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20 set 2019

Da Colonização dos Estômagos

A fome junto da subnutrição são duas das chagas que estão constantemente presentes na história popular do Brasil. A falta do ter o que comer é uma das maiores contradições, uma verdadeira ironia, na “terra onde tudo que se planta cresce e floresce”.

Como pode, em um país com tanta terra, com tanta água, com tanta planta e tanta gente existir, e não pouca, fome, como pode existir sede ?

Uma das respostas dessas perguntas são encontradas olhando uma história, encarando o violento processo de dominação colonial, mercantilista e ocidental: O encontro entre colonizadores europeus e indígenas de Abya Yala, a invasão de Pindorama.

A razão ocidental, que em sua primeira atividade, econômica, com o início da exploração da cana-de-açúcar, teve como objetivo central desterrar, isso é, arrancar da terra, usando a força, os que nela nasciam, viviam e comiam, conferindo novos “donos” às nossas terras.

Com o processo de desterramento, cria-se o que vem a ser o legado de nascimento do povo brasileiro: escravização, desnutrição e, posteriormente, sub-assalariamento e favelização das populações “Afroindígenas”. A submissão social, econômica, política, religiosa, moral e física são os traços da colonização, que apresenta sempre sua forma mais cruel como forma assimilar os que desorienta, a colonização dos estômagos.

As grandes áreas de terra em forma de latifúndio, usadas só para engordar os bolsos da burguesia, que afoita o bucho roncador dos desterrados, é o retrato da “civilização” no brasil, da modernização capitalista. Com o cultivo e a exportação do açúcar, no ciclo da mineração, do café e agora da soja, dos portos brasileiros para os mais diversos continentes do mundo, as contas na suíça aumentam e só o pão de ontem não sustenta.

A espoliação burguesa é a causa da fome, sem acúmulo de riqueza não haveria fome…

“A fome é humana… a fome é a praga que os homens fabricaram contra outros homens e mulheres.” [1]

Na última década chegou ao poder uma promessa de dignificação do pobres, de saciar a fome dos desterrados, o convite à um jantar; o projeto do petismo, que prometia acabar com a fome e miséria. Assim foram criados programas assistencialistas, como o “fome zero” e o “Bolsa Família”, assim como também a expansão de órgãos de controle alimentar e o fomento à ONG’s como o “banco de alimentos”, chegando o Brasil em 2014 a sair do “Mapa da fome” da Organização das nações unidas.

Mas, após um abalo do capitalismo mundial, o que se mostra é um verdadeiro desmascaramento de como a fome foi escamoteada pelos governos petistas com puro reformismo. O convite para o jantar tem um preço alto e o convidado paga a conta…. nenhuma estrutura de poder se movimentou senão para o lado dos que já estavam ganhando, os latifúndios se expandiram, o agronegócio se consolidou dominante e a desigualdade real galopou.

Em algum nível e de alguma forma, houve uma dignificação de parcelas da população, mas não foi feita uma reforma agrária popular, sob controle dos trabalhadores, meio possível de se dignificar a vida material, de aumentar a produção de alimentos e de nutrir as populações. Muito pelo contrário, o agronegócio expandiu-se como nunca, engolindo tudo aquilo que era verde à sua frente. De 2014 à 2017, 800 mil pessoas entraram no raio da fome, sendo cerca de 5 milhões de pessoas as que mais passam fome no Brasil.

No país onde, em 2017, 15 pessoas morreram por dia, atacadas pelo silencioso e desalentador verme da fome, em 2019 chega ao planalto um representante que tem a amargura de afirmar que não há fome no Brasil. Mais do que seu perfil de cidadão médio brasileiro, preso na sua bolha social esse entendimento não se diferencia muito do plano de precarização da vida que vem sendo operado no brasil, como com a reforma da previdência que em seu plano original pretendia pagar R$ 400,00 de aposentadoria.

