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29 ago 2019

Violência e Racismo dos partidos na FFLCH: o surto de violência racial ao ritmo de Samba para Marielle

Não descobri o racismo dentro da universidade.

Mas alguma coisa mudou com a morte da Marielle. Não em mim, mas nos coletivos de esquerda partidária da FFLCH.

Um surto de violência racial ao ritmo de samba.

Este é o meu ponto de partida.

É muito difícil escrever sobre os dias que sucederam o assassinato da vereadora Marielle Franco porque foram dias de muita violência na USP. A rapidez com que os partidos e coletivos de esquerda utilizaram a morte como trampolim político só não foi mais surpreendente do que a atuação de estudantes brancos e de classe-média que se auto-elegeram como porta-vozes de uma campanha anti-racista (bem racista).

Era estranho como todas essas pessoas “bem-intecionadas” falando, falando, falando, falando sobre genocídio negro nas favelas me parecia tão violento quanto às pessoas que comemoravam a morte da vereadora.

E não estou discutindo sobre “Lugares de Fala”. Acredito que combater o racismo é um “Lugar de Fala Universal”. No entanto, combater o racismo nunca pode ser confundido com utilizar o racismo como ferramenta de auto-promoção.

A discussão aqui é sobre como os partidos políticos de esquerda utilizam o discurso antirracista como mais uma estratégia de cooptação e de colonização – sem nunca abrir mão do protagonismo “na luta”, mesmo quando isso significa o silenciamento daqueles que (efetivamente) possuem demandas e interesses REAIS.

Na USP, a principal proposta de um desses coletivos proto-partidários foi a mudança do nome do prédio do curso de filosofia e sociologia da FFLCH para “Marielle Franco” – mesmo sabendo que a vereadora não tinha nenhuma ligação com a instituição. A proposta que, inicialmente, me parecia equivocada porém honesta, escondia o interesse de fortalecer a imagem dos coletivos e grupos ligados ao partido que elegeu a vereadora e inaugurou um certo marketing partidário barato que ainda hoje pode ser visto pela USP.

Por exemplo, durante as eleições para o DCE ou para os Centros Acadêmicos é certo que nos panfletos de algumas chapas virá escrito “Marielle Presente”. O que isso significa? Por que está lá? Ela apoiava a chapa? Não sou contra a utilização dessas palavras – apesar da família de Marielle já ter se posicionado contra – mas quando utilizadas qualquer tipo de disputa, o uso ganha ares de marketing barato e vil.

Marielle não virou uma ideia, como gostam de anunciar. Marielle virou um trunfo mercadológico. E na USP virou atrativo pra vender cerveja nos Sambas e Forrós que carregam o seu nome.

Ouvi falar que o Samba para Marielle atraiu muita gente.

Contudo, eu não conseguia entender a extensão da violência disso tudo:

Era positivo que mais pessoas falassem sobre a pauta do Genocídio da População Negra, não? Mas por que parecia errado? Por que não se viam negros nesses espaços? De certo, porque o público alvo não era esse e todo esse esforço não estava de acordo com as demandas das pessoas negras de dentro e fora da USP. Ainda bem!

O esclarecimento sobre essa atuação violenta dos coletivos e partidos veio muitos meses depois através da poeta Tatiana Nascimento, em um texto em que ela analisava a questão da “Culpa Branca” – tema do curso que ela desenvolve pelo Brasil. Ela, que é negra e lésbica, abriu meus olhos para que o desejo antirracista da branquitude muitas vezes está relacionado com conseguir um posto de destaque. Essa busca expressa o típico desejo colonial por subordinação, subserviência, servidão prestada por pessoas negras.

Ou seja, a aparente postura progressista e de apoio às pautas do Movimento Negro viram ferramentas para perpetuar as estruturas coloniais – que são exatamente o que desejamos quebrar. Nenhuma postura antirracista é verdadeiramente libertadora se as motivações estão fincadas na velha máquina colonial da dominação.

Há ainda entre os partidos o total desprezo pelas lutas autônomas que não seguem uma (inexistente) cartilha de ação e a tentativa de cooptar lutas populares é sinal latente disso. Os militantes partidários acreditam que são guardiões da verdade e, por isso, atuam com foco na catequização e nunca do resultado efetivo. A grande vitória é colonizar espaços. Assim, fica fácil entender porque foi mais importante tentar emplacar uma campanha para disputar o nome do prédio ou atrair mais estudantes para festas e eventos de cooptação (colonização).

Mas não escrevo preocupado com uma mudança de postura dos partidos, coletivos e seus militantes. Não acredito que ninguém abra mão do poder e – apesar de cada vez menos força – estes grupos possuem certo poder institucional ou, ao menos uma ilusão de poder que (para mim) é o suficiente para desacreditar na mudança da lógica colonial-partidária.

Meu intuito é muito menos ambicioso: registrar essa parte da história. E, se possível, contribuir com a emancipação da ação política. Não se enganem (ou se assustem) com a bondade de gente ruim.

Por um estudante de filosofia.

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