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28 set 2019

Relato de brasileiros Sobre a Greve Mundial pelo Clima em Berlim

O ato da greve pelo clima do dia 20 de setembro em Berlim foi um grande ato de massas com uma predominância de jovens, mas tambémcom muitos adultos e idosos. A estimativa levantada pela mídia internacional de que havia entre 100 e 250 mil pessoas é verossímil, pelo breve passeio que demos no ato, dava para perceber que era um ato de massas com dezenas de milhares de pessoas.

Faremos aqui um breve relato do que observamos no ato como jovens brasileiros imigrantes que não são fluentes em alemão, o que faz com que muitos elementos que seriam normalmente evidentes do ato tenham sido pra gente invisíveis, pois não entendíamos grande parte dos gritos e uma boa parte das plaquinhas.

Sobre a estética, composição e preparação do ato:

Uma primeira coisa que chamou a atenção foi justamente a estética do ato, uma imensa quantidade de placas individuais, feitas pelos próprios manifestantes. Elas impressionavam por sua grande quantidade e rica elaboração, colocadas numa varetinha de madeira, muitas vezes eram coloridas e, por vezes, tinham desenhos e colagens. Essa cultura de fazer “plaquinhas” não é tão forte no Brasil, de forma que nos nunca havíamos visto um ato tão rico em cartazes individuais como esse. 

Ainda assim era triste ver como as reivindicações presentes eram vagas politicamente. Poucas das placas em inglês e das em alemão que conseguimos entender propunham alguma reivindicação concreta a ser conquistada, no geral, apenas traziam uma vaga agitação sobre o tema. Uma grande parte se resumia a variações do lema da campanha “fridays for future”, como “todos pelo futuro”, “lute pelo futuro”, “greve pelo clima”, ”crianças pelo futuro”, “você precisa fazer algo agora pelo futuro”, “o futuro é agora”, “não existe planeta B” e até “empreendedores pelo futuro”. Haviam placas aleatórias ou de zuera como “o unica sistema que é bom é o sistema de som”, “ seja zen pelo planeta” e “menos guerra mais raves”. Além disso, vimos muitas placas com desenhos ou fotos de árvores, florestas e o planeta Terra, animais como macacos, tartarugas e outros, assim como um grande número de placas que propunham o veganismo como meio para salvar o planeta. E, finalmente, algumas placas com frases mais interessantes como “Não Bolsonaro, não Trump, não Macron, Amazônia para os povos originários!”, “Vocês estão queimando a ‘Amazon’ errada! ”, “Menos lucro, mais planeta”, “Destrua o sistema capitalista e não a natureza”, etc.

A composição do ato era muito variada, de crianças a idosos. Vimos algumas turmas de creche e ensino fundamental passando com suas professoras. A primeira que vimos foi de crianças de idade pré-escolar com coletes amarelos que performavam uma vigorosa mini manifestação, marchando e gritando palavras de ordem em alemão com suas plaquinhas. Chegamos a cogitar algum tipo de referência aos Gilets Jaunes mas é apenas uma norma de passeio de crianças pequenas para minimizar o risco de atropelamentos. No entanto, pouco depois, vimos uma turma de adultos com coletes amarelos em real referência aos manifestantes franceses.

O ato reunia grupos variados, de escolas de ensino primário ou secundário, universitários, casais, famílias, grupos de trabalhadores e coletivos diversos. Ficamos por um tempo junto ao bloco Latino Americano, que acabou sendo um dos agrupamentos cujos cartazes mais associavam os problemas climáticos com o sistema de produção capitalista e com o imperialismo Europeu. 

Chamou a nossa atenção a ausência de referências organizativas claras, não vimos bandeiras partidárias e nem muitas referências ideológicas claras. De bandeiras, vimos apenas uma bandeira dourada e prata, uma bandeira negra anarquista, uma bandeira LGBT com o símbolo da organização Extinction Rebellion e uma bandeira com um desenho de um planeta. 

Nos dias anteriores, caminhando por diversos bairros de Berlim, vimos que a preparação do ato foi extremamente abrangente, havia adesivos, cartazes variados e pixações chamando o ato. As pixações chamaram a atenção em especial pela sua variedade: pixos feitos com spray, stencil e muitos feitos com giz, tanto em paredes quanto no chão. A variedade de estilos de produção, técnicas e artes usadas nos impressionou pois indica uma ampla quantidade de pessoas diferentes atuando nessa convocação. Apesar de São Paulo ser uma cidade com muito mais prática de pixação e intervenção urbana do que Berlim, nunca vimos um ato ser tão abrangentemente convocado por esse tipo de táticas de intervenção urbana no Brasil. Em São Paulo, são poucos coletivos ou indivíduos que tem essa prática, de forma que, ao ver um pixo ou cartaz, conseguimos identificar facilmente quem fez e ou a que organização pertence. Não é comum uma utilização tão ampla e descentralizada desses recursos de convocação no Brasil. 