Nesse caso, não é só desinformação, mas a operação de uma plano paranegar e cada vez mais invisibilizar a pobreza, cada vez mais super explorar as vidas, os corpos e a força de trabalho, negando a humanidadedo trabalhador e do emprego em prol do lucro, do lucro extraído pela capitalização das vidas.

Esse tipo de afirmação ignora os 5 milhões de pessoas que a cada dia tem de escolher entre comer ou morar, quando tem essa opção, afinal muitas não nenhuma das duas tem; é ignorar o desespero das mães nos meses de julho, quando nas férias escolares não tem o que dar de comer à seus filhos, é ignorar que as pessoas que não tem água para plantar ou beber, e já que elas não existem, é também legitimar que se passe com carro em cima…

Essa negligência em forma de afirmação perversa vem sendo aplicada à forças institucionais, como política de governo, como quando o governo exclui o Conselho de Segurança Alimentar, como quando libera centenas de agrotóxicos que intoxicam as terra e as águas dos moradores e pequenos agricultores, quando permite o desmatamento da amazônia, desmente e desmerece os dados oficiais sobre o avanço da barbárie contra a vida.

O governo não se preocupa com a fome, não quer saber que ela existe, não dá para ver isso da parede do condomínio de luxo no Rio, não se vê do palácio do governo, não se vê do jatinho presidencial, pagos e construídos por pessoas que passaram fome.

A fome endêmica que infesta nosso país é fruto desse processo histórico, vindo do passado pela ação e que se mantém no presente pela negação ; ele é o responsável pela exclusão social das áreas mais afetadas pela negação do direito à terra, das águas e dos alimentos, como no nordeste, área de maior herança de séculos de degradação pela super exploração. A fome é o resultado do processo de negação, à sociedade, ao trabalho, à humanidade.

“ Muito difícil pensar com fome, muito difícil desenvolver-se com fome, cantar com fome, amar com fome, desapegar-se, estando com fome. Tudo aquilo que mora na mais rica experiência da vida, vai sendo arrancado de nós e nossos corpos se atrofiam, como radares embaçados que não captam bem a luz.”

Notas Sobre a Fome por Helena Silvestre

O buraco sem perspectiva em que se afunda a lenta locomotiva do Brasil só pode ser mudado com verdadeiras revoluções estruturais e humanas, com o fim do latifúndio, contra a o agronegócio e os agrotóxicos, em favor da comida, da água e do pão; Em favor da vida digna.

REFORMA AGRÁRIA POPULAR JÁ!

LUIZ PRESENTE!

Por Kaique Menezes – Estudante secundarista, morador do Extremo sul de SP, militante anti capitalista e ativista autônomo em educação.

Fontes:

[1] Helena Silvestre, Notas Sobre a Fome. Sarau do Binho, 2019

https://agora.folha.uol.com.br/editorial/2019/07/a-fome-e-a-vontade-de-comer.shtml

https://brasil.elpais.com/brasil/2019/07/19/internacional/1563557105_470346.htmlhttps://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/07/apesar-de-menor-fome-ainda-afeta-o-brasil-aponta-orgao-da-onu.shtml

https://www.jcnet.com.br/Nacional/2019/07/terra-de-bolsonaro-convive-com-a-fome.html

https://exame.abril.com.br/brasil/sair-do-mapa-de-fome-da-onu-e-historico-diz-governo/

https://youtu.be/OrxapjIJbmo < Conversa vai, com versos vêm” — Helena Silvestre e Vagner Souza>

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-48953335

https://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimas-noticias/redacao/2019/07/22/governo-libera-mais-51-tipos-de-agrotoxicos-totalizando-290-no-ano.htm

0 Comentário

  • Alice disse:

    Triste, triste mesmo é ter Estudado Paulo Freire, Pesquisado sobre Josué de Castro, saber que existiam programas desde o Fome Zero até o mandato da Dilma baseados no Mapa da Fome que fora escrito por Josué de Castro, termos que voltar a essa escala indecente de viver e conviver, ou pior, agora nem água as pessoas em. Situação de rua conseguem….

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