
Essa entrevista faz parte do livro Fala Carolinas! Mulheres na luta por vida e dignidade, uma poderosa reunião de entrevistas, ensaios e poemas de mulheres negras, indígenas e periféricas que protagonizam e narram a luta de movimentos por moradia, transporte, cultura, LGBTQI+, contra o cárcere, curandeiras, parteiras, educadoras, e na resistência das comunidades indígenas no Chile.
Naná é participante da ocupação Esperança, que fica na região noroeste da cidade de São Paulo. Naná é mãe de três filhos e avó, militante pelo direito da moradia, trabalho, educação, vida e dignidade. O terreno de 48 mil m² onde está localizada a Ocupação Esperança, no bairro Santa Fé, na zona industrial do município de Osasco (SP) hoje não é mais um acampamento, mas um bairro organizado que abriga quase mil barracos de madeirites coloridas e, até mesmo, grandes casas de alvenaria. A ocupação existe desde 23 de agosto de 2013. Entendemos que, enquanto morar for um privilégio, ocupar sempre será um direito! Essa entrevista foi realizada pela Nathália Ract e Julia Vitoria, em julho de 2020, por isso a situação atual da ocupação descrita durante a entrevista pode ter passado por modificações.
Qual o seu nome?
Naná: Meu nome é Marinalva Maria de Souza, eu tenho 49 anos, sou nascida em Piauí e vim pra cá em 86, eu tinha 16 anos de idade. Eu fui violentada na minha cidade, eu tenho todo o meu corpo machucado, e foi por família.
Eu tenho meu corpo todo retalhado por punhal, eu era muito bonita, e até hoje eu sou, né? Então eu sofri muito, aí minha mãe me trouxe pra cá, e já morava minha família aqui. Eu não vestia shorts, eu não vestia nada, eu tinha um trauma de homem e tudo que me pegasse eu tinha esse trauma na minha mente, então eu fiquei mais recuada. E muitas coisas eu perdi, a minha juventude. Meu primeiro registro foi com 17 anos numa padaria.

Desde quando você começou essa militância na sua vida?
Naná: Eu voltei pra minha cidade em 90 e em 92 fui para Brasília. E aí eu conheci o Movimento Sem Terra. Eu entrei no Sem Terra devido às condições que eu não pagava mais aluguel e fui despejada em Brasília. E eu com meu companheiro que é o pai dos meus filhos, a gente foi para o Sem Terra. Eu conheci uma moça, amiga minha do trabalho, né? Que foi despejada também e eu fui pro Sem Terra. Primeiro a gente era do MST, saímos fomos para a CUT, né? E da CUT eu fui pro INCRA, e foi lá que eu conheci o Avanilson, o Avana.
E como era o Movimento dos Sem Terra?
Naná: Era bem organizado. Muito sofrimento, né?… Se você ocupa a terra, é o pobre que ocupa pra moradia, é mais difícil. Tem os capangas, e a segurança é mais dobrada e você tem que ficar mais atenta nas coisas, né? Passei dois anos, meu companheiro que é pai dos meus filhos está lá hoje, tem uns alqueire de terra e mexe com irrigação, com planta, ele planta pimenta, cebola e vende para os mercados. O meu outro filho mora lá com ele, lá em Brasília. Aí eu vim embora pra São Paulo, em 2007, porque eu separei do meu companheiro, não deu mais certo e vim para passear em São Paulo e acabei ficando.
Desde quando você mora aqui na Ocupação Esperança?
