[1]
O delicado seria assim o mais grosseiro:
que ninguém passe fome.
Adorno, Mínima Moralia
Crítica da razão revolucionária
Pode-se dizer sem risco de errar que não existe nenhum consenso evidente sobre qual seria a aparência que poderia ter a superação do capitalismo. Percorrendo o campo dos cenários imaginados, encontra-se de tudo um pouco, de ofertas neo-socialdemocratas dirigidas a afastar progressivamente o capitalismo, até visões apocalípticas de afundamento social marcado por uma redistribuição espontânea de bens. Também não há uma definição simples e indiscutida do comunismo. Em princípio, poderia ir do antigo coletivismo de Esparta à recuperação de modos de vida de caçadores e coletores, do Estado burocrático aperfeiçoado aos conselhos operários federados, das visões cibernéticas de Stafford Beer até o retorno aos bens comunais pastoris.
Marx, é claro, resistia a dar conteúdo positivo ao termo, que utilizou, sobretudo, no contexto do desenvolvimento histórico do movimento de igual nome. Afirmou preferir a “análise crítica do real” a “formular receitas de cozinha para o refeitório do porvir” (Marx, 1976:99)[2]. E os marxistas de diversas tendências frequentemente recorreram de uma ou outra forma a esse precedente para justificar a focalização não num futuro especulativo, e sim no “verdadeiro” presente. Na “extrema esquerda” que predomina em Endnotes há um fragmento da Ideologia de Marx que costuma funcionar como um mantra: “o comunismo não é um estado que deve ser implantado, um ideal ao qual a realidade tenha que se sujeitar. Nós chamamos comunismo ao movimento do real que anula e supera o estado de coisas atual” (Marx, 1970:56).
Essa orientação que visa as próprias lutas não carece de razão: se supusermos que o comunismo é algo que deve ser produzido pelas lutas de classes e não (por exemplo) pela tecnocracia Fabiana, é lógico admitir que o pensamento sobre o comunismo seja imanente a essa luta. Além do mais, é uma abordagem que em geral levou a análises perspicazes das lutas contemporâneas. O problema é a possibilidade de um rápido deslizamento para formas de raciocínio mais “teológicas”, porque sem um critério para identificar as lutas e seus limites, tropeça-se em um problema circular. Se tomarmos o comunismo como algo misterioso para desmitifica-lo devemos nos remeter às “lutas”, corre-se o risco de encontrar lutas misteriosas. Porque sempre há um critério implícito que permite diferenciar algumas lutas de outras sem se considerar se aportam luz sobre as questões da revolução. Nosso senso especulativo do que poderia ser o comunismo já nos dá uma orientação sobre as lutas específicas -e seu conteúdo. Ainda que não reflitamos diretamente -nos inclinando talvez por uma espécie de empirismo da luta de classes – a relação que temos com “as próprias lutas” não deixa de estar mediatizada. Nossos pressupostos fundamentais continuam plenamente ativos, sem ser examinados.
O problema da totalidade indefinida
Esta espécie de abstração exasperante em torno da questão especulativa da revolução não é apenas um problema de ordem teórica da extrema esquerda, ainda que nesse caso seja possível que o predomínio da retórica revolucionária se faça mais visível. Semelhantes esquemas aparecem tendencialmente em qualquer pensamento que se preocupa, ainda que seja implicitamente, em transcender a este mundo. Qual é o mundo que queremos superar? O que faz parte dele? Tudo ou apenas algumas coisas? E, nesse caso, resulta suficiente fazer uma lista com aquilo que é preciso conservar e outra com aquilo que é preciso descartar? Como deveríamos denominar esse mundo? Capitalismo? Sociedade de classes? Patriarcado? Todo isso junto? Seja qual for a escolha, o que inclui: o mercado? o intercâmbio em si mesmo? a acumulação? a mercadoria? as infraestruturas concretas e os bens? as tecnologias e estruturas organizativas? É difícil traçar limites definidos. E se não podemos dizer com precisão o que é necessário superar, a visão de mundo que deveria sucedê-lo torna-se ainda mais imprecisa. Isso deixa questões de luta e de estratégia suspensas num espaço sem forma, que geralmente não pode cobrir a brecha entre as situações imediatas e as utopias projetadas sequer especulativamente.
Então, qualquer recomendação pode parecer tão boa quanto outra. Por que não se incorporar ao exército, como preconiza Fredric Jameson (Jameson 2016)? Ou se fazer prender pela polícia, para estender a rebelião? Lançar um programa de SEL, com Kojin Karatami (2005)? Ou se instalar numa aldeia rural com o Comité Invisível (2009)? Colonizar um partido político como a DSA estadunidense ou o Momentum britânico? Ou trabalhar num projeto de tecnologia alternativa? É claro, sempre está a parte da luta de classes imediata. Mas, como sair da simples regulação da relação capital/trabalho? É possível que apenas uma derrocada total e simultânea poderia fazê-lo, um levante mundial espontâneo no fim dos tempos… Em toda parte, encontramos a mesma frágil relação entre um concreto relativamente arbitrário e um impreciso horizonte especulativo. A onipresença desse tipo de problema sugere que não enfrentamos apenas um conjunto de ideias ruins, de ilusões estratégicas ou de outro tipo, senão um problema conceitual objetivo: as tentativas de imaginar uma transição para um mundo pós-capitalista tendem a ser malogrados por esquemas de pensamento muito bloqueados.
