Essa entrevista faz parte do livro Fala Carolinas! Mulheres na luta por vida e dignidade, uma poderosa reunião de entrevistas, ensaios e poemas de mulheres negras, indígenas e periféricas que protagonizam e narram a luta de movimentos por moradia, transporte, cultura, LGBTQI+, contra o cárcere, curandeiras, parteiras, educadoras, e na resistência das comunidades indígenas no Chile.
Os povos originários têm resistido por mais de 500 anos e seguem resistindo às violências que correspondem ao sistema capitalista, explorador, colonial, patriarcal que tem derramado o sangue e provocado o fogo na terra! A Rede de Mujeres Mapuche: “rechaça os atos racistas frente à sua luta, denunciam o Governo de Piñera e pedem para todos os povos irmãos, apoio e solidariedade frente ao terrorismo de Estado no Chile.
Esta entrevista foi realizada pela Nathália Ract, em 07 de março de 2020, na sede dos estudantes na Universidade do Chile. No histórico 08 de março, um dia depois, cerca de três milhões de mulheres, crianças, jovens, dissidências e apoiadores participaram da manifestação que levanta a bandeira Mapuche desde o 18 de outubro de 2019, no começo da explosão social no Chile.
O que é a Rede de Mulheres Mapuches?
Macarena: “Mari Mari pu lamgen” Saudações, sou Macarena da rede de mulheres mapuches e vamos compartilhar uma de nossas grandes lutas com a minha irmã Yanka.
Yanka: “Mari Mari pu lamgen” Saudações, sou Yanka da rede de mulheres mapuches.
Bom, a Red de Mujeres Mapuches coordena distintas irmãs de várias regiões do Chile. Buscamos ter demandas em conjunto como mulheres indígenas e temos trabalhado para isso e estamos fazendo encontro todo ano, unindo-nos e também reforçando nossa identidade. Nós, enquanto mulheres mapuches e indígenas, em geral, temos uma tripla discriminação, por ser mulher, por ser indígena e por sermos pobres. Entendendo isto, por ser mulheres nós já somos discriminadas e por ser indígenas somos ainda mais invisibilizadas, por isso é muito importante que nos reivindiquemos como mulheres dos povos originários, como defensoras do meio ambiente e como transmissoras de uma espiritualidade que nos conecta com a natureza, como uma forma de ser e pertencer a ela.
Macarena: Em concordância com minha “Wünen lamngen” com minha irmã Yanka, nós queremos buscar o espaço de participação política, na qual se reconheça a incidência da mulher Mapuche, mas também da mulher indígena. Insistimos permanentemente contra o terrorismo de estado que tem sofrido nosso povo Mapuche, o qual há sido colonizado historicamente pelo colonialismo e o pós colonialismo, que deixou um marco de dor irreversível frente ao povo Mapuche. Hoje, nós mulheres mapuches, estamos nos reunindo porque necessitamos visibilizar-nos frente essa tripla discriminação que nos marginaliza permanentemente da sociedade. Nos colocando em um lugar periférico e invisível, e inviável para a vida no que significa a conformação da cidadania.
Revolta social no Chile:
Hoje é um momento crucial dessa revolta social que visibiliza nosso povo e também a mulher em termos de seu poder, de sua cosmovisão, sua espiritualidade e sobretudo como mulher doadora de conhecimento, doadora de cuidado e também de conservação da terra. Porque atualmente também nos levantamos e convidamos a nos reunir desde os distintos territórios, desde os territórios Mapu e da Araucanía, dos distintos territórios da Zona Sul, mas também das zonas urbanas como nós estamos fazendo. Falamos de representação de todas as nossas irmãs indígenas e também de nossas irmãs Mapuches.
Yanka: Também temos que mencionar que nós, como mulheres indígenas, estamos todas juntas contra o desmatamento, que se desenvolve em três perspectivas. Uma delas tangível, que é a desflorestação, a contaminação dos rios, a destruição das florestas. Também uma forma não tangível, que é nossa espiritualidade, porque nós, como mulheres indígenas, nos conectamos com os espíritos dos rios, dos mares e dos vulcões. Essas convicções se veem interferidas por um sistema extrativista. E a terceira perspectiva é a da nossa forma de viver, nossa forma de viver como povos originários, que têm essa forma de viver com conexões tangíveis e intangíveis que se vê limitada e submetida, assim nos vemos diminuídas por conta da colonização que também traz a evangelização, e é algo muito importante, porque te desenraiza e te tira a espiritualidade.