Sentidos da greve pelo clima: greve ou lockaut pelo clima?

Algumas start-ups (empresas de tecnologia) dispensaram mais cedo todos os funcionários que quisessem ir ao ato. Um caso que repercutiu foi a Flixbus, que não só dispensou seus funcionários como reembolsou todas as passagens de ônibus compradas para ir ao ato. [1] Além disso, outras empresas do perfil “capitalismo verde” como a GLS Bank e a Naturstrom anunciaram que não abririam na sexta.

Stencil convocando o Ato e a Greve do dia 20/09 nas ruas de Berlim.

As numerosas turmas de crianças que vimos eram devidamente autorizadas pelos pais e pelas escolas a participarem do ato, os mais novos inclusive iam acompanhados das professoras. Observando essas turmas, tivemos a sensação de que, apesar de se dizer que esse movimento está sendo dirigido pelos estudantes (em referência ao Fridays for Future), nesse ato, eles pareciam muito tutelados.

Uma ironia que chegou a ser debatida entre os trabalhadores de uma outra empresa que também dispensou seus funcionários é que o grupo que a controla aparece numa lista de conglomerados que lucram com as queimadas na Amazônia. O funcionário dessa empresa avaliou que o motivo da dispensa foi mais uma ação de marketing do que qualquer engajamento político dos seus patrões ou gestores, visto que a empresa cultiva uma imagem de ecológica, diversa e inclusiva. Além disso, ele disse que sexta a tarde é normalmente um período de baixa produtividade e a maioria dos funcionários optou por continuar trabalhando, fazendo que os ganhos de imagem tanto externa quanto interna provavelmente compensem financeiramente uma tarde de trabalho perdida de alguns funcionários.

Sobre os alemães trabalhadores que não foram dispensados, existe na Alemanha uma flexibilidade muito maior que no Brasil para faltar no trabalho. A lei trabalhista alemã prevê o direito de faltar até dois dias seguidos por motivo de doença sem precisar apresentar atestado médico. Dessa forma, na avaliação das pessoas com quem conversamos, apesar de efetivamente milhares terem deixado de trabalhar ou saído mais cedo no dia 20/09 isso não necessariamente chegou a configurar um forte conflito entre capital e trabalho devido a grande quantidade de pessoas ter usado o pretexto de doença e não de greve e, sobretudo,  devido ao alto nível de apoio patronal ao ato.

Portanto, fica a questão: apesar de a preocupação com o clima ser claramente uma forte demanda da classe trabalhadora alemã, a greve traz fortes elementos de lockaut (quando a greve é convocada e dirigida pelos interesses dos próprios gestores e patrões), sendo evidente o caráter policlassista do ato.

A falta de clareza de reivindicações do ato torna essa situação ainda mais dramática, é estranha a aparente ingenuidade e o extremo individualismo com que parte das massas alemãs encaram os problemas climáticos. Como se pudessem mudar esse problema simplesmente com mudanças de hábitos individuais, comprando produtos com o rótulo “bio” ou se tornando veganos mas sem qualquer mudança mais estrutural em seus modos de vida. 

As reivindicações oficiais do movimento “Friday for Future” de impedir as mudanças climáticas com a redução da emissão do CO2 são marcados por uma profunda ingenuidade e insuficiência política, já que a necessidade de uma alteração profunda da ordem econômica global não é uma pauta do movimento e é impossível mudanças reais sem isso. Medidas individuais sem pretensão de alterações mais profundas nem sequer escondem normalmente o oportunismo do capitalismo verde, que promete boa consciência para o consumidor achar que está fazendo algo em defesa do clima mas sem realizar qualquer mudança real.

Pixo feito com giz convocando a greve pelo clima do dia 20/09 em Berlim.

Apesar de nos parecer que a direção patronal tenha sido claramente dominante nessa “greve” pelo clima, com suas relações obscuras com a ascensão do partido verde e com a política da “chanceler do clima” Angela Merkel, que convenientemente lançou um pacote econômico supostamente pró meio ambiente no mesmo dia do ato aqui tratado, não podemos negar que há uma real contradição também em jogo e que a esquerda e os revolucionários têm lidado mal com o debate ecológico.

Essa contradição é visível nas raras – mas presentes – colocações sobre a relação direta entre os problemas ambientais e o Imperialismo, o adoecimento, a destruição de povos indígenas e a própria produção capitalista. Uma outra expressão dessa contradição é que, apesar desse cenário que observamos em Berlim, em outros locais do mundo, como nos Estados Unidos parece ter havido em algum nível um real embate entre capital e trabalho: trabalhadores da Microsoft, Google, Amazon, Facebook e Twitter realizaram paralisações no que pode ter sida a maior ação trabalhista coordenada da indústria da tecnologia digital [2]. 