Correndo o risco de parecer simplistas, sugerimos que isso se deve a que, em geral, o mundo atual é concebido como uma totalidade indefinida que pode incluir uma quantidade qualquer de elementos. Um presente capitalista de magnitude e alcance indefinidos engendra uma noção especulativa de revolução -entendida como superação do todo incluído nessa totalidade- também indefinida. Para imaginar a revolução, tentamos pensar em como o mundo extremamente complexo que o capitalismo nos legou poderia ser totalmente substituído, e esse pensamento parece impossível, absurdo. Devemos, por exemplo, preparar antecipada e detalhadamente mecanismos de distribuição que, de alguma forma, rivalizassem com o mercado capitalista sem reproduzir suas relações sociais? E devemos fazer funcionar esses mecanismos exata e exitosamente, num momento em que o modo de produção, o sistema jurídico e o Estado-nação afundam? Por onde devíamos começar?[3]
A planificação como falsa solução
A oposição mercado x planificação é um dos principais recursos historicamente utilizados para abordar esse tipo de problema: nas primeiras décadas do século XX, uma era de “anarquia” do mercado, consolidação de burocracias estatais e s vésperas da mobilização total de uma economia de guerra, o planejamento de Estado centralizado apareceu como resposta evidente à questão de como substituir o mundo capitalista. Isso resultava implicitamente da imaginação de que a totalidade capitalista em jogo se limitava ao interior de determinados Estados; como se fosse essencialmente um mecanismo distributivo para entregar matérias primas a fábricas e produtos dessas fábricas aos cidadãos.
Considerando as tentativas de fazer funcionar esses planejamentos centralizados na União Soviética e outras partes, é claro que chocaram com problemas insuperáveis. A máquina de planejamento, em geral, não funcionou, houve superprodução inútil de alguns bens e matérias primas, e subprodução crítica de outros (Ticktin, 1992; Arthur, 2002). Frente a isso, que não dá para não qualificar como desastre da economia soviética, há a tentação de pensar que as críticas de Ludwig von Mises e F.A. Hayek eram justas: nenhum sistema de planificação simples parece capaz de uma coordenação tão eficaz como a atividade espontânea dos atores do mercado[4]. Mas ler isso como um simples problema de “informação”, como muitos tendem a fazer, oculta algo de importância fundamental. Como afirma com convicção Jasper Bernet neste número [da revista Endnotes][5], o problema com o qual tropeçaram os planificadores na União Soviética não era essencialmente um problema de informação, mas de disciplina.
Os planificadores não dispunham de qualquer meio eficaz para concretizar as informações das quais dispunham, porque à diferença do mercado -que impõe aos participantes uma disciplina por default- não tinham nenhum meio simples de fazer executar as ordens[6]. As pessoas eram obrigadas a trabalhar e ganhar dinheiro para sobreviver, mas não podiam ser, como no capitalismo, ameaçadas pelo desemprego quando cometiam alguma falta. Os trabalhadores relutantes eram, simplesmente, deslocados para outros postos, o que provocava alta rotatividade de pessoal e absentismo endémico. Se reconhecermos a centralidade dessa questão de controle, é evidente que nenhuma capacidade de cálculo teria conseguido resolver o problema – como admitiram alguns planificadores soviéticos tardios e alguns socialistas nos últimos anos (Phillips e Roszworski, 2019).
Mas, a oposição mercado x planificação levanta outros problemas. É claro que o mercado capitalista jamais foi um simples mecanismo de distribuição interna nos diferentes países; seu alcance jamais foi coextensivo ao do Estado planificador, e não é evidente que o plano jamais pudesse substituí-lo realmente com sucesso (e nem vice-versa). Portanto, em toda parte, os mercados reais de capitais estão atravessados pela planificação, tanto no sentido em que empresas que produzem para o mercado planejam sua produção, como no sentido em que a planificação política estatal regula continuamente e, em certo sentido, cria os mercados. Na atual conjuntura, é difícil imaginar alguma planificação na qual a pura contabilidade do mercado possa gerir por si própria uma economia mundial extremamente complexa e variada, sendo que grande parte da qual está planificada para ultrapassar as fronteiras de cada Estado, e a balança comercial não descansa sobre a gestão da “economia nacional”, mas sobre uma pilha de dívidas precárias.
A “planificação” não se apresenta, portanto, como solução efetiva ao problema da transição. Mas, é certo que não devemos nos opor à planificação como tal -é difícil inclusive imaginar o que significaria isso, dado que a planificação parece ser um aspecto genérico do comportamento humano. O problema é que, ainda que se queira, na atual conjuntura não há lugar para um Estado planificador comparável ao do início do século XX, nem um único ponto de vista para agir sobre a economia em seu conjunto e de uma só vez. E isso leva-nos de novo ao ponto de vista do capitalismo como totalidade indefinida. A razão pela qual tendemos a pensar no capitalismo dessa maneira é que, para os simples mortais, o mundo capitalista realmente aparece como uma coisa de amplitude e alcance indefinidos. Não pode ser mental ou estrategicamente reunido numa totalidade que se distinga da mais brumosa das imaginações, o que nos faz desaparecer na confusão quando tratamos de imaginar sua superação.