A espiritualidade:
Nós, como mulheres de distintos povos, acusamos o governo o responsável pelo desmatamento. O desmatamento não pode ser entendido somente como uma coisa tangível, como a destruição das florestas, dos rios e de todo o ecossistema, mas também como da espiritualidade e da força reguladora da vida. Estas duas destruições somada levam a uma terceira, que é a do nosso estilo de vida, nos separando cada vez mais da nossa essência como povos originários, nos leva ao final a destruir a nossa cultura. Dessa forma, nos separam da nossa espiritualidade e assim entra o sistema da evangelização, que demoniza nossa cultura originária. Com todos esses problemas que nos vemos enfrentando como mulheres e povos originários, se criam problemas com nossa identidade e nossa espiritualidade, que com essa evangelização e com o colonialismo, não estão resguardando e nem cuidando de nossos conhecimentos ancestrais que estão sendo esquecidos.
Resistência por mais de 500 anos:
Por isso nós estamos chamando essa marcha e chamamos a todas as mulheres, para reivindicarmos com toda a força para seguirmos na luta e estarmos sempre em resistência como tem sido desde há 500 anos, desde a colonização espanhola.
Macarena: Tem um elemento muito importante que fala da identidade latino-americana e da identidade Mapuche, em relação a tudo que significa a terra e o território sempre esteve atravessado por uma marginalização do que se entende por estado político. Os governos nunca se preocuparam em matéria de reivindicação do povo originário, senão, muito pelo contrário, a completa exterminação da cultura que conserva o patrimônio da terra como uma existência viável para conservar a vida, não somente a vida, mas a humanidade propriamente dita. A perda da identidade de nossos povos tem gerado uma discriminação, uma autodiscriminação e um problema de autoestima, mas, sobretudo, uma perda do que significa existir da terra, existir em termo originário. Essa perda, essa crise identitária é responsabilidade estritamente dos Estados e dos governos que nos representam em cada país da América Latina.
Racismo e discriminação:
O Chile, entre os países latino-americanos, é um país que registram uma das taxas mais altas de discriminação. É um dos países com alta taxa de racismo onde moram outras irmãs de outros povos originários, como do Brasil, da Bolívia, do Peru. Nós acreditamos em uma aliança, em uma comunidade Plurinacional, como em um momento se plantou em Bolívia, nós acreditamos e simpatizamos com essa forma de Estado, por isso, também cremos que uma das formas de participação legítima de autodeterminação é por meio da incorporação de um Estado plurinacional, mas por meio de uma assembleia constituinte e plurinacional, onde a visibilização também seja paritária e significativa ao papel das mulheres, porque também devemos ter nossas próprias decisões envolvidas pela necessidade dos territórios. Não é a mesma coisa falar do território da Zona Sul que do Centro ou da Zona Norte. Portanto, precisamos dar maior consistência. E a consistência que nós buscamos hoje, na atualidade, não é somente cultural, também é da legalidade e da garantia dos direitos humanos que conservam e protegem o povo originário.
Yanka: Estamos aqui também pela falta de resposta e falta de justiça com nossas companheiras indígenas. Não tem um trabalho, não tem políticas públicas que considerem os temas que estamos falando. Não temos resposta da ministra, desde setembro do ano passado, nós mandamos uma carta com esses pontos que consideramos muito importantes como mulheres do povo originário e não tivemos resposta para isso, ou seja, seguem nos invisibilizando. Nós nos opomos aos projetos extrativistas, estamos dizendo basta a este sistema colonial, capitalista e racista e por isso estamos aqui e queremos fazer uma chamada para que todas as irmãs dos distintos povos, nos unamos, nos articulemos para estarmos de frente na primeira linha contra o terrorismo de Estado, contra a precarização da mulher e da vida. É isso, basta de discriminação, de racismo, necessitamos de uma assembleia plurinacional que inclua todos nós e toda a diversidade de mulheres que existe neste planeta!
Quais são as estratégias de resistência dos povos Mapuches em todos os territórios?
