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05 jun 2020

Não ao EAD!

NÃO AO EAD! – A LUTA PELA DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À EDUCAÇÃO PÚBLICA.

Seguindo uma lógica empresarial de que devemos continuar produzindo independente das condições em que estamos (mesmo que seja uma pandemia) muitas instituições educacionais têm adotado medidas de “ensino” a distância, numa tentativa de fingir que não estamos vivendo uma crise de saúde pública e continuar com a vida normalmente.

Para refletir sobre o EAD, precisamos pensar o que é a educação. Sendo assim, faço o convite para pensarmos a educação como a ampliação de oportunidades por meio da construção do conhecimento, oportunidade de se apropriar do conhecimento que vem sendo historicamente construído pelos seres humanos mas principalmente, somado a isso, a educação também é uma das responsáveis pelo desenvolvimento da potencialidade humana. No processo de ensino-aprendizagem, o saber que deve ser construído tem que ser o responsável para que  o aluno compreenda e possa modificar a realidade. A educação, de fato, só é libertadora quando ela permite a transformação e a ampliação de potencialidades, talentos e subjetividades.

Em tempo, aos que chegam nesse texto desavisados e param de ler por aqui dizendo que esse texto está contaminado pelo viés ideológico da esquerda, é preciso dizer que quem entende a educação nesse sentido também é a própria Constituição Federal (não que a direita tenha qualquer apreço pela Constituição). Inclusive, a Carta Magna amplia essa definição entendendo que a educação tem como finalidade: “O desenvolvimento pleno do sujeito, formação da cidadania e o preparo para o mercado de trabalho”. Ao que parece, grandes empresários que lucram com o ensino a distância entendem apenas que o EAD deve ser implementado agora para garantir que o preparo dos profissionais não seja interrompido já que esse pensamento de “fazer o ensino técnico” já é dado como verdade na vida de muitos, afinal, sem a classe trabalhadora não tem geração de riqueza e eles sabem bem disso, porém, intencionalmente eles se esquecem que o “CNPJ” pode ser recuperado, mas o “CPF” não, por isso nossa prioridade deve ser sempre a vida.

Aqueles que defendem o EAD, geralmente apresentam como argumentos que o Ensino a Distância é uma ferramenta para superação das distâncias geográficas, assim como democratizar o acesso à educação, com maior alcance e também com a modernização dos processos educativos.

Tudo isso, no discurso é muito belo mas na prática é totalmente diferente. Primeiro, quando pensamos no argumento da “superação da distâncias geográficas”, tendo em vista que o Governo Federal estabeleceu uma Emenda Constitucional que congela por 20 anos os gastos do Estado com educação e saúde, por exemplo (EC 95), o ensino a distância surge como uma ferramenta para não investir na criação de novas instituições de ensino além de precarizar as existentes e diminuir as demandas e custos. Afinal, se em um lugar não tem uma escola ou uma universidade, o prudente não seria então que o Estado investisse na criação delas onde não tem? Isso que é de fato expandir o alcance do ensino.

Quando pensamos no argumento de que o EAD vem para “democratizar o acesso à educação”, podemos logo saber que isso é falso tendo como base um levantamento deste ano (2020) feito pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) que nos diz que dos 60 milhões de lares brasileiros, apenas 20 milhões têm acesso a uma conexão de internet, ou seja, mais da metade da população brasileira não tem sequer acesso a internet. 

Além disso, a mais recente pesquisa realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação sobre o uso de tecnologias de informação e comunicação em domicílios brasileiros mostrou que, em 2018, apenas 9% das famílias das classes D e E possuíam computador em casa. Na classe A, o número é de 98%.

Em relação aos telefones celulares que permitem acesso à internet, apenas 40% nas faixas de renda D e E estavam conectadas, enquanto o percentual era de 99% na classe A.

Como então o EAD poderia democratizar o acesso à educação?

Por outro lado, o EAD é amplamente defendido pelo setor financeiro, organismos como o Banco Mundial encabeçam a jornada pela privatização do ensino, utilizando o Ensino a Distância como uma de suas armas. Assim, eles se aproveitam da educação para construir uma mentalidade conservadora, domesticada e pacífica, contrariando os princípios de uma educação crítica e integral. O setor da educação financeira, vê a domesticação de mentes como uma forma de ensinar a população a aceitar tudo sem refletir de uma maneira crítica, para que possam apenas reproduzir a lógica do capital.

Nesse sentido, o Ensino a Distância se mostra como uma armadilha que abre caminho para a privatização da educação. Em 2003, o Banco Mundial publicou uma resolução pensando sobre o EAD “(Construir sociedades de conocimiento: nuevos desafios para la educación terciaria”. Nesta resolução, um trecho específico nos chama atenção: “as normas para o estabelecimento de novas instituições, incluindo as privadas e as virtuais, devem restringir-se a requisitos mínimos de qualidade e não devem constituir barreiras para o acesso ao mercado.” Esse trecho, para mim, é interessante pois revela bem a intenção por trás do EAD, afinal, não há nenhuma preocupação com a qualidade do ensino pois eles devem “restringir-se a requisitos mínimos” ou seja, focar apenas no mínimo, a educação não é prioridade. Além disso, “não devem constituir barreiras para ao acesso ao mercado”, isso se demonstra na prática quando observamos que dentro do currículo das escolas, principalmente no ensino médio, constam matérias como empreendedorismo e projeto de vida que em síntese são tentativas de reforçar a lógica capitalista na cabeça dos alunos, o que de fato é uma doutrinação que retira a autonomia do aluno de refletir e analisar o mundo que vive e normaliza as competições entre alunos e também o senso de produtividade que é extremamente nocivo para a saúde mental de qualquer pessoa.

