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29 maio 2020

Nota sobre a revolta em Minneapolis e a violência do Estado racista no Brasil

Foto de George Floyd

Hoje a cidade de Minneapolis nos EUA vive o terceiro dia de poderosos protestos depois do assassinato de George Floyd, na segunda feira (25/05), asfixiado por um policial. Foram incendiados dezenas de edifícios, incluindo a delegacia do policial que assassinou George, queimada ao som dos gritos dos manifestantes de “Não consigo respirar!”. A revolta não está sendo encampada apenas por negros, conta com a participação diversos setores sociais dos de baixo (latinos, judeus, asiáticos, brancos etc) e houve protestos em mais de 20 cidades do país, como Memphis e Los Angeles.

O assassinato do homem negro, enquadrado com a acusação de supostamente fazer compras com notas falsas, foi gravado em um vídeo que viralizou globalmente nas redes sociais. No vídeo, se vê George algemado e jogado no chão enquanto um policial ajoelha sobre seu pescoço por 8 minutos. É possível ouvi-lo implorar, dizendo que não conseguia respirar. Nos solidarizamos integralmente com os protestos nos EUA e contra a repressão policial. 

A pandemia tem sido no mundo todo um catalisador da violência racial, deixando nuas as estruturas eugenistas dos Estados no sistema capitalista contemporâneo. Junto com a imensa crise econômica global por ela gerada, a pandemia tem provocado uma devastação social que está apenas no início.

No Brasil, são as populações pobres, pretas e periféricas as mais duramente atingidas. No resto do mundo também são as populações mais racializadas que têm sido deixadas para morrer na pandemia, os primeiros a perder o emprego com a crise. Nos EUA são os negros, latinos e imigrantes os mais afetados. O mesmo ocorre na Europa, onde os imigrantes são os que mais morrem por não poderem parar de trabalhar e não terem acesso ao sistema de saúde. Na Índia, o mesmo padrão se repete, sendo as castas inferiores os setores deixados para morrer. No continente africano, a ausência de uma infraestrutura ampla e moderna de saúde pública é um decreto claro da magnitude que lá terá o massacre do covid-19, apesar dessa situação ser totalmente ignorada pela cobertura jornalística. 

Os governos Trump e Bolsonaro fazem voltar explicitamente uma ideologia eugenista de supremacia racial e extermínio como carro chefe de governos, a atual revolta popular em Minneapolis é a primeira grande demonstração de resistência  a esse atual cenário.

Não bastasse o genocídio da pandemia que o Estado direciona escolhendo quem serão os deixados para morrer, a violência policial só tem aumentado. O absurdo caso do assassinato de George Floyd não é uma novidade no Brasil. Só nos últimos dias vimos numerosos assassinatos cometidos por policiais de forma absurda de jovens negros: no dia 20/05 foi assassinado pela polícia o Rodrigo Cerqueira, 19 anos, enquanto trabalhava como vendedor ambulante, 21/05 foi assassinado o jovem Gabriel Silva Dantas, 15 anos, e no 22/05 foi assassinato o jovem Juan Oliveira Ferreira, 16 anos, na sua própria casa por um policial, os três casos em São Paulo. No  dia 18/05, segunda-feira passada, foi assassinado pela polícia a tiros dentro de casa o adolescente João Pedro de 14 anos em São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro, entre os casos citados esse foi o único a ter alguma maior repercussão midiática. 

A política de segurança do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, eleito em 2019,  é matar moradores de favelas, em sua grande maioria negros, e logo de início apresentou dados superiores aos existentes, que já eram alarmantes. Dados do Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ) do primeiro semestre de 2019, afirmam que 80% dos mortos (711 de 885) por policiais eram negros e pardos. O número de assassinatos causados pela política do extermínio aumentou 23% de setembro de 2018 para o mesmo período em 2019, assim como o número de mortes em ações policiais aumentou 46% e a taxa de crianças baleadas em 80%, de acordo com o Observatório da Segurança Pública do Rio. Em 2019, só até agosto, de acordo com o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), 1.249 pessoas foram mortas por intervenção policial, e já em março o número de mortos bateu recorde em relação aos últimos 21 anos, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ). E ainda há a taxa de subnotificação, já que esses são apenas os dados oficiais. 

Em São Paulo, o governo João Dória  segue com a política de extermínio de Wilson Witzel. 2020 foi o ano em que se registrou a maior letalidade policial desde 1996. A cada oito horas e meia um policial militar mata uma pessoa que será registrada posteriormente como morte por intervenção policial. 85,5% das mortes em supostos confrontos entre policiais e criminosos, foram cometidas por policiais em serviço. E não apenas policiais em serviço matam, os dados mostram que policiais de folga também aumentam as estatísticas das mortes. No primeiro trimestre de 2020, segundo dados do Portal da Transparência, das 220 pessoas mortas, 68,8% eram pardos ou pretos. Os documentos também indicam a idade de 128 pessoas mortas, dentre eles, 68 eram jovens entre 18 e 29 anos. O mais novo era Ronaldo dos Santos, tinha 14 anos e morreu no extremo leste de São Paulo. 