Uma redução fisiocrática
Ao nos encontrarmos novamente no meio desse enigma, gostaríamos de sugerir que é possível começar a encontrar uma solução se mudarmos o foco. Isso implica simultaneamente ampliar a perspectiva – considerando o capitalismo e o comunismo no tempo muito longo da história humana- e reduzir o campo de ação -no que poderia se chamar “redução fisiocrática”.
Ainda que o capitalismo seja realmente, em muitos aspectos, o objeto sublime e assustador que os teóricos críticos costumam apresentar, suas características e precondições são muito simples: está baseado no princípio de que a maioria das pessoas deve vender seu trabalho por um salário, e, para isso, a condição de que essas pessoas já não têm acesso aos próprios meios de subsistência. Ainda que esses meios sejam muitos e a definição mesma de “subsistência” seja, é claro, variável, é útil -do ponto de vista analítico e também estratégico- se concentrar no que sempre será um importante subconjunto de necessidades de subsistência em qualquer que seja o mundo: o alimento.
Afinal, como já foi sublinhado por alguns dos críticos mais agudos (Bordiga, 1978; Wood, 2002), o modo de produção capitalista não nasceu na cidade e sim no campo, e é na agricultura que perpetuamente deve buscar novamente as condições mais elementares de sua reprodução. Essa reprodução supõe um intercâmbio metabólico entre a vida humana e a crosta terrestre que não tem precedentes na história humana, inclusive planetária. Do ponto de vista humano, a particularidade do capitalismo marca uma ruptura na história da espécie já que, pela primeira vez, a maioria das pessoas não está em condições de produzir seu próprio alimento. Do ponto de vista planetário, marca o advento ou aceleração de um período geológico no curso do qual a biosfera foi fundamentalmente modelada pela atividade de uma única espécie.
É claro, o capitalismo não foi a primeira, e sim a segunda revolução agrícola na história da humanidade. A primeira tinha sido a revolução neolítica que, num tempo relativamente curto, deu nascimento às sociedades de classes agrárias nas quais a maioria das pessoas passou a ser de agricultores explorados. A segunda revolução, simultaneamente, acelerou e reverteu a primeira, no sentido de que o capitalismo estendeu finalmente a agricultura sedentária a todos os cantos do mundo, ao mesmo tempo em que deslocou a maior parte da população dos campos às cidades. E realizou isso fazendo com que, massivamente, as pessoas passassem a depender, para sua própria reprodução, antes dos mercados do que da terra.
Uma condição mínima do comunismo seria pôr fim à dependência do mercado, através do acesso seguro e não mercantilizado aos meios de reprodução. Poderíamos então definir o comunismo como a terceira grande revolução agrícola, que supere a dominação impessoal do mercado sem restabelecer a dominação pessoal dos senhores sobre a extração, nem a dos Estados (o que Lenin denominava “grupos de homens armados”). Mas, seguindo Marx, se definimos o comunismo como negação da negação, muito depende de qual é a negação que corresponde negar – de qual revolução agrícola. Falamos apenas do ismo capital? Ou da superação de toda e qualquer sociedade de classes? Para resolver esse problema, devemos examinar detidamente as duas primeiras revoluções agrícolas.
As origens neolíticas da dominação de classes
A primeira revolução agrícola aconteceu entre 8.000 e 6.000 a.C., em torno de vales fluviais e costas mediterrâneas da Mesopotâmia. Um pouco depois, e aparentemente de maneira independente, aconteceram revoluções semelhantes no vale do Indo, na América Central e no delta do rio Amarelo. Muitos arqueólogos afirmam hoje que a origem dessas “transições neolíticas” não foram novas técnicas de domesticação e criação, nem o arado, nem mesmo a prática da agricultura sedentária, tudo quanto precedeu em vários milhares de anos as primeiras revoluções agrícolas[7]. Ao contrário, as principais inovações dessa época foram o Estado cobrador de impostos e a escravidão (Clastres, 1987; Scott, 2017). Essas instituições estavam vinculadas de maneira simbiótica, porque a primeira e principal base impositiva do Estado eram os cereais e se requeria alguma forma de escravidão para obrigar as pessoas, massivamente, a fazer o penoso trabalho agrícola (Bowles e Choi, 2013).
James Scott qualifica esses primeiros Estados agrários como “campos de reinstalação multi-espécies do fim do Neolítico” (2018:18). A proximidade entre animais e homens fez com que irrompessem as doenças mais virulentas conhecidas pela ciência médica: cólera, varíola, caxumba, rubéola, gripe, catapora, talvez inclusive a malária. O consequente aumento da mortalidade tornou necessário um contínuo reabastecimento de mão-de-obra local, recorrendo a raids de escravos[8]. Assim, junto com a linguagem escrita (para levar a contabilidade fiscal) a outra tecnologia característica da época foi o muro, construído não apenas para impedir que os “bárbaros” entrassem, senão também para manter os “civilizados” dentro (Scott, 2017:118-120).
