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28 maio 2021

Oficina de escrita com Marli de Fátima Aguiar

Essa entrevista faz parte do livro Fala Carolinas! Mulheres na luta por vida e dignidade, uma poderosa reunião de entrevistas, ensaios e poemas de mulheres negras, indígenas e periféricas que protagonizam e narram a luta de movimentos por moradia, transporte, cultura, LGBTQI+, contra o cárcere, curandeiras, parteiras, educadoras, e na resistência das comunidades indígenas no Chile.

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Marli de Fátima Aguiar é filha de Luzia Augusta de Jesus e de José Aguiar Filho, nascida no município brasileiro no interior de Minas Gerais em Ibiraci, depois veio para o estado de São Paulo em Franca. Viveu sua infância no meio rural com seus pais, irmãs e irmãos entre plantações de cana-de-açúcar e de café. É militante, negra e feminista participante do Coletivo Carolinas e Firminas que fomenta a escrita de mulheres negras, e do Coletivo Flores de Baobá – Escritoras Negras na Cidade de São Paulo. Integrante da Marcha das Mulheres Negras de São Paulo e da Marcha Mundial das Mulheres:

“Marchamos pela vida das mulheres negras, indígenas, africanas imigrantes e emigrantes. Marchamos contra o genocídio do povo preto e periférico e dos povos indígenas. Marchamos contra o racismo, o machismo, e a violência contra as mulheres, marchamos por todas nós e pelo Bem Viver.”

Desenho por Nicolau Bruno

Atualmente a Marli trabalha com Cooperativas de catadoras e catadores de materiais recicláveis da cidade de São Paulo como gestora ambiental e também deu início ao projeto pessoal de organizar a história das mulheres e homens catadoras e catadores de materiais recicláveis através de oficinas de escrita e entrevistas de história oral.

Desde muito cedo conheceu a militância. Participou da Juventude Operária Católica (JOC) e da CEBs e traz consigo as referências de lutas e organizações de base dentro dos bairros periféricos. Aos 42 anos, veio ingressar na Universidade Pública para fazer a primeira graduação, foi nossa companheira de sala de aula e, hoje, formada no curso de Letras na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), em Guarulhos, no bairro dos Pimentas. É escritora participante da Literatura Negra Feminina. Em 2016, publicou seu primeiro livro: Tecendo Memórias e Histórias artesanal e independente, o livro resgata a história e a memória dos seus ancestrais. “Contam as histórias de infância, de criancice, de mãe, de pai, de avós, de terras…” São contos escolhidos para presentear seus irmãos e irmãs e amigo(as) da sua grande caminhada. Publicou poemas no Cadernos Negros, volume 41, 2018 e, em 2019, volume 42, Contos, pela Quilombhoje. Em 2019, publicou na coletânea: Inovação Ancestral de Mulheres Negras, Táticas do Cotidiano, Ed.Oralituras, organizadora Bianca Santana. Participa com seus escritos em diversas antologias. A Marli realiza oficinas de escrita destinadas a mulheres negras e periféricas, tendo Carolina Maria de Jesus e Maria Firmina dos Reis — como referências e  trazendo Tula Pilar, Conceição Evaristo e outras tantas escritoras negras.  

E foi assim que nós a conhecemos…

Fotografia em homenagem à Helena Nogueira amiga e militante feminista negra que faleceu em 2019. Fotografia: Marta Baião – Marcha das Mulheres

A produção do livro é uma proposta do coletivo Fala Carolina! com o objetivo de dar voz às mulheres da periferia, bem como, incentivar a criação literária. Aqui temos algumas contribuições de companheiras à oficina de escrita realizada na ocupação Casa Cultural Hip Hop Jaçanã em fevereiro de 2020.

Para aprendermos quem somos nós, não basta somente olhar a nossa imagem refletida no espelho. A prática da escrita para mulheres faz parte de um processo de recontar, reescrever suas histórias, falar de si, de seu corpo, de seus sonhos e desejos. A escrita também é ação, cura, afeto, afago, amor por si mesmas, a cura pelas palavras transformadas em versos, poesia, prosa, resgatando as diversas mulheres e meninas que muitas vezes estão silenciadas dentro de nós.

Foto da Nathalia Ract

Olhar para o espelho,

escrever quem somos.

Olhar para o espelho. Pensa o desafio desta proposta. O movimento, apesar de simples, pode revelar muitas coisas.

Imaginar que somos água,

escrever sobre o nosso corpo.  

Nos transformamos em um curso de águas doces que fluem em direção a um oceano de palavras.

Um rio onde poucos se banham

Pois é pequeno e de curvas minuciosas

Por onde passa leva tudo

E por algumas vezes sua fluidez é pesada

É calma e quente

Na tempestade pode virar até mar

Um mar furioso, mas tênue

Com compasso, som e textura.

Gabriela

Sou como corredeira brava, transpondo pedras pelas curvas do meu corpo, em essência a água que se molda às margens férteis, corre para desaguar, corre para adoçar o mar.

Deborah

Sempre lutei com o que via diante de mim, a imagem refletida não era tão parecida com o que tratavam como bonito e me perdi buscando uma falsa perfeição. Até entender que meu corpo era mais que aparência, mais que um objeto à venda na vitrine, buscando aceitação de quem passava. Olhei para dentro e entendi que meu corpo é minha casa, e que não preciso me encaixar em nada além do que já sou. Entendi que a natureza me fez exatamente como devo ser, e por mais difícil que seja, a cada dia descubro mais de mim.

Lolly

Descobri há pouco tempo o valor e o significado de me proteger. Isso me ocorreu porque sofri, chorei, aconteceu o pior, fui violentada no meu coração. Onde é abrigada a minha mente e diante do caos e da tristeza juntei minhas forças e busquei o perdão, quase impossível, mas fortaleci minha carne e transformei meu espírito. Minhas curvas mudaram e hoje são a minha morada em paz.

Ana Carolina Elizio

Um passo à frente e já estamos em outro lugar

O rio em mim tem pontos com muitas marcas

Ele não me deixa voltar

Segue, segue com a força da vida

Como rio, às vezes meu corpo é cheio de líquidos

e as vezes de tudo se esvazia.

Ivete Lourenço

Como é difícil me ver

Mesmo diante do espelho

Como é difícil não me criticar

Ao invés de refletir

Teimo em julgar

Olheiras e espinhas

Me distraem de mim

Quanto mais distraída

Mais ponto para as

olheiras e espinhas

Ou seja, mais pontos

Para o cansaço e a ira

Calma, Júlia!

Basta refletir

E verá.

Júlia Aguiar

Repudiei as cicatrizes que carregam o tamanho do meu corpo

Silenciei a voz que gritava para me soltar e dançar

Até que, finalmente, olhei para dentro e calei o mundo

Catarina

Fiquei imaginando como seria bom em um rio me transformar.

Correriam minhas águas sem nenhuma preocupação

Faria uma linda viagem e até os obstáculos aprenderia a contornar.

Minhas margens seriam lindas e com flores a enfeitar.

Mas de repente um vento forte me fez acordar.

Entre sonhos e realidades desse momento sempre vou lembrar,

como seria bom em um rio me transformar.

Sueli Leme

As nossas ações correm, como rios, da zona sul à zona norte, e nossas ideias estão se transformando em grandes correntes de resistência que ultrapassam as fronteiras.

Nara

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