Naná: Desde 2013. Faz 7 anos. Vai fazer no dia 26 de agosto. Eu vim para o Esperança, mas não vim diretamente pra ficar na luta, mas sim atrás do namorado e acabei me envolvendo aqui. Aí, cheguei e falei “Meu Deus”. A gente tava de bota a gente vinha de uma festa, eu com a minha sobrinha e acabei me envolvendo. Gostei e falei: é aqui que eu vou ficar e fiz uma barraca. O Buiu, eu lembro hoje com o Buiu, nossa! Chamava aquele tanto de gente pra fazer comida e já me envolvi na cozinha. Eu fazia comida e comecei a me envolver. O povo já me conhecia, muita gente já me conhecia, eu era bem conhecida lá fora, né? Aí fui me envolvendo, me envolvendo… Aí a Helena chegou um dia e falou: “Você vai tomar conta do setor B!” Que era três setor, o A, o B e o C, então como era muita gente tinha que dividir as tarefas da cozinha. Aí ela falou: “com quinze dias eu quero a cozinha montada!” Com três dias eu montei a cozinha, com fogão, com tudo. E foi com a Itajaí, que é uma companheira que está, desde o começo que me ajudou a montar a cozinha, ela mora hoje aqui com a gente, mas no momento ela não está.

E quando foi que começou a Ocupação aqui? O que você lembra?
Naná: Eu lembro que foi organizada por mulheres. Tinha a comissão de mulheres e os outros companheiros também ajudando. Era barraca de bambu, nada de barraco de madeirite, sem água, sem luz. E mutirão, tudo organizado, né? E com o tempo foi mudando, pouco a pouco, não podia fazer tudo de uma vez de madeirite, né? E como não tinha luz nem água, os companheiros iam pegar água pra gente. Quando caia a água da chuva, nós lavava a louça. E aqui no sobral a gente fez um ponto aqui, que a gente lava a roupa aqui no campo. E a gente foi indo, foi indo… De pouquinho em pouquinho colocava madeirite por dentro da lona, mas sempre debaixo da lona, né?
Eu entrei aqui no dia 26 de agosto de 2013, com três dias de terra ocupada, participei desses mutirões e fui pra prefeitura pra fazer ato.
E como é essa experiência de morar em um espaço organizado pelo próprio povo?
Naná: Assim, como eu já tinha vivido no Sem Terra, eu já tinha um pouco de experiência, né? Então, pra mim, assim, eu não queria mais essa vida de viver ocupando, né? De Sem Terra. Mas eu olhei aqui, é aqui que eu vou ficar, eu amei, fui e coloquei minha barraca. Rapidinho eu montei, porque é três pauzinhos, amarrou, jogou a lona e eu já estava de baixo. E pra mim,é nessa hora que eu choro, porque… Eu choro porque lá fora eu não tinha o valor que hoje eu tenho aqui dentro. Aí eu não sabia ler que era mais difícil pra mim arrumar emprego, que sempre eu tinha que levar uma amiga pra entrar na empresa pra fazer a ficha pra mim. E através do Luta Popular, através da luta, muita gente não entende… O Luta Popular somos nóis! Somos nóis que é a luta!
O povo…
Naná: O povo! Através do povo, que me deu oportunidade. Pra minha pessoa foi muito importante, porque lá fora eu perdi tudo. Lá fora eu não tinha valor, eu era muito discriminada. Trabalhei na USP (Universidade de São Paulo) muito tempo e fui discriminada lá dentro, devido que eu tenho um problema de Rinite alérgica, que você sabe quando ataca.
Então eu fui muito humilhada, muita coisa sabe, eu entrei em depressão, fumava maconha, bebia, e através da luta popular me deu oportunidade. Hoje eu sou uma grande mulher, reconhecida não só aqui dentro, como lá fora pelo meu trabalho. É uma oportunidade de mostrar a força que eu tenho, entendeu?