Se o comunismo deve representar a abolição não apenas do capitalismo, mas de toda e qualquer sociedade de classes, a revolução comunista deve ser então a negação da primeira revolução agrícola. Mas considerando a longa história da humanidade, resulta difícil saber o que valeria a pena conservar nessa “negação definida”. No dizer de todos, antes da revolução neolítica, os seres humanos viviam mais tempo e de maneira mais interessante, com arranjos sociais mais igualitários e menos opressivos -e, sobretudo, tinham muito mais tempo livre (Sahlins, 1972; Flannery e Marcus, 2012). Poderíamos então seguir pensadores primitivistas como Jacques Camatte (1995), concebendo a revolução comunista como a negação indefinida da primeira revolução agrícola, corrigindo um erro histórico mundial. Porém, hoje, isso implicaria uma morte massiva, porque as práticas agrícolas neolíticas não poderiam manter a população humana gerada pela segunda revolução agrícola.
O capitalismo como segunda revolução agrícola
A segunda revolução agrícola, que começou na Inglaterra a partir dos séculos XV e XVI, simultaneamente acelerou e reverteu a primeira. Acelerou-a na medida em que sua propagação terminou completando a extensão da agricultura dos cereais com rendimento de excedente nos quatro pontos do mundo. Esses cultivos de renda foram plantados em todos os lugares em que poderiam ser rentáveis e geralmente os territórios foram transformados para tornar isso possível. Com a extensão da agricultura tributável, ampliou-se o Estado territorial[9]. A segunda revolução agrícola terminou finalmente por eliminar a periferia “bárbara”, que durante milhares de anos havia coexistido em simbiose com as civilizações agrárias. Por último, como veremos adiante, também agiu como acelerador da destruição ecológica já latente na revolução neolítica.
Mas também reverteu um efeito social primário daquela revolução, na medida em que o crescimento exponencial da produtividade agrícola liberou a maior parte da população da terra do trabalho efetivo do cultivo de cereais. Em todos os lugares onde o capitalismo se implantou, as populações terminaram sendo separadas da terra e deslocadas para as cidades, onde sua incapacidade para se alimentar sem dinheiro passou a ser a base de um novo sistema de extração de excedente. Assim, enquanto na história humana de 6.000 a.C. até 1.800 d.C. houve um aumento relativamente constante na proporção da população na agricultura sedentária, essa porcentagem diminuiu fortemente depois. Atualmente, apenas 28% da população mundial trabalha na agricultura. E na maior parte dos países desenvolvidos sua proporção é inferior a 5%. Porém, devido ao crescimento exponencial da produtividade, esse 5% é, em geral, folgadamente capaz de alimentar o 95% restante.
A segunda revolução agrícola, assim como a primeira, frequentemente é confundida com um conjunto específico de técnicas -rotação de cultivos, drenagem de pântanos, melhoria de adubos e maquinário etc. É verdade que o rápido desenvolvimento tecnológico é, em grande medida, uma característica distintiva dessa revolução. Mas, o motor do desenvolvimento não foi o avanço técnico ou biológico em si mesmo, e sim a transformação nas relações de propriedade rural que condicionou o acesso à terra à competência nos mercados agrícolas. A crescente dependência dos produtores aos mercados gerou poderosos incitamentos a descobrir inovações que permitissem reduzir custos, e obrigou os agricultores a se adaptarem às inovações adotadas em outros lugares, sob risco de serem descartados.
Muitos marxistas, se apoiando numa leitura simplista de Marx sobre “a assim chamada acumulação primitiva”, atribuem as origens do capitalismo na Inglaterra ao “cercamento” – a abolição do sistema tradicional de agricultura “a campo aberto” com terras comuns associadas. A primeira onda de cercamentos foi imposta pelos proprietários a partir do século XVI, e a segunda por leis do parlamento no final do século XVIII e início do século XIX. Porém, Robert Brenner (2007) mostrou que o cercamento não era mais que um instrumento entre outros no arsenal de estratégias dos proprietários e o Estado que desembocou na erradicação da agricultura camponesa em Inglaterra. A principal transformação foi a substituição dos arrendamentos habituais por arrendamentos determinados pelo mercado, consequência involuntária da luta entre senhores e camponeses depois da peste negra dos séculos XIV e XV. A capacidade dos camponeses ingleses para resistir à transformação levou os senhores a abolir os habituais arrendamentos fixos e os direitos de sucessão que os camponeses tradicionalmente possuíam segundo os usos e costumes. Isso permitiu que os arrendamentos se adaptassem à produtividade, em resposta à competência da mobilidade crescente do trabalho e o capital, obrigando camponeses e senhores a abandonar as estratégias de reprodução que haviam caracterizado as relações rurais durante milhares de anos (Brenner, 2007; Wood, 2002).
