Essa entrevista faz parte do livro Fala Carolinas! Mulheres na luta por vida e dignidade, uma poderosa reunião de entrevistas, ensaios e poemas de mulheres negras, indígenas e periféricas que protagonizam e narram a luta de movimentos por moradia, transporte, cultura, LGBTQI+, contra o cárcere, curandeiras, parteiras, educadoras, e na resistência das comunidades indígenas no Chile.
Você já reparou que tem muito mais homens do que mulheres nos ônibus noturnos da cidade? Ou que é muito mais comum ver mulheres carregando sacolas de mercado e/ou cuidando de crianças no transporte? Ou ainda que os homens são mais espaçosos no transporte, enquanto as mulheres tendem a se retrair, por medo de sofrer algum abuso?
Esses são exemplos do dia-a-dia que mostram como, historicamente, a circulação das mulheres na cidade tem sido limitada e impedida. Vivemos em uma sociedade machista, e isso significa que apenas por sermos mulheres sofremos violações por parte de homens – vizinhos, amigos, pais, irmãos, maridos e desconhecidos. A violência acontece dentro de casa, mas também no espaço público, onde somos vítimas de assédios e abusos sexuais. Essas e outras situações têm como resultado restringir os espaços da cidade e os horários em que podemos circular livremente.
Esses são exemplos do dia-a-dia que mostram como, historicamente, a circulação das mulheres na cidade tem sido limitada e impedida. Vivemos em uma sociedade machista, e isso significa que apenas por sermos mulheres sofremos violações por parte de homens – vizinhos, amigos, pais, irmãos, maridos e desconhecidos. A violência acontece dentro de casa, mas também no espaço público, onde somos vítimas de assédios e abusos sexuais. Essas e outras situações têm como resultado restringir os espaços da cidade e os horários em que podemos circular livremente.
E isso é agravado pela lógica de transporte que temos. Atualmente, o acesso ao transporte depende do dinheiro que cada pessoa tem ou não para pagar a tarifa. O que deveria ser um direito de toda a população é transformado em uma responsabilidade individual. Com isso, são reforçadas as desigualdades sociais e, inclusive, o machismo.
Em muitas famílias, por exemplo, os homens são aqueles que detém o poder financeiro. Além disso, a diferença de salários e de possibilidades de trabalho entre homens e mulheres ainda faz com que homens tenham mais condições de comprar e dirigir carros. Esse meio de transporte — individual e privado — é o mesmo que vemos sendo priorizado nas políticas do Estado. Não à toa, o carro é vendido como status de masculinidade: o homem “de verdade” é “dono” de um carro ou moto, assim como é “dono” da mulher que leva em seu veículo.
O transporte coletivo, por outro lado, no qual as mulheres são maioria, vem sofrendo cortes que apenas pioram as condições de lotação e desconforto que já conhecemos, além de ter uma tarifa cada vez mais cara! Até mesmo os trajetos dos ônibus, trens e metrô reforçam uma lógica machista: ligam centro à periferia, a casa ao trabalho, mas não atendem demandas de outras esferas da vida — ligadas às famílias e às crianças, à educação e à saúde. E essas necessidades são justamente as que são impostas como responsabilidade das mulheres.
Por isso, cada centavo a mais no preço da passagem significa que as mulheres — principalmente as pobres, negras, periféricas — vão ficar mais isoladas em suas casas, vão ter menos acesso à cidade e menos direito de fazer o que quiserem com seus corpos e suas vidas.
Em resposta a esses ataques vindos de cima, no entanto, existe muita organização e luta de mulheres. Desde que existem catracas em nossos caminhos, visíveis e invisíveis, mulheres lutam pelo verdadeiro direito de ir e vir, enfrentando opressões de gênero, classe e raça. A conquista de creches e escolas, postos de saúde, linhas de ônibus e até mesmo a construção de bairros inteiros foram fruto de lutas protagonizadas por mulheres. No começo de 2018, por exemplo, vimos a luta pelo TEG (Transporte Escolar Gratuito), que sofrerá cortes pela gestão de Dória na prefeitura. Esse foi mais um caso em que mães periféricas, em grande parte negras, travaram uma luta importantíssima, pelo direito ao transporte e à educação.
Mas apesar do enfrentamento, persistência, resistência e união dessas pessoas, essas lutas raramente são lembradas como “acontecimentos históricos”. Mesmo no campo da esquerda muitas vezes tais acontecimentos são desvalorizados. Costuma-se dar mais importância às direções de partidos e sindicatos, espaços em sua maioria ocupados por homens.
Nas organizações com pautas ligadas às condições de vida, as mulheres costumam ser as principais participantes, justamente por serem socialmente responsabilizadas por garantir a sobrevivência de suas famílias. Mesmo assim, ocupar esses espaços públicos, de destaque na política, muitas vezes envolve bater de frente com pais, maridos e companheiros de luta. Ter nossas vozes reconhecidas nessas lutas é uma conquista.
Mais do que ninguém, as mulheres negras e moradoras das periferias estiveram, e ainda estão, à frente de muitas lutas ligadas ao direito à cidade. Ao mesmo tempo são também as maiores prejudicadas pela lógica do lucro no transporte, pelo machismo e racismo cotidianos. Por isso, a luta por um transporte público de verdade é também a luta das mulheres pelo direito de nos apropriarmos da cidade que construímos, pelo direito de controlarmos nossos próprios corpos, de decidir onde vamos e onde ficamos.
Lutando por transporte e por Tarifa Zero, nós mulheres defendemos o direito de nos reunir e de nos organizar até o fim de todas as catracas!
POR UMA VIDA SEM CATRACAS VISÍVEIS E INVISÍVEIS!!!
Por Mulheres do Movimento Passe Livre – São Paulo
Ilustração de capa: Caluz – Artista Visual e Grafiteira, moradora do Tucuruvi, Zona Norte de São Paulo. Caluz também é arte educadora de graffiti em algumas escolas e instituições pela zona norte.
Fotografias do movimento luta TEGS: Millena Nascimento
Ilustração final: Movimento Passe Livre – São Paulo
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