É claro, o aluno não é uma folha em branco, ele tem seus conhecimentos, valores, sua identidade e a sua subjetividade então essa tentativa muitas vezes não é bem recebida pelos alunos, que contestam e se organizam. Muitos alunos, inclusive, tem se organizado de forma extremamente combativa, como o movimento secundarista, que inclusive faz um debate em defesa da educação pública de muito melhor qualidade do que o movimento estudantil universitário, que em geral, é a aparelhado por entidades estudantis, auto proclamadas de “esquerda”. Porém, sabendo que os estudantes vão se organizar para reagir a tantos ataques à educação os empresários, junto com as forças reacionárias com apoio do Governo Federal e da ampla maioria dos governadores estaduais tem intensificado o processo de militarização da educação que não é nada menos do que o reconhecimento do potencial de mobilização dos alunos, assim sendo, introduzir a lógica militar do medo e da repressão dentro da escola é uma forma de conter a revolta popular.

Sabemos que desde 2016 o governo federal vem destruindo o ministério da educação, durante o governo Bolsonaro estes ataques vem sendo cada vez mais fortes e intensos o que levou milhares de estudantes organizados autonomamente a ocuparem as ruas em defesa da educação para todos já no primeiro ano de governo.

Entretanto, como nós do campo anticapitalista nos colocamos em defesa da vida, não seremos irresponsáveis de convocar manifestações presenciais nesse momento, como faz o presidente da república mas ainda assim nosso trabalho de denúncia continua.. Precisamos alertar que o EAD além de acentuar as desigualdades no campo da educação, escancarar a falta de estruturas e acesso a internet para a população mais pobre, ser uma armadilha para a privatização do ensino, bem como uma barreira para a democratização da educação, também é uma forma de reprimir o professor, sim, pouco tem se discutido sobre isso mas é preciso entender que a educação tem que se dar por meio do processo ensino-aprendizagem, nesse sentido, não podemos cometer o erro de considerar apenas o aluno que já é muito afetado mas também entender que vivemos uma situação de perseguição aos professores o que é muito perigoso ainda mais no caso da educação a distância.

Algumas aulas estão sendo dadas por transmissão ao vivo ou vídeo-chamada e uma reclamação muito frequente é que a conexão da chamada é muito ruim, então, magicamente as universidades e escolas têm apresentado como solução instruir os professores a gravarem vídeo-aulas, mas quem paga o equipamento, a edição, a energia? Igualmente para o aluno, quem paga a conta de luz, computador, a internet? E nos lares que só tem um computador, como acompanhar as atividades da escola se só tem um computador para mais de três pessoas?

Além disso, é também preciso denunciar que a grande parte das instituições privadas de ensino continuam cobrando a mensalidade presencial mesmo fornecendo aulas a distância.

E a aplicação do EAD atinge novamente principalmente os lares da periferia, onde o Estado segrega as pessoas que eles enxergam como classes subalternas, muitas pessoas viveram outras realidades e não conseguiram ter acesso a educação, mas querem que seus filhos e filhas tenham e por isso se esforçam e colocam o aluno na escola. A maior felicidade dessa pessoa vai ser acompanhar o processo e o desenvolvimento da criança e nisso a educação é fundamental, a criança vai aprendendo a ler, escrever e quando vai ver… já cresceu! 

Agora, com a imposição do EAD principalmente na educação infantil, transfere-se para a família a responsabilidade de construir o conhecimento junto com a criança educanda, a mesma família que pode nem saber ler e essa dor de se sentir impotente de ensinar aquela pessoa que sentimos tanto apreço é uma dor muito forte e a desumanização é absurda.

Por mais duro e doloroso que seja, nós devemos focar na realidade, não há mais tempo para tolerar as opressões do capitalismo, esse sistema desigual que força a lógica de produtividade e opressão em todos os espaços. Chega das políticas assassinas e neoliberais. Precisamos estar em defesa da vida do povo brasileiro, a suspensão do ano neste momento é uma necessidade. Para estar em defesa da educação plural, universal, pública e democrática é preciso continuar lutando, afinal, só a luta muda a vida!

Por Marcus Nascimento, militante preto, anticapitalista e estudante de serviço social na Unesp.

0 Comentário

  • Carlos Alonso disse:

    Está mais do que na hora de fazermos um abaixo assinado para que providências sejam tomadas contra essa política do “Quanto Vale ou É Por Quilo” que vem a reboque desse modelo excludente de educação. Eu mesmo como professor não possuo tecnologia ou equipamentos em que eu consiga ter acesso ou que essas centrais de mídia possam abrir. Como tecnófobo, “anodita” e anticapitalista eu também tenho dificuldades em ficar sentado por mais de uma hora em frente a estas máquinas. O pior disso tudo é que por conta dessa exclusão digital o que se torna visível é aenorme quantidade de crianças e adolescentes na rua e fora do isolamento social arriscando suas vidas. O sindicato (apeoesp) está praticamente de mãos atadas e a mentira do plano fracassado de educação de Bolsodoria/Rossielli é um fracasso e uma propaganda enganosa.
    Como anticapitalista, como você vê essa “obrigatoriedade” (mais conhecida como assédio moral) das pessoas terem internet e e equipamentos em casa?

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