderia pela via do amor ter aprendido
Mas hora escolhemos o caminho dolorido
A intensidade da fé de fogo ardente
A continuidade da fé de água corrente
Peço sabedoria pra poder seguir em frente
E saber lidar com as flutuações da mente

INVISIBILIDADE

Na busca irracional pelo prazer
Pessoas fazem o que tiver que fazer
Pra fazer parte da sensação do momento
O dia tá uma bosta porque o celular tá lento
Assim como nossa revolução
Infelizmente, alegria é ir sentado no busão 
Um povo que disputa ao invés de se unir
O oprimido que também quer oprimir 
Buscar a revolução de forma coletiva
O individualismo enche apenas uma só barriga
Funcionário que recebe ordem do patrão
Salário que sustenta mais um filho da nação 
Pensando na família ele vai, defende o pão
Me arrependo de já ter xingado os pilotos dos busão
O inimigo e sua invisibilidade
Segue provocando o caos pela cidade

Ilustração por: Laís de Mello

Americano Fiduhenrique – 33 anos, morador do Santa Júlia, Itapecerica da Serra. Oficineiro de artesanato em ONGs, também trabalha na rua vendendo suas artes, militante do rap há 20 anos.

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