A competência entre os proprietários obrigou a melhorar suas terras para atrair locatários mais produtivos, enquanto a competência entre camponeses fez com que abandonassem a perspectiva de “primeiro a segurança”, consistente, produzir prioritariamente para a subsistência e comercializar apenas o excedente. Em lugar disso, foram obrigados a se especializar nos cultivos que pudessem gerar o melhor retorno do investimento. A especialização significava que deviam comprar mais insumos, criando assim um mercado interno em expansão para produtos manufaturados e insumos agrícolas. E foi essencial que deixassem de repartir as explorações entre os filhos, porque nem aos proprietários nem aos arrendatários seria permitido perder eficiência com parcelas menores (Seccombe, 1995). Essa condição subjacente foi a que fez com que os cercamentos fossem simultaneamente possíveis e desejáveis para os agricultores capitalistas e o Estado. Os cercamentos, por sua vez, provocaram aumento da população de trabalhadores expulsos, alguns dos quais foram empregados por agricultores capitalistas, e outros se deslocaram para as cidades em expansão, onde passaram a ser forragem da economia industrial emergente. A segunda revolução agrícola não tomou, porém, a mesma forma fora de Inglaterra[10]. Nas colônias do Império britânico, a terra foi transformada em mercadoria desde o começo do processo de colonização, paralelamente à eliminação de populações indígenas, de modo que os agricultores passaram a ser dependentes do mercado, já que não podiam ocupar terras nas fronteiras (depois de 1982). Na maioria dos outros casos, o Estado, absolutista ou burguês, foi quem tratou de impor uma revolução agrícola de cima (Isett e Miller, 2016). A única forma de rivalizar com as potências capitalistas em ascenso que eram Inglaterra, Holanda e os Estados Unidos foi derrotá-los em seu próprio jogo, e no nível mais elementar desse jogo na agricultura: não se podia obter fábrica de munições, de encouraçados ou de ferrovias sem o aumento da produtividade agrícola necessária para alimentar os exércitos de operários que os construíam, e não se podia sequer reunir tais exércitos a menos que a maior parte da população já não estivesse ligada à terra. Portanto, os planos do Estado para uma revolução agrícola impulsionada de cima chocaram com a oposição dos poderosos proprietários de terras que corriam o risco de perder seu poder direto sobre os camponeses. Por isso, a segunda revolução agrícola geralmente requeria a supressão ou o extermínio da classe de proprietários de terras. Na Europa ocidental, foram necessárias duas guerras mundiais para isso; na Rússia e na China, duas insurreições camponesas vitoriosas foram brutalmente reprimidas para que a revolução pudesse decolar; na Ásia oriental, foi necessária uma campanha de terror iniciada pelas forças de ocupação japonesas (Allen, 2011)[11].
A horta comunista: uma terceira revolução agrícola
A segunda revolução agrícola foi primeiramente evocada como uma separação entre o povo e a terra. Mas, com essa terminologia corre-se o risco de naturalizar o laço anterior. Como viemos sustentando, esse era, de fato, um laço dadivoso enraizado no poder coercitivo dos primeiros Estados agrários. O capitalismo, a segunda revolução agrícola, desamarrou esse laço criando ao mesmo tempo outro novo. Os seres humanos foram liberados da terra, dando origem assim a uma potencial abundância de “tempo livre” -de tempo que já não era servilmente consagrado à satisfação dessa primeira necessidade humana. Mas todo o tempo livre foi imediatamente ocupado por uma nova forma de dominação – o trabalho assalariado. E essa forma impessoal de dominação estava de fato baseada nessa “liberação” anterior, porque, ao não ter acesso aos meios de subsistência, os proletários estavam obrigados a vender seu trabalho para sobreviver. O provérbio popular citado por São Paulo “quem não quiser trabalhar, que não coma” (segunda carta aos Tesalonicences) permitiu dessa maneira superar a carência material de alimentos.
Se, segundo Brenner e Bordiga, o capitalismo é fundamentalmente a segunda revolução agrária e se considera o comunismo a negação dissuasiva do capitalismo, a separação dos seres humanos da terra que forjou o capitalismo pode ser considerada essencialmente como algo a ser revertido no marco de uma revolução comunista, na qual o excedente agro-cultural existente fosse redistribuído – pela planificação, por exemplo, e não pelo mercado- cortando assim o laço de dependência salarial. Tal negação definida preservaria assim uma liberação implícita na secreta revolução agrícola.
Mas essa separação não é, claro, nenhuma liberação, apenas reforça os laços do Estado substituindo a dominação pessoal por uma dominação impessoal. É, em definitivo, a privação mais profunda do acesso direto aos próprios meios de subsistência. Inclusive numa situação nominalmente pós-capitalista, as populações que não têm esse acesso correm o risco de serem exploradas e dominadas por quem esteja em condições de intervir no aprovisionamento de alimentos. Uma revolução que tenha vencido o capitalismo e simplesmente redistribua os excedentes agrícolas poderia então recair no capitalismo – ou talvez em outra forma ainda mais antiga de sociedade de classes. É uma das razões pelas quais uma verdadeira superação do capitalismo não poderá se limitar à reconversão do complexo agroindustrial existente (Phillips e Rozworski, 2019), senão que deveria também colocar em jogo seus fundamentos neolíticos. Para evitar a aparição de um novo sistema de dominação (e inclusive para derrotar a contrarrevolução, como veremos mais adiante), as pessoas devem assegurar o acesso direto a seus próprios meios de subsistência -sem depender do mercado e nem do Estado- e é crucial assinalar que hoje isso pode significar algo mais parecido com a relação pré-neolítica com a terra, ainda que sobre uma base técnica e demográfica completamente diferente.
