A estrutura imperialista que as nações europeias desenvolveram por toda sua história, é também retratada em outras áreas, como o esporte por exemplo, sobretudo o futebol. A expansão da influência de um país sobre outro ou sobre o continente, buscando expandir sua autoridade tanto política como econômica é claramente visível no futebol, ainda mais quando a globalização capitalista permeou tão profundo o esporte.
O caráter imperialista que o Brasil exerce diante seus vizinhos sul-americanos se manifesta de variadas formas ao longo da história; Desde o império de Dom Pedro II e a guerra do Paraguai; Até o regime militar e a forte atuação de empresas privadas no continente.
A vitrine que o futebol brasileiro, ou seja, a projeção mundial que o campeonato brasileiro proporciona aos seus jogadores, atrai cada vez mais estrangeiros para jogarem em nossos clubes. No ano de 2019 inclusive foi ano recorde nesse quesito. Ao todo, 68 jogadores estrangeiros atuam nos vinte clubes da elite do futebol nacional. O dado evidencia um processo que não é recente e muito menos está longe de acabar – o Brasil representa uma potência subimperialista, que subjuga e explora economicamente os países vizinhos ao mesmo tempo que é subalterno dos países do hemisfério norte, dos países que controlam e fiscalizam a ordem social, dos países ricos.
O êxodo de jogadores sul-americanos para o futebol brasileiro ocorre por diversos motivos, financeiros ou sociais. A começar pelos salários, pois o valor pago para um jogador de futebol de um clube brasileiro é extremamente maior que em qualquer outra liga sul-americana. Segundo o estudo da Global Sports Salary Survey, produzido pela Sportingintelligence, o Brasileirão é o nono campeonato que paga melhor os atletas em média em todo o mundo, gastando 2,52 milhões de salários anuais para um jogador, sendo o primeiro entre os países americanos.
Outro importante fator que contribui para a emigração de jogadores estrangeiros ao nosso futebol é a qualidade de vida. Além do poder de compra com nossa moeda no continente americano, a possibilidade de se estabelecer no Brasil, junto à família e aqui constituir uma vida longe das instabilidades econômicas e sociais de seu país de origem (não que o Brasil seja estável) é um enorme atrativo para tais jogadores para atuarem em nossa liga.
Além do interesse sócio e econômico dos jogadores, os clubes também demonstram necessidade em contar com seus serviços. E esse interesse “mútuo” de clubes e atletas se explicam por alguns motivos como a perda precoce dos talentos criados nas divisões de base, presas fáceis do agressivo mercado europeu que cada vez mais cedo recruta nossas joias para jogarem em seus esquadrões globais e a necessidade de repor essa lacuna técnica com o mercado de jogadores sul-americanos. O processo que acontece entre Brasil e Europa é reproduzido, desta vez pelos clubes brasileiros diante os clubes sul-americanos, formando uma cadeia que retroalimenta o processo de globalização.
O efeito que a alimentação do espetáculo europeu as custas dos astros brasileiros foi uma globalização maior da nossa liga que apesar de diversificar culturalmente o campeonato nacional, explora os clubes sul-americanos, reproduzindo a cadeia imperialista a qual já foram submetidos pelo mercado europeu.
Um caso recente e que exemplifica bem a questão é o Clube de Regatas Flamengo. Em 2017 foi consolidada a venda do atacante Vinícius Junior que jogava nas categorias de base do clube e foi promovido ao elenco principal já vendido ao Real Madrid pelo exorbitante valor de 45 milhões de euros. Com o valor da venda a diretoria do time carioca investiu em preencher o espaço deixado pelo habilidoso atacante além de reforçar o plantel do clube. O dinheiro investido trouxe grandes jogadores, inclusive joias sul-americanas como o uruguaio Giorgian De Arrascaeta (comprado junto ao Cruzeiro pelo valor de 18 milhões de euros). Ao todo o clube hoje conta com sete estrangeiros no elenco.
Ainda por cima esse penoso processo acaba por sucatear as entidades administrativas do futebol sul-americano, como a CBF, AFA e a própria CONMEBOL, pois a subalternidade a qual são submetidas pelos mercados mais fortes como Europa e Ásia acabam por enfraquecer as ligas nacionais, desnivelando assim o nível técnico e aumentando o abismo entre América e Europa.
Além da perda de astros para seleções europeias por falta de identidade com as suas seleções de origem, como no caso do atacante Diego Costa que hoje defende a seleção espanhola ou o meia Jorginho que atua pela seleção italiana, a sociedade, não só a brasileira mas a sociedade sul-americana propriamente dita perde identidade com os jogadores que atuam pelas seleções nacionais simplesmente porque não os conhece, já que desde muito novos atuam no futebol europeu. Não são criados laços entre jogador e torcida, a fervor de torcer pelos seus ídolos, os astros de seu clube de coração são totalmente esfriados pela dura globalização mercantilista do futebol.
Os resultados em campo são seguidos fracassos, que não são justificados por incompetência técnica, pois o celeiro que o futebol sul americano representa ainda produz as melhores joias do futebol mundial, as duras derrotas são causadas pela falta de identidade, tanto dos jogadores, com a importância, o tamanho, a representatividade que é jogar pela seleção de seu país, como da torcida com os convocados oriundos do velho continente, com um português baleado com sotaques ingleses, franceses e italianos que custam a encantar a torcida muitas vezes desesperançada com o futebol.