Além dos assassinatos por policiais no Brasil o genocídio das populações racializadas tem sido aprofundado pelo genocídio causado pelo encarceramento em massa, os presídios na pandemia se convertem em centros de contágio. A superlotação, a falta de mínimas condições de higiene ou tratamento médico, o cotidiano violento de tortura dado aos presos pelos agentes carcerários fazem com que estejamos vivendo hoje no cárcere brasileiro uma situação de massacre anunciado, onde já ocorreram as primeiras dezenas de mortes, e o desespero de familiares e presos faz com os conflitos também só aumentam como já tratamos neste site.

Existem iniciativas importantes de luta contra esse massacre, como a Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio, a AMPARAR e a Frente Estadual Pelo Desencarceramento em São Paulo. Mas para além de protestos locais, campanhas virtuais e ações de solidariedade ainda estamos distante de desencadear grandes processos de revolta como o que está acontecendo nos EUA. 

A pandemia e a crise econômica por ela gerada são hoje experiências comuns a quase todos os países, provocando alguns efeitos e resistências semelhantes pelo mundo, que parecem fortalecer novas possibilidades de ação internacionalista, mas como fazer isso na prática? Se em tempos de pandemia e quarentena se torna ainda mais difícil reunir esforços para uma ação direta, Minneapolis, nos EUA, nos mostra, no entanto, que a resposta a esses ataques não pode esperar.

Sem dar respostas, os acontecimentos em Minneapolis colocam para os militantes brasileiros as seguintes questões: Por que no Brasil, onde o Estado racista mata muito mais do que nos EUA, não aconteceram ainda revoltas dessa magnitude? O que podemos fazer para catalisar as revoltas na periferia aqui? Como fazer com que essa revolta atual não seja apenas um acontecimento ou espetáculo momentâneo mas que conquiste mudanças reais? Como podemos articular a luta contra a violência policial internacionalmente? Como utilizar essa força internacional na prática para fortalecer as lutas contra a violência policial genocida nas periferias e nas cadeias brasileiras?

4 Comentários

  • Gracia disse:

    o sentimento atávico de submissão da população negra é o maior empecilho a uma tomada de posição, juntamente com a dominação das elites brancas. Como eu gostaria que o meu povo negro enxergasse com clareza a sua real posição diante da colonização branca, que fincou duas raízes e muitas vezes é ignorada pelo próprio colonizado! São meandros às vezes sutis, outras vezes nem tanto, que fazem com que as minorias se sintam ligadas e até amparadas pelo poder dominante. Como eu digo, isso começou quando os senhores traficantes de negros, não conseguiram escravizar os índios! Mesmo sendo aprisionados, eles vendiam caro a sua liberdade. Não se sugeitaram ao cabresto! Os negros foram caçados na África, foram escravizados e reagiram! Claro que houve revolta! Mas de lá até aqui, a raça, a classe não se uniu! Ainda hoje vemos negros desdenhando negros. Vemos negros se vendendo só comando elitista, e vemos pouquíssimos brancos empenhados e unidos aos negros na mesma luta. Enquanto o povo negro não tomar conta da sua própria vida, enquanto não se empoderar de suas raízes e de suas origens, não teremos para essa desigualdade, essa injustiça e esse genocídio.

  • VALDERI FELIZADO DA SILVA disse:

    Não vem com essa. Se o bandido atirar, resistir à prisão, tentar dar uma de “loko”, independente se for preto ou branco, terá que ser alvejado. Não tem essa. E, infelizmente, a maioria dos assaltantes, latrocidas e traficantes são negros (questão econômica ou não, não importa), sendo os alvos mais rotineiros.
    Em relação ao ocorrido em Minneápolis, é um crime e ainda bem que lá não dão colher de chá para criminoso, como ocorre aqui no Brasil. Lá o policial racista poderá pegar até perpétua. Aqui, vocês lutam para bandido sair o mais rápido possível da cadeia.
    Edite ou exclua isso

  • No Brasil,vamos ter que aprender a como continuar lutando contra este sistema Racista e estado de Apartheid que nos parece tão natural .E Organizar e fazer o movimento acontecer ,nossos Ancestrais estão nos vendo e esperando o melhor de nós ,somos seres pensantes e capazes,e acredito no Brasil e continuaremos na luta.Moro em NY,sou Mãe de 3 filhos negros,e uma luta árdua mais não impossível !!✊

  • MARIA DE LOURDES BUBNA disse:

    Não sei o que dizer, deixo minha tristeza e minha solidariedade sempre, mas também estou cheia de ver tantos assassinatos covardes, tanta desigualdade, tantos atos racistas ao longo da história, acho que tristeza é solidariedade não resolvem. Que tipo de luta lutar????

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