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31 jan 2021

Reflexões na preparação da greve dos caminhoneiros de 2021

Segunda-feira, dia 01/02/2021, amanhã, começa a greve nacional dos caminhoneiros. O chamado da greve tem causado polêmica e desinformação no debate político. Da esquerda vemos acusações de que a greve é feita por bolsonaristas, que é um movimento com excessiva influência patronal e que estaria fadado a reforçar o fascismo. Já pela direita, a greve é acusada de ser uma conspiração de sindicalistas de esquerda para golpear o governo Bolsonaro – circulam nas redes uma variedade de memes de fakes news com essa tese, em alguns destes memes se afirma, por exemplo, que MST e MTST estariam coordenando bloqueios a nível nacional no dia 01/02 para forçar os caminhoneiros a pararem – e o próprio presidente Jair Bolsonaro já veio a público mais de uma vez para pedir que os caminhoneiros não façam greve nesse momento.

Em nota, o Ministério da Infraestrutura desqualifica a convocação da greve dizendo que as entidades que a convocam não seriam verdadeiramente representativas da categoria, afirmando o “caráter difuso e fragmentado da representatividade do setor, seja regionalmente, seja pelo tipo de carga transportada” e que “nenhuma associação isolada pode reivindicar para si falar em nome do transportador rodoviário de cargas autônomo”. 

Os próprios caminhoneiros parecem de fato estar divididos quanto à greve. A convocação da paralisação tem sido atribuída a entidades representativas como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte e Logística (CNTTL) e a Associação Nacional do Transporte Autônomos do Brasil (ANTB), a greve também conta com apoio declarado das duas principais federações de petroleiros a Federeção Nacional de Petroleiros (FNP) e a Federação Única dos Petroleiros (FUP), que já convocam atos de apoio em várias cidades. Observando a movimentação através de diferentes grupos em redes sociais, noto que apesar de ser real a profunda fragmentação da categoria, há toda uma diversidade de figuras convocando a greve, demonstrando ser falsa a afirmação de ausência de representatividade na convocação (é interessante ver esse vídeo da página treta no trampo que mostra caminhoneiros de diferentes Estados em apoio a greve). Por outro lado, há também uma ampla variedade de reconhecidas figuras da categoria desmobilizando a greve, de forma que se torna extremamente difícil mensurar qual será a potência real da mobilização que se inicia amanhã.

A mera ameaça da greve, no entanto, já arrancou algumas conquistas do governo, que tenta assim enfraquecer o movimento. O governo zerou o imposto para importação de pneu, realizou um aumento na tabela dos preços mínimos do frete em valores de 2,34% a 2,51%, incluiu os caminhoneiros e motoristas no grupo de prioritários para receberem a vacina contra a Covid-19, e também, prometeu revisar a fiscalização de multas por sobrepeso, diminuir os valores de pedágios e outros pontos menores. De outro lado o temor a greve já fez se iniciar a repressão do Estado, o judiciário de São Paulo proibiu o travamento das rodovias Régis Bittencourt e Presidente Dutra durante a greve, estabelecendo multas diárias de R$ 100 mil para entidades e de R$ 10 mil para pessoas físicas.

Mesmo que não existam motivos para ser otimista, fato é que os próximos dias serão decisivos para os rumos da luta de classes no Brasil.

Os dois grandes trunfos da greve dos caminhoneiros

O primeiro grande trunfo do movimento é a principal pauta da greve: a redução do preço do diesel. Ela impacta e unifica os interesses econômicos de uma poderosa composição de trabalhadores, todos aqueles que trabalham diretamente com o combustível, como motoristas de aplicativos, entregadores, taxistas, motoristas de vans, barqueiros (cuja entidade representativa ja declarou apoio a greve), frentistas, vendedores de gás e petroleiros. A greve dos caminhoneiros de 2018 mostrou como esses setores podem atuar juntos na prática grevista a partir do despertar da ação direta a nível nacional dos caminhoneiros. Além disso, a alta dos combustíveis é um dos grandes fatores que causa a escalada inflacionária que tem afetado os produtos alimentícios como arroz, feijão e carne. Fazendo, portanto, com que essa greve também possa ecoar em uma luta mais ampla e popular pela redução do custo de vida. 

A pauta da redução do preço dos combustíveis, que seria a pauta “salarial” mais forte da greve, além de ser uma pauta econômica no atual contexto, vira também uma pauta política, por atacar frontalmente a política econômica de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes, que tem promovido a desvalorização cambial que causa a atual escalada inflacionária que encarece o custo de vida dos trabalhadores para beneficiar a alta burguesia.