Macarena: Uma das principais estratégias é a visibilização também dos nossos territórios indígenas e da conservação da nossa participação em temas políticos. Conservar nossa cultura, não somente como um patrimônio, mas sim como um direito tangível como mencionou minha irmã Yanka. Nós também necessitamos criar estratégias em termos políticos, mas também em termos educacionais. Necessitamos reeducar a sociedade chilena para que permita também considerar a inclusão e viver uma cultura Mapuche na qual também permita viver uma vida de completo autocuidado, incluindo uma relação espiritual que é ainda mais autêntica. Consideramos que a autenticidade é algo que nossa cultura, desde as épocas ancestrais, estamos envolvidas na conservação da língua, uma educação, um sistema de economia, um sistema de organização e um sistema de legitimidade da mulher de respeito e valorização.
Yanka: E claro, a espiritualidade tem um conceito e uma perspectiva muito distinta da religiosidade. Para nós é algo espiritual, ou seja, uma conexão com a natureza, com a energia, mas segundo a religiosidade é um estilo de vida, é um estilo de ser e viver com a natureza em equilíbrio com ela. Então isso é o que também nos distingue das religiões.
Episódios históricos de violência do Estado Chileno contra o povo originário:
E também criam-se grupos de resistência organizados em Wallmapu encontramos grupos que têm feito justiça com suas próprias mãos pela invisibilização e as manipulações que fazem ao nosso povo. Nós, como povos Mapuches, estivemos sempre vivendo em uma espécie de estado de guerra. O Estado tem sido terrorista, tem criado manipulações, mostram nossa luta como vandalismo, ou seja, descaradamente alguns políticos falam que nós é quem somos terroristas, quando não é assim. Agora, hoje em dia, o povo chileno está vivendo esse terrorismo de Estado e podem simpatizar com o que nós estamos vivendo desde sempre!
Vocês podem deixar uma mensagem para as mulheres e indígenas que estão lutando contra as violências visíveis e invisíveis no dia a dia no Brasil?
Macarena: Claro!! Nós simpatizamos plenamente e compartilhamos cada uma das lutas dos distintos territórios e as resistências no Brasil e nos distintos lugares da Amazônia, onde são constantemente violentadas e marginalizadas. Hoje em dia, o que queremos é criar uma aliança de irmandade que permita a visibilização também do povo irmão do nosso continente sul-americano, porque também nos levantamos não só como mulheres, desde as mestiçagens, desde origens indígenas, e também de todos os territórios de mulheres afrodescendentes. Porque acreditamos na conservação da cultura, desde um Estado plurinacional, mas também, desde um território plurinacional, que reconheça a todos os nossos setores e Zonas que nos compõe e nos determina. E convidar também aquelas mulheres que mesmo que não se identifiquem com nosso povo originário, se reconheçam e não sintam vergonha, porque nos reconhecermos vai permitir resistir e nos conservar, mas sobretudo, vai permitir que nós consigamos um direito ainda mais profundo e resgatar novamente nossa cultura espiritual. Por isso, convidamos a mobilização à todas as mulheres, às meninas, às crianças, às dissidências e da mesma forma e da mesma maneira, aos homens para que desenvolvam consciência e com uma forma de ação concreta, na qual deixem de maltratar e marginalizar nossas mulheres que são nossas personagens principais para podermos desenvolver, desde a nossa fertilidade e a conservação de nossa humanidade, não como uma reprodução, mas senão como uma conservação.
Yanka: Gostaria de fazer um chamado para que todas as mulheres de povos originários, porque nós sempre temos pontos que nos articulam, pontos que nos unem, desde a defesa da natureza e defesa da nossa espiritualidade e a resistência que podemos ter e enfrentar um sistema patriarcal que nos marginaliza e nos invizibiliza, eu acredito que se unam, que se articulem com todas as mulheres, afinal, somos todas naturezas, todos temos essa essência, todos temos essa força e é muito importante que se articulem e que se unam especialmente no Brasil com um governo fascista e racista que está matando muitas mulheres, meninas, crianças e dissidências.
Fotografias: Nathália Ract (Marcha 08 de Março de 2020, Santiago do Chile)
2 Comentários
Quero expressar a minha solidariedade com as mulheres mapuches. Somos irmãs de gênero e de pensamento.
No Brasil é preciso divulgar a existência do povo mapuche porque não os conhecemos ainda.
Saúdo as mulheres dos povos originários.