Tudo isso supõe que a preservação do complexo agroindustrial poderia ser uma opção -mas essa hipótese está questionada pela atual via de destruição ecológica. A segunda revolução agrícola frequentemente está associada a uma brecha na interação que Marx chamava “metabolismo entre o homem e a natureza” (Marx, 1976:677). Marx, que se inspirou nos trabalhos do químico Justus von Liebig, entendia isso, sobretudo, como diminuição da fertilidade do solo[12]. O agronegócio do século XX enfrentou o problema dos adubos químicos logo que os fabricantes de munição na Primeira Guerra Mundial descobriram o processo Haber-Bosch, que utiliza gás natural para transformar nitrogênio atmosférico em amoníaco. Com um lote de novos pesticidas e vários cultivos de alto rendimento, a resultante foi a “revolução verde” que depois se expandiu nos países em vias de desenvolvimento durante a pós-guerra e que foi considerada uma contrarrevolução petroquímica (Bernes, 2018), cuja subsistência está ligada aos fluxos do petróleo e ao poder militar que o sustenta. Mas, essa solução ao problema da queda da fertilidade do solo abriu uma brecha metabólica muito mais importante. Costuma-se estimar que a agricultura é responsável por mais da metade das emissões de gás de efeito estufa, que incluem o metano e o óxido nitroso, assim como o CO2 (Isett e Miller, 2016). O desmatamento que procura abrir terras para a pecuária e os cultivos impede a reabsorção do carbono, e o transporte a distância de alimentos e insumos alimentícios e agrícolas de todo o mundo, pese a que poderiam ser produzidos localmente, joga enormes quantidades de carbono na atmosfera. Ao mesmo tempo, os pesticidas contaminam o solo e matam os insetos, e a evaporação do nitrogênio acidifica a água e gera proliferação de águas tóxicas.
Voltando a reunir as pessoas com a terra, o comunismo ofereceria à humanidade a melhor chance de superar essa brecha metabólica, que sem dúvida estava já latente nas desgastantes tendências ao monocultivo no neolítico. Essa reunificação não deve ser uma abolição apocalíptica da cidade como a dos Khmers Vermelhos, nem a pequena viagem de William Morris pelo vale do Tamisa para desfrutar da colheita de uvas. A “abolição da distinção entre campo e cidade”, que era uma das chaves do programa de 10 pontos do Manifesto Comunista – em sintonia com a maior parte dos socialismos do século XIX- era uma resposta razoável às miseráveis condições da vida urbana da época. Mas, se alguma desconcentração espacial pode ser necessária do ponto de vista ecológico, é difícil imaginar uma reconversão massiva de 4.200 milhões de citadinos em lavradores ou agricultores.
Dada a evidente irracionalidade e desperdício do atual sistema, muitos ecologistas sustentam que a solução consiste em deixar a agricultura de fora do negócio e a ganância de fora da agricultura. Mas, a verdade é que na maior parte dos países desenvolvidos a agricultura está já muito planificada, e que a destruição ambiental é também frequentemente resultado dessa planificação (sobretudo porque está integrada à logística mundial). O meio evidente para reduzir o impacto ecológico da agricultura é reduzir a produção de carne e cultivar muitos mais gêneros alimentícios a nível local, reduzindo tanto a dependência de combustíveis fósseis como de adubos sintéticos. É difícil esperar isso do mercado ou da planificação estatal em sua forma atual, mas essa pode ser uma necessidade não apenas do ponto de vista ecológico, senão também revolucionário.
Na teoria marxista, a “questão agrária” frequentemente foi considerada um quebra-cabeças próprio do final do século XIX: por que a população camponesa de Europa continental não diminuía como em Inglaterra? Mas, para Kautsky e outros, era de fato uma questão urgente de estratégia revolucionária. Os camponeses haviam esfomeado as cidades durante a Revolução Francesa, o que projetou uma larga sombra sobre o pensamento e a prática revolucionária do século XIX. Vejamos o dito por Kropotkin (1995:54) sobre a Comuna de Paris:
Em 1871, a Comuna pereceu por falta de combatentes. Havia tomado medidas para a separação da Igreja e do Estado, mas em contrapartida menosprezou, até que foi tarde demais, tomar medidas para aprovisionar a população.
A comuna percebeu seu erro e abriu cozinhas coletivas. Mas era tarde demais. Seus dias já estavam contados, e as tropas de Versalles junto a suas muralhas.
A proposta de Kropotkin era deixar em paz os camponeses de colocar a cidade a trabalhar para se alimentar. “Em lugar de saquear padarias num dia e morrer de fome no dia seguinte, os habitantes das cidades insurgentes tomarão posse das vendas, mercados e feiras de animais” (Kropotkin 1995: 191)[13].
Segundo Preobrazhensky (2014:701), a horticultura urbana foi adotada provisoriamente em Moscou e São Petersburgo durante o inverno de 1917, quando os confiscos nos campos fracassaram. Mas, não foi mais que uma solução de emergência, jamais foi considerada como parte da via russa para o socialismo (Shanin, 1983). Stalin adotou a solução ortodoxa bolchevique; Trotsky o exortava a tratar mais duramente os camponeses. Os anarquistas se opuseram, mas quando foi sua vez na Espanha também recorreram à violência para confiscar colheitas e submeter o campo recalcitrante às suas exigências (Seidman, 2002).
De certa maneira, a história resolveu nosso problema. O campesinato é minoritário em toda parte e está diminuindo, e produz uma porcentagem ainda menor do aprovisionamento alimentício mundial. Mas a preocupação estratégica fundamental não desapareceu. A “questão agrária” passou a ser uma “questão logística”. Hoje estamos em tal medida dependentes das cadeias de aprovisionamento internacionais para nos alimentar que qualquer ideia de tomar um território e subtraí-lo à dominação do capital parece inútil ou destrambelhada (Bernes, 2018:335).
