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24 jan 2021

Autocuidado

Grafite de Nayara Amancio @_pocas.pretacharme

Viro meus olhos ao avesso pra eu poder me enxergar com um pouco mais de apreço. Hasteio bandeira branca no topo da cabeça, para que minha mente não mais enlouqueça com minhas guerras internas.  Meu cessar fogo é energizar meu corpo através das forças da natureza. Curandeira de mim, inicio o dia com chá de alecrim. Grito Eparrey oyá e seus ventos vêm como um abraço pra me acalentar, os sopros tocam minhas feridas pra ajudar a cicatrizar. Eu decidi que vou me apaziguar. Abaixo as armas da auto sabotagem, que é pra dar menos tiro no pé. Procuro cuidar melhor da minha fé, removendo as balas da amargura e erguendo as armaduras do amor próprio. Não é fácil,  é um trabalho árduo, diário e solitário. 

Grafite de Nayara Amancio @_pocas.pretacharme

Pra minha sobrevivência, procuro a consciência de que eu não tenho poder sobre meu passado, mas sim sobre meu presente e meu futuro. Por isso, destruo os muros do pretérito que enrijeceram meu coração. O amor acabou no momento que a barriga cresceu, quem dizia fechar comigo não fechou. Típico do homem fraco, de espírito opaco, que pouco sabe sobre responsabilidade, e na hora que a vida exige um pouco mais de habilidade, as pernas bambeiam, não segura o rojão e se esconde que nem muleke fujão pra debaixo da saia da mãe. No nascimento do filho, tava na festa com os amigos. Dei o salve e não fez nem questão. E pra somar, a violência obstétrica que veio pra deixar sequelas, a cicatriz da episiotomia não autorizada me lembra através da dor que um momento que deveria ser sagrado, se tornou de muito malgrado, um trauma que eu trabalho pra que seja superado. 

De Nayara Amancio @_pocas.pretacharme

E pra ressignificar, se o tempo fecha, a solução pro meu peito aperreado é vir cortando a tristeza com machado.  Enquanto corto as raízes do meu próprio mal, entendo que chorar não me torna um ser vulnerável. Na verdade, chorar me retorna ao nível  estável. Quando necessário, meus olhos águam, e dependendo do dia, até trovejam. As dores correm junto com  as chuvas, e assim, as passagens se abrem menos turvas.

Meu corpo pediu pra eu repensar a estratégia, porque as guerras internas estavam adoecendo as pernas, tava ficando difícil de andar…  Por isso me resgato e me cuido, prestando atenção em cada descuido, que é pra não descuidar mais de mim e ficar viva mais um dia.

Por Nayara Amancio, 25, anos, moradora  do bairro Sol Nascente na Zona Oeste.  Mãe do Cauê e ativista na luta materna. Também grafiteira tendo como vulgo Pocas. Para conhecer meu trabalho no Instagram @_pocas.pretacharme

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