Hoje, eu não tenho medo de lutar, eu posso sair, eu não tenho medo de lutar. E a minha experiência eu passo para as outras pessoas, porque foi uma oportunidade muito grande de largar a maconha e o álcool, deu saber ler e escrever. Porque não adianta, você lá fora você não tem a oportunidade que você tem dentro da periferia, muitos discriminam, mas quem mora aqui sabe. Que aqui você tem muita oportunidade de crescer e de mostrar a diferença. Que lá fora, que podia ser melhor, mas não é. É só aparência, é só boniteza que tem lá fora, mas realidade não mostra pra gente. A gente não tem a oportunidade que nóis tem aqui dentro. A realidade lá fora é muito difícil e aqui dentro não. As comunidades é um dando a mão para o outro. É ajudando. É se compreendendo. E eu me orgulho muito, eu mesma, como mulher de participar do Movimento Luta Popular!
Todo dia eu agradeço a Deus, hoje eu tenho os meus filhos de volta, porque assim, eu não tenho vergonha de dizer, que eu perdi para as drogas e as bebidas, hoje eu tenho os meus filhos de volta. Recuperei minha vida, saí da depressão, e hoje eu sou muito, primeiro lugar como mulher grata a Deus e ao Luta Popular! Que me deu oportunidade, e me abraçou, me tirou do fundo do poço e me deu a luz e me deu esperança de volta! Porque hoje eu não tenho vergonha de falar que eu sou muito grata mesmo! E eu amo essa luta, isso aqui é tudo pra mim, eu quero fazer muito mais!
Quem são as “Mulheres da Esperança”? Qual a importância das mulheres na ocupação?
Naná: A importância das mulheres, minha fia… Elas são guerreiras! São mulheres que não têm medo de lutar! São mulheres que não espera o companheiro, elas vão pra cima! Elas estão junto com a gente! Em primeiro lugar são as mulheres, que está nos atos, que está de linha de frente, na Paulista, fechando a Anhanguera, indo pra prefeitura… Elas tão de frente!
Nas ocupações, de modo geral, as mulheres assumem os trabalhos das cozinhas coletivas, dos mutirões, das atividades para as crianças, são as que estão na linha de frente. Mas nem sempre as mulheres são reconhecidas com a mesma importância que os homens na luta. Por que acontece essa desvalorização do trabalho das mulheres?
Naná: Porque sempre os homens, assim: a mulher dá a ideia, conversa com o companheiro e ele pega a ideia da mulher. Mas ele tem que pensar que não foi ele só que teve a ideia, foi o companheiro e a companheira. Mas ele não, sempre deixa a mulher de lado e fala: “eu fiz!”, mas é “nóis fizemos”. A única diferença é isso. Porque ele pega nossas ideias, então a gente tá trabalhando para os homens dizerem: “nóis fizemos” porque ele tá pegando nossa ideia e falando que fez sozinho, nóis fizemos!
O que mais trabalha é a mulher, tem vez que eu falo “Meu Deus!” que eu faço umas 50 viagens num canto só. E nóis não cansa fia, sempre nóis tamo ali, pro dia seguinte, na luta de novo. Nossa luta é todo dia e toda a hora, né?
O que vocês fazem quando alguma companheira passa por situação de machismo?
Naná: A gente se ajunta, as mulherada, e vai pra cima! Primeiro a gente conversa com o companheiro, se ele não acatar é expulso, a gente dá uma chance pra ele, né? Dele se redimir, dele ir lá e pedir desculpa, de mostrar a diferença. A gente trabalha em cima dos companheiros, pra recatar o companheiro. No começo era assim, a gente expulsava, agora não, a gente trabalha pra ele tá junto com a gente. Virar o jogo entendeu? A gente faz isso e a gente consegue. A gente faz bastante atividades de conversa, a gente tem as reuniões de mulheres, a gente fez um clipe até com Paulinho Tó com bastante mulher, que a Ana participou também.

de 2020. Ana veio da Bahia para lutar em São Paulo e era ombro para
outras mulheres e companheiros na Ocupação Esperança.
