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23 out 2019

É preciso lutar contra a privatização do SUS

O ano é 2019 e o projeto neoliberal de governo segue a todo vapor, afinal, o Brasil nunca teve um governo de fato de esquerda. Entretanto, esse é um outro debate. O projeto neoliberal de governo que agora é encampado por Bolsonaro atinge e destrói todas as esferas, é o capitalismo destruindo as matas brasileiras, é o neoliberalismo entregando a Embraer aos estrangeiros, é a privatização criminosa dos correios e agora uma alteração muito perigosa na lei Maria da Penha, que trata sobre violência doméstica.

Em linhas gerais, a alteração na lei prevê que agora o agressor terá que indenizar o SUS, que é um sistema gratuito, pelas despesas hospitalares da vítima. O que me assusta é que parte da esquerda conserve ainda essa ânsia punitivista e se alegre com um projeto desses que ignora totalmente a vítima e o agressor neste processo, não visa entender o ocorrido e atuar na prevenção. Parte da premissa de que violência doméstica é algo natural, que acontece, ignora as causas e como prevenir e atua somente no pós e de uma maneira que em nada beneficia ao menos a vítima, somente abre precedentes para que o SUS passe a ser privatizado e que comece a cobrar por toda sorte de serviços prestados. Logo o SUS vai começar a estabelecer um critério moral do que vale a pena ser atendido de graça ou não.  Caso de atropelamento? O autor terá que ressarcir o SUS em breve. Bebeu demais, passou mal e teve que ir para o hospital? Olha só, você irá ser visto como responsável por isso e terá que devolver ao SUS os custos com você. Para o neoliberalismo, não importa se você precisa de ajuda e sim quanto isso custa. 

Manifestação dos servidores da saúde do Rio de Janeiro em outubro de 2017

Agora vamos para a análise concreta do fato. Imagine um homem que agrida sua esposa e seja preso, o que no Brasil já seria algo raro, visto que a maioria dos casos de violência doméstica não resultam em prisão e sim em reconciliação por parte da vítima e do agressor. Pelo bem da verdade, muitas vezes essa reconciliação se dá de maneira forçosa, por meio de ameaça, o que por si só é uma nova violência. Mas imaginemos que este cara seja preso e seja pobre.

Agora preso ele somará a fileira de pessoas que são desumanizadas no cárcere, mas seu caso é diferente, ele precisa ressarcir o Estado pelo que cometeu em, digamos, 30 mil reais. Agora ele é um cara pobre, preso, sem trabalho, com uma dívida de 30 mil reais. O que você acha que vai acontecer? Ele não vai conseguir pagar? Pode ter certeza que vai, mas vai ser tendo que se filiar a uma facção no presídio, vai quitar sua dívida e em troca terá que prestar serviços ao tráfico, o que implica além de fortalecimento das facções criminosas principalmente em estados onde elas já dominam como São Paulo como também uma intensificação da violência neste processo. Se filiar ao tráfico neste tipo de caso, pode significar se armar, voltar e matar a vítima de vez. E mesmo que não seja morta, o que a vítima ganhou neste processo? Ela não verá nem a cor dos 30 mil reais, esse dinheiro irá somente para o Estado. 

Eu até poderia concordar se pensássemos seriamente sobre responsabilização civil, principalmente para pessoas mais ricas e que esse dinheiro ajudasse a financiar políticas públicas de combate a violência doméstica por exemplo, mas não é o caso. E também é difícil pensar que em algum momento se torne o caso, afinal, não está no horizonte político do plano neoliberal de governo representado por Jair Bolsonaro o combate à violência doméstica. 

Tenho costume de pensar que não existe uma fórmula central para a solução de um problema e sim diferentes caminhos que podem ser tentados até que se encontre um denominador comum. Para avaliarmos essa solução é só examinarmos o que já tem acontecido com as políticas de combate à violência doméstica. 

Por outro lado, esse tipo de punição financeira por parte do Estado serve também para que o agressor tenha cada vez mais cuidado para que a vítima não consiga denunciá-lo. Como já acontece. O que intensifica ainda mais a violência psicológica e patrimonial que também matam e adoecem mulheres, mas o Estado que deveria acolher e proteger essas pessoas ainda não está preparado para detectar e combater com seriedade a violência doméstica, afinal, está mais preocupado em propor alterações com claramente uma intenção eleitoreira por trás e só.

E fica claro que a intenção é somente populista e eleitoral quando é possível observar que ninguém quer discutir a desconstrução do machismo na nossa sociedade submetendo os homens a ambientes onde sua masculinidade seja confrontada ao ponto de nos indignarmos com situações de violência também. E já pensou trabalhar uma nova masculinidade a qual os homens passem a ver mulheres como seres livres e não como propriedades? É esse o interesse da elite? Não. Portanto, não nos enganemos, medidas populistas que não resolvem o problema não nos servem, somente a destruição do capitalismo, do patriarcado e a constituição de uma nova noção de masculinidade é que podem de fato iniciar um processo de emancipação coletiva dos gêneros. Esses são objetivos finais, para atingi-los muitas medidas são necessárias. E no que se refere a violência doméstica a adoção de um trabalho preventivo que vá desde trabalhar as relações de gênero na escola evitando a patrulha dos “bons costumes” que tem representação muito forte por parte do governador João Dória em São Paulo que mandou recolher um material escolar que fazia a discussão de gênero, como esse trabalho deve ser feito no sentido de pensar a vítima e o agressor, suas questões e trabalhar para que não aconteça uma primeira vez ou até mesmo a reincidência.

Há de se pensar também que como foi dito anteriormente, muitos casos enquadrados na lei Maria da Penha terminam em reconciliação o que implica numa dívida muito alta que irá recair por toda a família, agravando a tensão no lar e toda a família poderá sofrer retaliações por isso.

Neste caso, a vítima sofre a primeira violência e sofre a segunda vez com a mão punitivista e patrimonialista do Estado. 

Todas essas questões já haviam sido trabalhadas ao longo do texto. Mas é preciso ter atenção especial para outro ponto. Essa cobrança abre um precedente horrível para a responsabilização de pessoas por sua própria saúde, financeiramente falando e isso abre margem para a privatização do SUS, algo que na visão dos neoliberais deveria acontecer. 

É necessário pensar com seriedade todos os projetos políticos mas principalmente os que vem do neoliberalismo. Não existe capitalismo sustentável, não existe combate a desigualdade no capitalismo, afinal, é essa desigualdade que faz o capitalismo funcionar. O que existe, é uma necessidade séria de superar o capitalismo e entender que tudo que ele propõe, por mais que possa ter uma aparência bela pode ser no fundo parte de um processo destrutivo ou então uma tentativa de encobrir algo ruim.

No mais, é preciso ressaltar que este projeto é muito perigoso. Não respeita, valoriza ou tenta proteger a mulher. A leitura que se faz é que pouco importa a violência que a mulher sofre, o que importa é o custo que dá para atendê-la. 

É preciso mudar, só a luta muda a vida.

Por Marcus Nascimento – Estudante secundarista, morador do Extremo Leste de SP militante anticapitalista, anti racista e ativista autônomo em educação.

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