Com o avanço da mercantilização do futebol, leis como a lei Pelé e Lei Bosman que foram criadas buscando trazer a “liberdade” aos jogadores de futebol, acabou transformando o mercado de transferências em um mercado análogo ao mercado de ações nas bolsas de valores. O jogador que em tese se tornou dono do seu próprio passe, na verdade ficou refém de empresários e investidores. Atualmente é comum jogadores receberem investimentos e compras dos seus direitos econômicos de qualquer empresa privada que tenha interesse em investir no mercado e dependendo do desempenho e concomitantemente a valorização do produto (no caso o jogador), a empresa pode angariar uma grande margem de lucro.
Diante de tal cenário a permeação de grandes empresas investindo no futebol aumenta progressivamente ano após ano, sempre em busca de aumentar a porcentagem de lucros sobre seus investimentos. Tornando assim o mercado de transferências mais agressivo do que nunca, sobretudo a Europa, epicentro do futebol mundial, que suga a cada janela de transferências as joias do futebol mundial, sobretudo as brasileiras onde a produção desses jogadores acontece de forma mais acelerada pelo produtivismo, que o Brasil reproduz na América Latina.
O acelerado processo de globalização do futebol cria mais abismos do que conecta culturas. A mística, a paixão, o fervor que circundou as partidas de futebol estão a cada dia menos intensas à medida que o futebol se globaliza. O torcedor virou cliente, o jogador mercadoria, as partidas dominadas pela publicidade e aos poucos o futebol moderno corrói todo o brilhantismo quase mitológico que fez o futebol se tornar a instituição que ele representa hoje.
Os impactos são os mais devastadores possíveis. A torcida, o tentáculo vital de uma partida que controla a temperatura do jogo com sua pachorra e eloquência em torcer vêm se esfriando, gelada, quase como se estivéssemos em óperas ou alguma partida de tênis. Os jogadores ultrapassaram as barreiras esportivas, se tornaram celebridade do mais alto calibre. Seus egos cresceram a medida que seus salários se tornarão exorbitantes A alienação dos mesmos impede que qualquer conscientização do público seja feita, formando um ciclo de alienação que vicia o torcedor em consumir e coloca jogadores de futebol em pedestais.
Mas não é essa a essência de luta e resistência que reside na origem do futebol. O futebol foi tomado pelo povo. Esse esporte carrega uma ambiguidade única, na qual a ordem hierárquica foi subvertida. Tomado de assalto das elites, o futebol foi construído pelas baixas camadas da sociedade, pelo pobre, pelo preto. Arrancou os herdeiros ingleses do campo e colocamos em pé de igualdade o favelado e o nobre inglês. Tomado, construído e popularizados graças às massas a qual compareceu aos estádios com o fervor em torcer e que também forneceu os mais lapidados diamantes para atuarem dentro de campo.
E agora presenciamos de perto nosso amado esporte sendo explorado a custo do lucro. As nostalgias esmagadas pelo mercantilismo desenfreado. Os espaços para politização das massas, de conscientização, o qual o futebol carrega em sua essência por ser um esporte popular vêm sendo silenciado em nome da alienação política.
Ações que vão na contramão dessa nova forma de pensar o futebol se mostram extremamente importantes. Com destaque para iniciativas de clubes como o Esporte Clube Bahia que se aproveita da sua popularidade para fazer mais que apenas angariar lucros, com políticas que incluem ingressos a preço populares, além de contar com um Núcleo de Ações afirmativas para desenvolver campanhas que aborde temas importantes como racismo e homofobia com objetivo de conscientizar seus torcedores.
Ademais temos o Celtic Football Club que goza da sua popularidade para se posicionar ativamente em questões políticas cruciais, desafiando até mesmo a própria FIFA, como as manifestações na Champions League deste ano a favor da Palestina e na partida contra Lazio da Itália contra o fascismo (vale lembrar que o clube italiano possui uma torcida que ocasionalmente flerta com conceitos fascistas, exaltando-os nas arquibancadas). Em suma podemos citar esses dois clubes como exemplos de instituições que realmente se preocupam com o futuro do futebol, que exerce de forma positiva toda a influência sobre as massas que o futebol possui.
Mas é preciso de mais. Medidas radicais que impacte diretamente a elite do futebol, que realmente mostre a quem esse esporte pertence. É preciso reviver o espírito de luta de quando o futebol foi tomado das mãos das elites, precisamos do futebol subversivo, dentro e fora de campo. A subversão da ordem social e econômica há de ser feita novamente, pelo bem do futebol e tudo o que ele representa.
Por Lucas Arruda – Morador do extremo leste de São Paulo, militante Secundarista Autônomo, Anticapitalista, Anti-racista e amante de futebol.
2 Comentários
Enquanto não mudarmos radicalmente Nossa política para uma trasformacao social de verdade valorizando todas as mãos de obras de todas as classes de trabalhadore (ras) do nosso PAís ? O Capitalismo será sempre o Império no meio futebilistico e quantos jovens jogadores formarmos quantos jogadores eles compraram TEMOS que conquistarmos o valor Real das nossas Mãos de (Obra) Trabalho braçal ou manual .. ….salário mibimo
Parabéns pelo texto! Uma análise muito interessante sobre por que o futebol vem se tornando carente de alma…