Fotografia Nathália Ract
Desenvolvimento da renda:
E a gente divulga nosso trabalho, eu comecei com a Ana, mas devido essa Pandemia, nóis deu essa parada, que é a oficina das mulheres, né? Eu também aprendi. Nossa! Eu não sabia nem pra onde ir pegar em uma agulha e hoje eu sei fazer crochê, tudo. Eu fiz até um paninho pra Gabi, né? E sei fazer balaio de fitas, sei fazer cestinho de jornal, de revista, a Ana sabe montar também Kit de bebê com caixinha de leite, então eu aprendi com ela, ela me ensinando e eu fazendo. Só tinha eu e ela, então a gente tem um projeto, e quando essa Pandemia acabar, o projeto das mulheres que a gente já vem desenvolvendo, mas a gente deu uma parada também devido às condições financeiras. Mas a gente tá com esse projeto para as mulheres, mas não só para as mulheres, mas para os homens, para os companheiros e pra gente se envolver e criar uma renda. Porque lá fora nóis não tem oportunidade de arrumar emprego digno, né? Ganha um salário e a metade do salário é cortado. A gente vai fazer nossa renda com as nossas mãozinhas e vender fora pra ganhar nossos trocados.
Os homens apoiam a participação das mulheres e contribuem para que elas possam participar da luta?
Naná: Sim, tem uns que empata as mulheres, né? Mas a gente trabalha em cima também. E a gente consegue não deixar isso mais acontecer. O homem não é melhor do que a mulher, são iguais, porque a mulher trabalha mais que o homem, mil vezes que o homem, que o companheiro, né? Então eu vejo muito hoje, ainda mais por causa da Pandemia, os companheiros ajudando as companheiras. E principalmente no trabalho de casa, e isso é uma vitória muito grande. Eu ando, percebo, eu converso com os companheiros e tem uns que eu percebo que é machista, mas eu vou em cima com carinho. Hoje, eu vejo muitos companheiros aqui dentro ajudando as companheiras, e isso não tinha, os companheiros ajudar, então divide filho, um lava a roupa e estende, e isso é uma coisa que me enche de prazer e eu fico muito grata, né? Eu fico muito feliz eu falo “Meu Deus, como as coisas mudaram! É isso mesmo companheiro, o meu também faz!” entendeu? Meu companheiro varre, ele estende roupa, ele não tem vergonha, faz tudo.
E precisa fazer, né?
Naná: Principalmente agora que vocês estão aqui, ele tá lá fazendo as coisas, lavando a louça, só não faz a comida, mas a comida eu faço e lavo a roupa. Tem que dividir as tarefas, porque ele mesmo sozinho, se ele for morar sozinho ele vai precisar fazer as coisas que eu estou fazendo, então um ajuda o outro. E isso é uma vitória muito grande aqui dentro!

Em 2016 teve um incêndio na Ocupação Esperança, como foi passar esse momento?
Naná: Eu estava trabalhando na época pro Ari, nas política, né? E saí, eu, meu filho e meu companheiro e a Sandra que é minha cunhada, eles subiram e eu fiquei sentada. Porque é sempre assim, até eu chegar em casa minha fia, eu tenho que falar com todo mundo, então eu paro em todo lugar e tomo cafezinho, como um bolinho, converso, tomo suco, fumo um cigarro. E eu sentei em frente à amiga do irmãozinho da Igreja, aí eu contando pro irmão: “nossa, eu sonhei que tava pegando fogo, nossa, um monte de gente chorando e eu não sei” aí ele falou “vai na Igreja”, e você fala para o pastor. “Você tem uma coisa Naná, que todo mundo vai contigo, tu é do povo”, ele falando pra mim, né? “…Você tem uma energia que o povo vai contigo, eu não sei te explicar”. Aí quando eu falei: “Meu Deus, tomara que não seja nada de grave.” quando eu fechei a boca, que eu entro assim, eu vi aquela fumaçona negra… Eu falei “Meu Deus, quem tá botando fogo no campo nessa hora do filme”. Eu continuei sentada chupando a melancia e conversando…
