Por Ocupa CRUSP – @ocupacrusp
QUE HORAS SÃO NO CRUSP?
O CRUSP (Conjunto Residencial da USP), localizado no campus Butantã, em São Paulo capital, vive uma situação extremamente grave de racismo institucional, criminalização e perseguição política de seus moradories – estudantes em sua maioria negres e perifériques. Atualmente, são quatro estudantes sofrendo um processo administrativo disciplinar, sendo que dois deles estão sendo expulsos de imediato da moradia estudantil a partir de uma medida cautelar. Cabe ainda destacar, que um dos estudantes que está sendo despejado do CRUSP é pai e mora com seu filho. Ou seja, não é apenas a expulsão de estudantes pobres e negros de seus lares, mas também de famílias! Essa ação punitiva da Reitoria e da PRIP (Pró-reitoria de Inclusão e Pertencimento) se dá num contexto de intensa mobilização política do CRUSP contra a implantação de um novo sistema de controle na moradia estudantil, além de denúncia de casos de racismo e da destituição da gestão “Avante Crusp”, que atua em parceria com a PRIP no sentido contrário das deliberações dos estudantes nas assembleias, e que tem acobertado diversas violências racistas que aconteceram na moradia. A destituição da gestão é um dispositivo previsto pelo estatuto da Associação de Moradores do CRUSP, e aconteceu segundo suas normas: a partir de deliberações feitas em assembleia, após investigação das acusações e com amplo direito de defesa. A decisão pela destituição se deu após averiguação do envolvimento da gestão em casos de racismo, num episódio de invasão de um apartamento e em negociações escondidas com a Pró-reitoria e com a Superintendência de Assistência Social (SAS). Ou seja, o contexto envolve a destituição de uma gestão que estava operando no CRUSP como um braço da Pró-reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP), implantando as políticas da reitoria de forma autoritária e antidemocrática, sobretudo aquelas que concernem à ampliação do controle na moradia, passando por cima das decisões coletivas feitas em assembleia, que é principal fórum de democracia direta do CRUSP.
Diante dessa tomada de decisão política por parte de moradories do CRUSP, que se deu em assembleia do dia 8/12/2022 e se reafirmou na semana seguinte, na assembleia de 14/12, a Reitoria, por via de sua pró-reitoria (PRIP), decidiu intervir diretamente no CRUSP e no seu processo de auto-organização, ferindo a autonomia política de estudantes. Utilizando da Guarda Universitária e da Polícia Militar, a reitoria bloqueou o acesso de moradories do CRUSP à sede histórica da Associação de Moradores do CRUSP (AMORCRUSP), impedindo, além do mais, o acesso à caixa de som e demais materiais da associação para a realização das assembleias e outras atividades político-culturais, bem como às chaves da única lavanderia disponível para todos os blocos do CRUSP e muitos outros materiais e ferramentas conquistados em décadas de existência da AMORCRUSP. Além disso, existem trabalhadores autônomos que há anos dependem do uso do espaço para exercer seu ofício, e com o fechamento da Associação pela Guarda Universitária foram impedidos de continuar trabalhando. Imediatamente após essa decisão da reitoria, moradories do CRUSP decidiram coletivamente acampar e ocupar a frente da Associação de Moradores do CRUSP (AMORCRUSP), entre o bloco F e o Restaurante Universitário Central, até que a sede fosse devolvida a quem lhe é de direito: es Cruspianes.
A Okupação do CRUSP durou 8 dias, expressando uma grande capacidade de auto-organização e de solidariedade entre cruspianes e alguns setores do movimento estudantil – como independentes de diversos cursos, a Rede Estudantil de Mobilização (REM) e a União da Juventude Comunista (UJC). A linha de frente marcada, sobretudo, por mulheres negras e estudantes dissidentes da cisnorma, é algo que merece ser notado: a singularidade desse processo político não reside somente no seu caráter autônomo em relação às entidades, coletivos e partidos, e nem também na classe (estudantes periféricos), mas também em seu marcador racial e em sua dissidência de gênero, que são fatores também largamente negligenciados pelo movimento estudantil, para além de palavras de ordens vazias.
Menos de 24 horas após a decisão de moradories por ocupar a frente da AMORCRUSP, a Pró-reitoria, numa patente tática de perseguição política, abriu um processo administrativo-disciplinar contra 4 moradores do CRUSP, que, “coincidentemente”, participavam das mobilizações e processos políticos, bem como 2 medidas cautelares impondo o sumário despejo de dois moradores de suas casas, um deles cotista negro e o outro um pai junto com filho.