Devido a sua imensa importância, a pauta de redução do preço do diesel tem sido alvo de intensas disputas. Algumas entidades representativas dos caminhoneiros e da parte da esquerda que apoia o movimento defendem que a redução deve ser conquistada pelo fim da política de preços adotada desde 2016 pela Petrobras (a política de Preços de Paridade de Importação, PPI), que encarece os combustíveis ao equiparar seu preço ao mercado internacional medido em dólar. Essa reivindicação é melhor explicada na publicação “Por que apoiar a greve dos caminhoneiros? ” do jornal Cavalo Doido, um jornal dos entregadores e motoristas.

A possibilidade de mudança na política de preços da Petrobras poderia gerar efeitos de mais longo prazo e que impactam diretamente no bolso da maioria da população brasileira, seria além disso a maior derrota política e econômica em décadas das grandes transnacionais do Petróleo, assim como dos setores exportadores e financeiros da alta burguesia brasileira. 

De outro lado, Jair Bolsonaro disputa o movimento com o discurso pela redução de impostos, sugerindo que os preços caiam pela redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é cobrado pelos Estados (e, portanto, direciona o movimento a bater nos governadores) e chegou a acenar com a possibilidade de redução de impostos federais como o PIS e a Cofins, desonerando os combustíveis. A pauta de redução de impostos favorece mais os grandes empresários e transportadores do que os trabalhadores, pois se a redução do preço do combustível é sentida diretamente nas bombas dos postos de gasolinas por trabalhadores de todo país, a cobrança do ICMS impacta com mais força as grandes empresas, por mais que beneficie também os caminhoneiros autônomos (que sao registrados como microempresa ou mei), por ser uma política de desoneração para empresas, beneficiaria menos os trabalhadores em geral, só gerando algum benefício para a maioria no caso das empresas que optarem repassar com redução nos preços das mercadorias ao consumidor parte do subsídio. A paralisação patronal  de caminhões que ocorreu em São Paulo na última quarta (27/01), prova a influência que Bolsonaro mantém junto às transportadoras e sua capacidade real de disputar os rumos do movimento caso necessário. 

O segundo grande trunfo da greve é a sua própria forma de ação direta e potencial descontrole político, a greve de caminhoneiros de 2018 entrou no imaginário dos trabalhadores como um dos raros momentos em que “o Brasil realmente parou”, foi uma ação direta extremamente radicalizada que combinou paralisação em massa da força de trabalho com travamentos das mais importantes rodovias e avenidas do país. Convocada a partir de uma diversidade de agentes relativamente descentralizados que atropelaram a vontade dos principais dirigentes da esquerda e da direita, em apenas 10 dias ela conseguiu provocar desabastecimento nas principais cidades do país, paralisações de indústrias e atividades produtivas, assim como prejuízos astronômicos para a burguesia nacional e internacional. Se essa greve de 2021 repetir, mesmo que em menor escala, os elementos de radicalidade da greve de 2018, já será a maior ação de enfrentamento feita contra a política econômica do governo Bolsonaro, e sem dúvidas será uma referência a agitar os conflitos e lutas de classes nos mais diversos locais de trabalho, assim como em em avenidas e rodovias por todo o país. O contrario também é verdadeiro, e a desmobilização da greve enfraqueceria o imaginário da potencia da poderosa greve de 2018.

Por outro lado, a composição policlassista e ideologicamente confusa da direção do movimento apresenta riscos reais de se tornar base de um reforço do projeto autoritário de poder de Bolsonaro, risco que aumenta devido ao próprio caráter conservador que a esquerda assume ao não ser hoje um agente catalisador das lutas da classe trabalhadora.

Conclusão:

Um fato que chama atenção é a grande indiferença da esquerda ao significado político que a ação direta dos caminhoneiros pode adquirir na atual conjuntura em que parece se iniciar um desgaste do governo Bolsonaro e a possibilidade do impeachment motiva uma retomada de mobilizações. A esquerda, por outro lado, tem se contentado com manifestações performáticas que não geram impacto político ou econômico significativo, como lives, panelaços e carreatas. Nesse contexto, com mais de 220 mil mortos de COVID-19, campanha de vacinação boicotada pelo presidente e seus militares, desemprego em máxima histórica, fim do auxílio emergencial e alta da inflação e do custo de vida jogando milhões na fome e na miséria, é de uma ironia ímpar que num momento em que os sindicalistas não ousam falar em greve geral, a greve dos caminhoneiros seja a única mobilização em pauta hoje que tem minimamente o potencial de bater de frente com a política econômica genocida que vem sendo implementada pelo governo Bolsonaro.

Nos últimos anos, o preço dos combustíveis foi a pauta central de diferentes movimentos pelo mundo como os Coletes Amarelos na França em 2018 e as revoltas massivas no Equador e Irã em 2019. Se queremos ser capazes de confrontar o Bolsonaro e os bilionários que estão enriquecendo com a pandemia, é essencial fortalecer e disputar essas mobilizações. Não adianta esperar as eleições de 2022, a única possibilidade de não continuarmos a sermos esmagados é com o acirramento da luta de classes.

Por Gabriel Silva, militante do Quilombo Invisível.

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