Aí o rapaz gritou: “Corre Naná, que tá pegando fogo na favela!!!” Menina, pra quem crê, né? Porque pra quem não crê, eu não posso fazer nada. Eu não senti o chão, não, minha nega, eu só falei “Meu Deus, vem na minha frente e não vem mais nada.” Só que nisso eu tinha tomado uma injeção contra o Tétano, e contra a hepatite B, né? E, menina, foi uma coisa assim, que eu te digo uma coisa: você fica no meio de um cerco, de fogo! Eu acho que eu não quero que ninguém passe o que nóis passemo aqui dentro. Sabe o chicote de fogo? Fazia: tá táh… tá táh… tá táh… O fogo saía de dentro pra fora, chicote, eu falei: “Meu Deus” e aquela chama e eu tirando as crianças, era bujão, era idoso, era bujão, era idoso. Só que chegou um momento que não tinha pra onde correr, aí eu falei: “Meu Deus, onde é que vamo botá o povo.” eu fiquei agoniada, e eu inalei muita fumaça, eu fiquei uns bons dias sem puder falar, só mexia com as mãos e balançava a cabeça. E aqui cercou de fumaça, tomou, era rapidinho… O fogo comia assim ó… E, eu já vi fogo, mas de fora pra dentro e não de dentro pra fora. Meu Deus, aquilo ali entrava pra dentro e bujão subia, e criança correndo e pega as crianças e pega os idosos, bujão tirava e quebrava as casas, e a visão no campo! Eu falei: sobe pro campo, sobe pro campo! no meio do campo, no meio do campo! eu gritava tanto: “No meio do campo, pelo amor de Deus, no meio do campo!” era criança caindo, era menino, era tudo, mas graças a Deus que não morreu ninguém. E aí me ligaram, meu filho passou mal, que é uma história que eu choro muito… Meu filho passou mal, pensando que eu tinha morrido queimada né, meus filhos que mora lá fora. Aí rapidinho me arrumaram uma lona, eu arrumei uns cabo desse e rapidinho eu coloquei os idosos e as crianças de baixo. E aí começou aqui, e aí eu te digo uma coisa, pela nossa organização, pela força do povo, não morreu ninguém! Ninguém! Outro dia tava até assistindo, porque eu não tinha assistido o vídeo pela internet da vista de cima né, mas aí eu assisti e chorei muito, chorei que deu dor de cabeça. chorava que soluçava. Porque eu nunca assisti, né? E veio muita gente, e veio bastante doação, muita gente ajudou.
E vocês se reergueram, né?
Naná: Reerguemo! Porque assim, a polícia, no dia quando a gente ficou aqui em cima, lá em baixo, o Avana não podia entrar, nem os companheiros pra dentro, ele apanhou, foi quebrado as costelas e tudo. Eu não, como eu botei o povo aqui no meio, eu já fiz as barracas e coloquei os idosos, as idosas e as crianças aqui embaixo e os pertences que alguns conseguiram. Então eles queriam que as mulheres saíssem, eu falei: “não, ninguém sai!” eu bati de frente! Eu falei: “se sair, ninguém entra!” aqui nós vamos se reerguer de novo. Aí ele queria me levar, aí eu falei que não. “Daqui eu não saio, ninguém me tira!”
Se o inimigo tá pensando que a gente vai desistir, não, pelo contrário, nós vamos ter mais força ainda. Nós vamos reconstruir de novo, e nós vamos lutar até o fim, tá aqui, ó: “Não foi prefeito, não foi vereador, não foi deputado, foi o povo pobre, da periferia, o povo que não tem onde morar, que construiu tudo de novo, um ajudando o outro! Com o nosso sangue negro, né? Porque nóis não têm valor? Nóis têm, sim! Vê se lá fora faz uma cidade dessa? Não faz! Não faz, minha nega, mas nóis têm a força de fazer muito mais! E principalmente nóis, mulheres, com nossos companheiros, com nossos vizinhos, é isso aqui que tá aqui! Sofremos? Sofremos muito! Perdi tudo, fiquei só com a roupa do corpo, mas eu sou feliz todo dia, sabe por que eu sou feliz? Porque a gente não desistiu, nóis tamo aqui pra mostrar a diferença! E mostrar tudo mais que ainda podemos fazer! Porque a riqueza do Brasil quem produziu é nóis, se colocar eles no lugar da gente eles não sabem fazer nada, nem um copo!”