Como prescindir das cadeias de aprovisionamento mundial sem morrer de fome? Ainda que não tenhamos respostas detalhadas, e supondo que a revolução não estourará em toda parte ao mesmo tempo, é claro que a necessidade estratégica e ecológica implicará numa relocalização da produção de alimentos, assim como um “reverdecimento” da cidade. Ao menos em toda uma fase de transição, a segurança alimentar será uma preocupação secundária, pois o atual desperdício da divisão mundializada do trabalho agrícola deverá ser substituído por uma ineficácia oposta: a redundância integrada de alimentos produzidos localmente.
Não se trata de defender um comunismo de enclaves autárquicos. Seguirá sendo necessária alguma forma de intercâmbio à longa distância. Os minerais e outros recursos não estão repartidos de maneira igual sobre a superfície terrestre e deverão ser redistribuídos globalmente num mundo comunista. E formas localizadas de reprodução garantida, que não devem de estar garantidas para a população nascida no local, poderiam, ao contrário, intensificar a cooperação mundial em grande escala em torno de grandes projetos como a prevenção da catastrófica mudança climática.
De fato, pode se especular com esses dois elementos: 1) fornecimento incondicional de produtos de primeira necessidade e 2) liberdade de circulação. São condições mínimas da vida comunista. O fornecimento incondicional prejudica o poder de empregadores sobre empregados e de produtores sobre não produtores, desestruturando o trabalho e terminando com a dominação do mercado no único sentido que importa. A liberdade de circulação, por outro lado, descarta o perigo de que novas formas de dominação ocupem o lugar do mercado. Enquanto as pessoas tiverem uma satisfatória possibilidade de saída, terão alguma capacidade de resistir a novas formas de dominação pessoal.
O primeiro desses elementos sustenta o segundo, na medida em que a capacidade para sair depende da capacidade para encontrar meios de subsistência aonde for. Isso requererá, é claro, planificação -em sentido genérico e abstrato- e algum grau de redistribuição espacial. E sempre haverá problemas de coordenação a resolver. Mas, o problema muito mais importante é saber como motivar as pessoas para fazer funcionar esses planos, na ausência do provérbio citado por São Paulo.
Assim como existe a necessidade, simultaneamente ecológica e estratégica, de certa relocalização, podemos afirmar especulativamente um imperativo complementar. As preocupações ecológicas e estratégicas têm relação com a sobrevivência básica. Mas, se a única coisa que o comunismo pudesse oferecer fosse sobreviver, ele mesmo não sobreviveria. Deve propor realmente o fortalecimento humano e não apenas o estritamente necessário. Cultivar o alimento que se necessita para viver -protótipo de qualquer atividade instrumental- poderia devir não apenas um meio para alcançar um fim, mas um fim em si e, portanto, algo que já não deva ser imposto sob ameaça de excomunhão da comunidade humana. A livre produção da própria existência, sem entraves e nem relações de exploração e de dominação, seria experimentar um tipo de liberdade quase que completamente perdido pela humanidade na época capitalista.
Não é, na nossa perspectiva, uma simples visão utópica para juntar-se a outras numa arbitrária lista de alternativas igualmente improváveis: cibernética, primitivista, burocrática, conselhista. Não é uma receita de cozinha formalista, tampouco é uma simples esperança milenária onírica e nascida do desespero por superar um presente capitalista sem limites que inclui tudo o que sempre temos conhecido. Trata-se da demanda mais grosseira e simples: estar alimentados. Isso nos leva ao coração do problema: do capitalismo, da sociedade de classes e de sua superação. Colocá-la em pauta permite fazer alguma coisa mais do que imaginar estratégias e táticas geralmente tão improváveis como as utopias às quais apontam. Ajuda a precisar o marco e as precondições de qualquer estratégia que se proponha eficazmente superar esse modo de produção. E aporta sem ambiguidade critérios essenciais sobre o que o comunismo deveria parecer se quisermos derrubar a ditadura do capital. Uma vez que se definem as coisas dessa maneira, algumas ações concretas podem ser desenhadas. E alguns tipos de luta passam para o primeiro plano, como possíveis primeiros passos na via desse porvir especulativo, enquanto outras não pertinentes diluem-se. A tarefa é suficientemente cristalina: já ninguém deve sofrer fome. Mas, para isso, haverá que se estabelecer uma comunidade humana material sobre as ruínas do capital:
Quando, depois do esmagamento forçado dessa ditadura cada vez mais obscena, for possível subordinar cada solução e cada projeto ao melhoramento das condições de vida do trabalho, e modelar com esse propósito tudo o que surgiu do trabalho morto, do capital constante, das infraestruturas que a espécie humana construiu ao longo de séculos e continua construindo sobre a crosta terrestre, então o verticalismo brutal dos monstros de cimento passará a ser ridículo e será suprimido, e nas imensas extensões do espaço horizontal, uma vez que tenham murchado as cidades gigantes, a força e a inteligência do animal humano tenderão progressivamente a tornar uniformes a densidade da vida e do trabalho nas partes habitáveis da terra; e essas forças serão agora harmoniosas, e não ferozes como o são na civilização deformada de hoje em dia, na qual apenas o espectro da servidão e da fome as reúne. (Bordiga 1978:16)
Por John Clegg e Rob Lucas
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[1] Publicado em Anti-K, em 2 de outubro de 2020, mencionando que se trata de uma tradução de texto de camaradas revista Endnotes, difundido no sítio “Communists in situ”. Traduzido da versão francesa
para Herramienta por Aldo Casas, versão que serve de base para esta tradução ao português, de Silvia Beatriz Adoue. (Nota da tradutora.)
