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17 jan 2021

A "solidariedade" da Venezuela a Manaus e a White Martins

Vivemos um dos momentos mais lastimáveis para o povo pobre e trabalhador, que é a epidemia do novo coronavírus, a famosa e perversa covid-19, que já bate mais de 200 mil mortes no Brasil. Diante desta catástrofe se soma a negligência, o negacionismo e a confusão da polarização sobre o vírus mais letal do século, vindas por parte do próprio governo. Governo este que durante a pandemia zerou o imposto para importação de armas enquanto elevou o imposto para importação de oxigênio em plena pandemia. A situação se agravou e, em questão de semanas, faltaram vagas nos hospitais e covas nos cemitérios – isso para o povo que trabalha, porque para os ricos, teve até atendimento aéreo.

Recentemente o caso de Manaus tem despertado a revolta contra esse massacre governamental aos pobres. O Estado do Amazonas que já sofreu mais de 6 mil mortes oficiais pela pandemia (números obviamente subnotificados), teve sua situação drasticamente agravada nos últimos dias devido à falta de cilindros de oxigênio, aprofundando a lógica da exclusão, eliminação e massacre da população trabalhadora nesse momento.

Na mesma época em que a situação começou a se agravar em Manaus, o ex-senador e ex-prefeito Arthur Virgílio Neto, do PSDB, contraiu o COVID-19. Ele pegou um voo direto para São Paulo, ficando internado 31 dias no Hospital Sírio Libanês – o hospital mais caro do país – diferente do povo, que agora está sendo sufocado pela falta de cilindros de oxigênio.

A recente repercussão sobre a solidariedade do governo venezuelano que permitiu que o Brasil importasse tubos de oxigênio, que doou remessas de oxigênio e enviou médicos, não esconde o fato de que vivemos em um sistema capitalista no qual a Venezuela se inclui, ao contrário do que as ilusões geopolíticas da esquerda frequentemente querem fazer acreditar.

Por mais louvável que seja a ajuda humanitária da Venezuela para Manaus, com todo o compreensível gozo gerado pelo constrangimento ao governo genocida de Bolsonaro. A esquerda esquece que a culpa da tragédia não é apenas da política genocida do Estado brasileiro, que já sabia com dez dias de antecedência que o oxigênio iria acabar em Manaus, mas é sobretudo da própria indústria farmacêutica que tem batido recordes de lucros com a pandemia sem se dar o trabalho de sequer garantir a demanda de itens essenciais, pelo contrário, tem lucrado mais com a carência de insumos básicos, o governo brasileiro neste contexto tem sido coerente a essa lógica capitalista onde os lucros importam mais que vidas.

A empresa responsável pela produção e distribuição do oxigênio médico em Manaus (assim como a maior do setor na Venezuela, país de onde a White Martins também agora exporta oxigênio para sua filial do outro lado da fronteira) é uma empresa privada do setor químico, a multinacional White Martins, que pertence ao grupo Linde plc, conglomerado de empresas alemãs e americanas sediado na Irlanda. Seu histórico segue as características da classe patronal: crimes laborais, negociatas nos parlamentos, acúmulo de capital de gerações e gerações de trabalhadores e rapinagens. Homens, mulheres e até crianças passaram por dentro das fábricas, produziram e foram descartadas que nem um nada.

No começo dessa crise sanitária, com uma doença avassaladora, esta empresa foi uma das grandes empresas a crescer assustadoramente nas vendas de ações, depois de inúmeros diagnósticos feitos por profissionais da saúde de que um dos sintomas causados pelo vírus é a falta de ar. O crescimento econômico da empresa é justificável com a demanda: vendas de tubos de oxigênio médico para Estados nações e hospitais privados. Em outras palavras, super lucros com a desgraça, a exploração e a morte.

Em uma rápida pesquisa na internet encontramos como a empresa White Martins se negava a pagar adicional de insalubridade a trabalhadores expostos a situações de risco e foi condenada na justiça depois de ação do sindicato dos trabalhadores químicos, a realizar esses pagamentos desde o fim de julho de 2020. Também encontramos uma notícia sobre uma paralisação feita nas fábricas da White Martins em Campinas e Paulínia (SP) devido a empresa ter desrespeitado o acordo de reajuste salarial dos trabalhadores.

Outra notícia, um pouco mais antiga, de 2009, do Sindicato dos Metalúrgicos da Região Sul Fluminense, mostra como a unidade local da White Martins estava desrespeitando os trabalhadores com demissões injustas e o não pagamento do adicional de insalubridade. Encontramos também um jornal do Sindicato dos Petroleiros do RJ convocando uma ação popular contra a venda de participação no setor de gás da Petrobras para a White Martins, assim como diversas irregularidades praticadas pela empresa, incluindo diferentes condenações, como multas por formação de cartel e por  superfaturamento na venda oxigênio para hospitais públicos em BrasíliaRio de Janeiro, e inclusive para o Hospital Central do Exército também no Rio.

Os recentes aumentos do preço do gás de cozinha, que se estima que pode atingir de 150 a 200 reais a unidade nos revendedores em 2021, tem o dedo da White Martins. Em 2020 ela conseguiu aumentar sua influência na Petrobras (fechando o mesmo acordo de compra de 40% da Gás Local que o jornal de 2006 que citamos acima dos Petroleiros lutava contra).

Acreditamos que a triste situação que vive o Brasil durante a pandemia é culpa desse sistema capitalista que põe os lucros privados de um pequeno número de capitalistas nacionais e internacionais acima da vida da maioria da população. Nesse cenário onde a sabotagem patronal ou estatal e o lobby tem dado as cartas, é urgente lembramos que a solidariedade entre os de baixo é a única capaz de criar novos sentidos pra vida para além da acumulação de capital, tornando possível pensar em nos reapropriar da produção necessária para reprodução da saúde e da vida.

Somente abandonando as ilusões com falsos salvadores Estatais ou empresariais, com laços de solidariedade reais entre os de baixo, com o fortalecimento de nossas organizações, lutas e da nossa autonomia, poderemos voltar a pensar em um mundo em que a vida seja mais importante do que o lucro.

Por Helder Aguiar entregador autônomo do Grande ABC e por Gabriel Silva militante internacionalista.

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