A União Nacional dos Estudantes, maior órgão de representação estudantil da América Latina, responsável por representar a classe dos Estudantes brasileiros é também um importante grupo de influência política.
Historicamente a UNE se apresentou como sendo um instrumento de luta e de aglutinação de forças estudantis, como em seu fundamental papel organizador durante o Período da Ditadura Militar (1964-1985), onde as cabeças que pensavam a UNE a entendiam como de fato um instrumento reivindicatório, de modo que se apresentava como uma representante consolidada do direito à liberdade negado pela ditadura.
Entretanto, com o confuso processo de “redemocratização”, assim como outras entidades de representação estudantil, a UNE começou a ser aparelhada por entes governamentais, e desde a década de 90 a entidade é hegemonicamente controlada pelo PCdoB através da chamada União da Juventude Socialista.
Desde então, a UNE se mostrou cada vez menos combativa, principalmente durante os períodos do governo Petista, de forma que deixou de exercer o mínimo de representação da classe estudantil e passou a ser um verdadeiro palanque eleitoral de pequeno-burgueses brancos da classe média, somente sublinhando as pautas estudantis, como uma espécie de teatro político.
Com as movimentações estudantis dos últimos tempos, tal posição somente se confirma: em 2013 a UNE permaneceu imobilizada com as fortes movimentações populares das jornadas de junho, protagonizadas pela juventude e pela sociedade civil; em 2015 e 2016, junto com as demais entidades tentou tomar créditos pelas ocupações escolares, promovidas por movimentos autônomos e muito bem construídos; em 2017 permaneceu ensurdecedoramente calada frente à proposta de “reforma” do Ensino Médio, que significa paulatinamente uma privatização do ensino.
Em 2019 os ataques à educação se intensificam com o novo governo claramente oposto ao ensino público e gratuito: corte de verbas, privatização e militarização, cobrança pelo ensino, e perseguição à educadores. E qual é a posição da UNE? Criar uma campanha de marketing – o “Tsunami da Educação” – na qual seus líderes sobem em seus carros de som durantes os atos, vetando as vozes dos revoltados que tomam as ruas?
Nos dias 9 à 14 de Julho , na Universidade de Brasília, foi realizado o “57º CONUNE”, Congresso estudantil da UNE, um exemplo perfeito de como é realizado o processo fantasioso da UNE. Primeiro é importante notar quem são os participantes: Quem consegue se locomover e permanecer em Brasília durante 4 dias? Quem tem recursos para pagar R$ 250,00 para a inscrição no evento?
Foi possível observar as nuances da dinâmica do movimento estudantil em nível institucional, alguns partidários do PSOL, JPT, JS do PDT, MRT, PSTU, etc. Mas, por todos os cantos que se olhava, uma cor prevalecia: o fatídico verde “canto de esperança” de partidários da UJS, que surgiam dos bueiros cantando seus bordões.
O vergonhoso ato chamado para o dia 12 de julho como uma atividade do congresso diz muito também sobre como opera a institucionalidade em suas “reivindicações”. Mesmo com milhares de estudantes organizados e centenas de trabalhadores em direção ao congresso, no dia seguinte à aprovação da reforma da previdência em primeiro turno, o máximo que foi feito foi colocar um caminhão de som e andar por 30 minutos, parando longe do congresso. O ato mal foi reportado pelos veículos de comunicação sendo quase que uma piada.
O congresso da UNE nada mais mostrou do que a face da Instituição elitizada, branca, privilegiada e engessada numa política de aceitação e de promoção da estética acima da luta. Assim, enquanto a classe estudantil é privada de seus direitos, a UNE promove vertiginosas festas lacradoras. É a Esquerda que a Direita gosta: quieta, bem escovada e subserviente, tendo até mesmo semelhanças com o atual governo, como quando, Iago Montalvão, Surpreendentemente do PCdoB e namorado da ex-presidente da organização, Carina Vitral, foi nepoticamente eleito para a presidência dos próximos anos. Nepoticamente porque, curiosamente, a entidade que está a frente a UNE e que indicou o Iago para a presidência é a UJS que é dirigida pela própria Carina Vitral. O buraco é bem mais embaixo, não é como se Carina só fosse madrinha política de Iago, ela é uma forte influência dentro da direção da organização e isso nos faz questionar muito a forma como a perpetuação do poder político branco se dá nas diferentes esferas.
E de fato, é preciso fazer um recorte racial no CONUNE, o movimento estudantil não pode ser uma reunião familiar, tem que ser espaço de construção de políticas estudantis e de combatividade, ainda mais com a extremação dos ataques à educação que são desferidos pelo governo atual.
Afinal, de que adianta tanto falar sobre representatividade enquanto discurso se a direção ainda é recheada dos mesmos rostos brancos e afastados da realidade estudantil do país? De que vale o lindo discurso teórico de emancipação e apropriação do espaço universitário pelo povo negro se ele só vai sair sempre da boca de pessoas brancas? Afinal, não há uma pessoa negra que seja competente de fato para assumir a direção do movimento estudantil institucionalizado? A UNE só teve um único presidente negro, Orlando Silva, como a UJS que está a 30 anos na direção da UNE não se envergonha de ter seus olhos tapados por um filtro que só enxerga pessoas brancas possíveis para administrar a organização?
A entidade não se esforça para construir novos quadros negros, pelo contrário, apaga ou subvaloriza os quadros negros já existentes. Afinal, qual a liderança negra da UNE que você se lembra? Talvez tenha muito mais dificuldade do que se a pergunta for sobre uma liderança branca. Em tantos anos a UJS só indicou Orlando Silva para presidência da une, TODOS os outros quadros foram brancos. E qual a justificativa? O número de negros na universidade aumentou, o número de militantes negros também aumentou. Qual a justificativa a não ser o interesse na manutenção de um controle branco.
É preciso deixar claro o questionamento sobre a forma como a UNE vem sendo dirigida e os caminhos que vem tomando, em momento algum está em debate a necessidade de uma instituição como a União Nacional dos Estudantes, que precisa voltar com seu histórico de luta e combatividade, mas sim como e por quem está sendo dirigida e além disso, o que está fazendo.
De fato, uma presidência negra na UNE não garante a emancipação dos negros e muito menos o fim do racismo nas universidades, para isso seria necessária uma mudança muito mais profunda e estrutural. Entretanto, citando Paulo Freire, nosso patrono da educação: “Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor que eles, os efeitos da opressão? Quem, mais que eles, para ir compreendendo a necessidade da libertação?” questões essas que a UNE assim como as demais instância de nossa democracia “representativa” fazem questão de suprimir, para manterem sua linha de sucessão nos espaços de poder.
Esperamos, enquanto militantes do movimento estudantil, uma mudança da entidade, que a radicalização venha: nas ruas, nas escolas e nas universidades; que a luta pelo direito à educação seja uma luta concreta, pois os ataques estão cada vez mais extremos.
Sonho com um momento onde eu possa de fato dizer que “A UNE somos nós” pois neste momento, como escutei pelos cantos em Brasília “A UNE é de vocês, bando de branco e burguês”.
Por Kaique Menezes – Estudante secundarista, morador do Extremo sul de SP, militante anti capitalista e ativista autônomo em educação.
E Marcus Nascimento – Estudante secundarista, morador do Extremo Leste de SP militante anti-capitalista, anti racista e ativista autônomo em educação.
0 Comentários