Tudo é produzido pelo próprio povo…
Naná: Pelo povo! Eu sou muito feliz e não troco isso daqui por nada lá fora, por nada. Isso aqui eu respiro a natureza pura, a vitória! Porque lá fora a gente não tem oportunidade de colocar os seus filhos debaixo de um teto!
Sabemos que a periferia sempre sofre mais com a violência policial, como foi passar pelo assassinato dos dois jovens aqui na ocupação Esperança?
Naná: Eu mesmo não vi. Eu só ouvi os tiros. Quando eu acordei só tava o corpo lá e um monte de polícia! Na hora dos tiros eu só deitei no chão e pedi a Deus para me cobrir e minha família. Proteção, porque nesse momento a gente tem que chamar, não só nesse momento, mas na nossa vida, primeiro lugar Jesus.
É muito triste acontecer isso aqui na ocupação…
Naná: Sim porque é uma ocupação bem organizada, não tem violência, e infelizmente aconteceu o que não era pra acontecer, mas nem por isso a gente pode desistir de nossa luta.
“Organizar os de baixo e derrubar os de cima” o que essa frase representa e significa pra você?
Naná: Significa os de baixo derrubar os de cima, significa nóis se unir pra cima! Não desistir, porque nóis consegue, nóis consegue e eu te digo uma coisa: como mulher, é mais fácil que eu pensava, pra mim é uma luta grande, mas também é uma vitória grande. Porque se unir os de baixo pra derrubar os de cima, é porque a gente tá cansada, eles não têm nada pra oferecer pra gente, tudo os de cima tira dos de baixo. Chega de sofrer! Cê entendeu? Chega! E a gente consegue!
Basta! Basta disso tudo! Eu te digo com certeza, não vai demorar pro povo acordar, precisa acordar.
Por que meu povo de Jacó?
Naná: Essa frase é de muito longe… Às vezes eu tô no supermercado e eu falo: “Vamo, meu povo de Jacó!” Essa frase pra mim é uma frase guerreira! É uma frase deu chamar o povo! Essa frase de povo de Jacó, é uma frase que mostra que nóis é guerreira, que nóis vence!
“Vamo, meu povo de Jacó!!!”
Outro dia, eu fiz uma experiência, eu vou chamar o povo, peguei a lista e não fui pro ato, ninguém foi pro ato. Então eles falam assim: “Naná, você tem uma coisa dentro de você, que agita, é bora meu povo, é no mercado, é na padaria” Eles me chamam e falam: “Êh, Naná, como é que é?” E eles me mandam cantar, né? Que sempre é o “Pisa ligeiro” então eu vou e canto mesmo e eles gostam, entendeu?
O canto acompanha a luta, né?
Naná: Ele acompanha! Então povo de Jacó é pra eles acordá, entendeu? Dar uma sacudida no povo! Pra levantar, eu tô junto com eles e grito “Vamo meu povo de Jacó”. Eu sou conhecida como povo de Jacó, povo guerreiro!
Lugar de mulher é na luta, de igual para igual com seus companheiros!
2 Comentários
Histórias de Vidas das Marias dos Josés! Importante a gente poder contar, Cantar, contar com o povo que ajuda a gente a se inventar! A Educação está junto com a Esperança do VERBO!
Saudações Nana e equipe!!
Essa luta dela vai ajuda outras mulheres e os homes também muito boa parabens pelo livro e para todas as mulheres