[2] A tradução desta e as outras citações para o português são de Silvia Beatriz Adoue. (Nota da tradutora.)
[3] No limitado espaço do qual dispomos aqui [conferência “The Returno of Economic Planning”, em Auckland] não é possível precisar de modo satisfatório a natureza dessa crítica do pensamento revolucionário e o diagnóstico de “totalidade indefinida”. Um primeiro esboço pode ser achado nas notas finais de uma obra de 2019.
[4] Hayek não apenas criticou os planificadores socialistas, também foi muito influenciado pelo debate com eles, a tal ponto que, numa curiosa inversão de sua concepção do plano geral em tanto mercado centralizado, terminou por reconhecer o mercado como um plano descentralizado (Hayek, 1945).
[5] Nota da tradutora.
[6]-* Em certo sentido, ambas partes no debate sobre o cálculo estavam interessados em ignorá-lo. Hayek e von Mises não queriam defender o mercado como uma forma de dominação, e os planificadores não queriam imaginar que os trabalhadores socialistas pudessem carecer de motivação.
[7] Analisando o estado da arte da investigação arqueológica, James Scott (2017) sublinha que agora se reconhece amplamente que a instalação periódica de longo prazo em regiões muito férteis (tais como as ricas planícies inundáveis ou as costas com abundante estoque de peixes) era relativamente normal entre os povos préneolíticos. Além do mais, a domesticação de animais e plantas é, de certa maneira, uma característica permanente na história humana, assim como plantas e animais podem “se domesticar” mutuamente, se adaptando à vida em comum. A taxa de domesticação e de colonização aumentou entre 8.000 e 6.000 a.C. Mas, como esses dois processos tiveram uma longa pré-história, não podem, por si mesmos, explicar as rápidas mudanças da transição neolítica.
[8] A demanda endêmica de mão-de-obra agrícola também fez pagar um alto preço à fertilidade das mulheres. Alguns dos primeiros escritos babilônicos incorporam o sinal correspondente à escrava combinando os sinais de “montanha” e de “mulher” (Scott, 2017:158). Além de fornecer aos vales fluviais de um fluxo de mão-de-obra escrava, as sociedades nómades “bárbaras” das terras altas também atuaram como comerciantes, incluindo o comércio de escravos, relacionando os Estados agrários entre si e, às vezes, como captores conquistadores que passaram a se converter em novos escravistas.
[9] Efetivamente, no século XX o Estado territorial, que teve sua origem nos cereais tributáveis, chegaria a se estender inclusive para além dos limites do cultivo de cereais, atingindo as mais altas montanhas e os desertos mais áridos, conquista final que Scott (2009) parece atribuir ao helicóptero de combate.
[10] Japão e Holanda foram os únicos países que seguiram a via inglesa para sair do feudalismo (Brenner, 2001; Isett e Miller, 2016).
[11] No mundo menos desenvolvido, onde os projetos de reforma agrária de cima para baixo geralmente fracassaram, uma lenta e doída revolução de baixo para cima finalmente ocupou seu lugar, devido à queda nos preços dos produtos básicos e o contínuo aumento da população. Nesse contexto, a capacidade dos camponeses para vender seus produtos foi se reduzindo, ao mesmo tempo em que se encontravam com que não tinham suficientes terras para as crianças que sobreviviam. Em consequência, uma espécie de expropriação demográfica foi a forma mais corrente de transição agrária para grande parte da população mundial, com o agravante de que os despossuídos encontravam cada vez menos lugares para se inserir nas periferias urbanas em expansão (Bennanav, próxima publicação). Os proprietários rurais viram diminuir seu poder político e terminaram sucumbindo à compra e acumulação de terras pela indústria agro-alimentar ou se associaram com ela.
[12] Liebig estava especialmente preocupado porque a urbanização privava aos solos dos dejetos humanos. É uma das razões pelas que Engels advogou por superar a separação entre a cidade e o campo: “Só fundindo a cidade e o campo poderá se acabar com a atual intoxicação do ar, da água e da terra; só assim se conseguirá que as grandes massas de população que vem sua saúde envenenada nas cidades ponham seu adubo natural a serviço da agricultura e não, como hoje, a serviço do cultivo de todo tipo de doenças” (Engels, 1935). No mesmo sentido, Preobrazhensky assinala “o enorme esgotamento do solo, devido ao fato de que a cidade não devolve à aldeia, em forma de adubo, o que toma dela como alimento” (2014:709).
[13] “Mais num mês e as provisões serão insuficientes!” objetam os críticos imaginários de Kropotkin. “Melhor assim”, disse ele. “Isso provará que, pela primeira vez na história, as pessoas tiveram o suficiente para comer” (Kropotkin 1995:65).
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