No entanto, essa contradição não tem sido aguda suficiente para que o movimento global pelo clima apareça como algo que incomode as classes dominantes, pelo contrário, setores das classes dominantes parecem dirigir essas lutas com alguma facilidade em um conflito interno entre elites internacionais, aparentemente criando e fortalecendo uma nova geração de jovens burocracias para gerir as lutas e os novos métodos de exploração do chamado capitalismo verde.

O que esperar de uma revolta dentro da ordem?

É muito preocupante ver a falta de organização e o individualismo das massas alemãs em relação a essa pauta que tem sido tão central para elas, o que parece indicar uma tendência de essa ser uma revolta enquadrada dentro da ordem dominante, que facilmente tem sido utilizada para beneficiar empresas e piorar as condições de vida dos trabalhadores, assim como para uso em políticas imperialistas.

Foto de manifestante no portão de Brandendurgo em Berlim no dia 20/09.

A luta pelo clima apesar de ser motivada por uma preocupação real por aqui, parece ser levada como uma luta contra um inimigo invisível, afinal quando se reivindica o “futuro” ou o “planeta”, está se reivindicando o que? Para quem? 

Essa situação lembra as manifestações contra a corrupção no Brasil, afinal ninguém vai se dizer a favor da corrupção, assim como ninguém se diz oficialmente contra o planeta ou contra o futuro. Essa falta de mínima clareza de como efetivamente resolver o problema que tem caracterizado o movimento por aqui faz ele ser fadado a seguir rumos sinistros.

Por exemplo, como brasileiros, a Amazônia surge com frequência como assunto nas nossas conversas aqui na Alemanha, e é bizarro ver como o senso comum alemão segue imperialista, falas no sentido de que a culpa do desmatamento da Amazônia é do Bolsonaro e dos brasileiros, e que os brasileiros não tem condições de cuidarem da Amazônia são comuns, o fato de empresas internacionais, inclusive alemãs (que tem no Brasil sua maior quantidade de indústrias fora da Alemanha), dominarem a economia brasileira é desconhecido e causa desconforto quando levantado nas conversas. 

É curioso ver como a maioria dos alemães comuns são ignorantes em relação ao restante do mundo, e mesmo em relação às práticas imperialistas e coloniais que as classes dominantes alemãs praticam pelo globo. Berlim é uma cidade muito cosmopolita em que referências a Segunda Guerra Mundial e ao genocídio judeu estão em todos os lugares. Porém, as práticas coloniais genocidas do imperialismo europeu são praticamente desconhecidas pelos alemães, eles nao aprendem sobre isso em suas escolas, a própria esquerda alemã não fala muito sobre isso (preferindo se manter local, imperialista e bizarramente anti-palestina) e visivelmente existe uma profunda crise moral abafada em torno do tema colonial aqui. 

Essa insistência em enxergar o problema ecológico como externo e ignorar sua relação com as próprias empresas alemãs torna os debates rasos, de forma que as discussões políticas mais sérias sobre o tema aqui sejam as puxadas pelos imigrantes – justamente quem conhece a outra ponta desse processo de exportar o problema. Nesse sentido, as atividades dos grupos de imigrantes, mesmo que insuficientes, parecem ser as únicas aqui em Berlim que apontam para uma possibilidade efetiva de direcionar essas lutas num sentido que possa ser útil às classes trabalhadoras europeias, assim como aos trabalhadores e povos explorados e oprimidos de todo o mundo. Trazer o debate sobre o colonialismo e conectar as lutas locais dos diferentes países a partir do território convenientemente cosmopolita de Berlim parece ser a possibilidade mais interessante que está colocada para poder disputar essa revolta sem ser como mero reforço da ordem. Claro que essa chance é mais uma esperança que uma possibilidade concreta hoje, mas com esperança é que seguimos na luta.

Por um grupo de brasileiros em Berlim.

[1] “Empresa alemã de ônibus oferece viagens gratuitas para protestos pelo clima” … ‘Nós queremos que tanto os clientes quanto os funcionários participem do movimento de greve global por um futuro sustentável’, disse o diretor da gerência da Flixbus, André Schwämmlein. Trabalhadores da empresa foram autorizados a faltar no trabalho para ir ao protesto.” https://www.dw.com/en/german-bus-operator-offers-free-trips-to-climate-protests/a-50447239

[2] “Milhares de trabalhadores de tecnologia abandonam o posto de trabalho para se unir à greve pelo clima. Trabalhadores da Microsoft, Amazon, Facebook e Twitter fazem paralização que pode ser a maior ação coordenada de trabalhadores da história da indústria da tecnologia. No protesto de Seattle, mais de 3000 trabalhadores de tecnologia abandonaram seus postos de trabalho nessa sexta feira e outros milhares participaram em ações pelo resto do país de acordo com o Funcionários da Amazon por justiça climática, um grupo que demandando que a Amazon se esforce para adereçar a questão climática.” https://www.theguardian.com/environment/live/2019/sep/20/climate-strike-global-change-protest-sydney-melbourne-london-new-york-nyc-school-student-protest-greta-thunberg-rally-live-news-latest-updates

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