O processo aberto pela Universidade de São Paulo contra os quatro moradores do CRUSP se dá com base no decreto de 1972, que instaura o Regimento Geral da USP e determina medidas disciplinares em sintonia com a política de exceção e arranjo social-punitivo da Ditadura Militar. O mesmo se dá com a medida cautelar utilizada para despejar os estudantes do CRUSP, que data de 1968. Trata-se, assim, de dois dispositivos legais criados durante o período da ditadura civil-militar, assim como é o Regimento da USP. Agravante ainda é o fato da medida cautelar equiparar o local de trabalho de funcionáries com o domicílio de estudantes, interpretação que escala absurdamente o autoritarismo desse dispositivo de afastamento de funcionáries e alunes. Como é de amplo conhecimento, a estrutura de poder da Universidade de São Paulo foi montada na ditadura militar e a até pouco tempo todos os setores da USP (docentes, trabalhadores e estudantes) estavam se mobilizando para acabar com os resquícios ditatoriais presentes no regimento da USP e em sua máquina punitiva acoplada às exigências de uma Universidade cada vez mais empresarial.[1] Dentre as práticas criminalizadas pelo artigo 250 estão o “atentado à moral e aos bons costumes” e “promover manifestação ou propaganda de caráter político-partidário, racial ou religioso, bem como incitar, promover ou apoiar ausências coletivas aos trabalhos escolares”. Ou seja, trata-se de um artigo montado para perseguição política e de minorias sociais. A penalidade de expulsão da Universidade, por sua vez, se dá com base no artigo 248 do regimento, que prevê a “ELIMINAÇÃO” da Universidade.[2]
Ainda cabe lembrar que há muito pouco tempo era uma tradição, fincada na memória do movimento estudantil da USP, a realização anual da festa “Atentado à moral e aos bons costumes”. Ora, os quatro moradores do CRUSP estão sendo processados com penalidade de expulsão e perda permanente de vínculo, incluindo diplomas, acusados, dentre outras coisas, justamente de “atentado à moral e aos bons costumes”. São esses os enquadramentos disciplinares:
IV – praticar ato atentatório à moral ou aos bons costumes;
VII – perturbar os trabalhos escolares bem como o funcionamento da administração da USP;
IX – desobedecer aos preceitos regulamentares constantes dos Regimentos das Unidades, Centros, bem como dos alojamentos e residências em próprios universitários.
Cabe ainda destacar que esse processo se dá num cenário de militarização acentuada da Universidade: em 2016, após tentativa de ocupação dos blocos K e L, a Reitoria construiu uma base fixa da Polícia Militar no CRUSP, que foi concluída durante a pandemia. A base da Polícia Militar já foi utilizada para reprimir protestos de cruspianes, como os protestos contra a realização do Boat Show dentro da USP, evento milionário de venda de barcos, iates, lanchas e helicópteros. No contexto dos protestos, Policiais Militares da USP chegaram a ameaçar de morte uma pessoa negra, moradora do CRUSP.[3] Em 2021, Policiais Militares da USP perseguiram e prenderam arbitrariamente um estudante periférico e morador do CRUSP, Giovanni Shioli, que só foi solto graças à solidariedade e luta de moradories do CRUSP e de movimentos sociais. Contudo, a memória da perseguição sofrida pelo aluno dentro das imediações do CRUSP, onde uma viatura foi estourada contra um poste durante a perseguição, segue vívida e alerta para um episódio onde por pouco um morador teria sido atropelado e quem sabe morto pela Polícia Militar dentro campus. Giovanni, inclusive, já havia tomado mais de 20 enquadrados da polícia militar do campus universitário. Não é nenhuma coincidência, portanto, que Giovanni esteja entre os moradores que estão sofrendo processo de expulsão da Universidade.
Em 2019, aliás, o morador negro cotista, já mencionado por ser vítima da imediata expulsão do CRUSP via medida cautelar protetiva, Diego dos Santos, fora um dos 10 presos da USP, entre alunes e funcionáries, durante uma manifestação contra a Reforma da Previdência, processo posteriormente anulado pela completa falta de fundamento para as acusações alegadas. Dentre os presos, ainda, a única mulher detida fora a companheira do outro morador também alvo da medida cautelar protetiva.[4]
A OMISSÃO E CONIVÊNCIA DO MOVIMENTO ESTUDANTIL DA USP
Se é esse o cenário, cabe nos perguntarmos: por que o movimento estudantil da USP, partidos e coletivos que nele atuam não estão se mobilizando massivamente contra o que está acontecendo e dando apoio a esses estudantes perseguidos politicamente e criminalizados? De partida, o uso de mecanismos punitivos, alicerçados em uma estrutura de poder autoritária, racista e elitista, herdeira da Ditadura Militar, com intervenção e confisco de um espaço político do CRUSP, deveria, no mínimo, acender o alarme de incêndio. A paisagem de um espaço estudantil, mantido autônomo por décadas, cercado e guardado pela guarda universitária, por seguranças terceirizados da Albatroz e pela PM, de frente para uma ocupação, que resistia às vésperas do natal, simplifica qualquer dificuldade no entendimento da situação e na tradução das relações de força que atravessam a moradia estudantil. Desse modo, a omissão e conivência de agentes do movimento estudantil externos ao CRUSP por nada se justifica. É bem provável, francamente, que tal indiferença e panos quentes jogados sobre a presente repressão não aconteceria caso a Polícia Militar e a Guarda Universitária tivessem intervido em assembleias do DCE (Diretório Central de Estudantes), ou se estudantes brancos, de classe média e/ou integrantes dos partidos e coletivos da USP tivessem sendo vítimas de expulsão. A resposta tem haver com raça e classe: as vítimas são estudantes negros e periféricos, moradores do CRUSP, ou seja: a parcela do meio estudantil mais negligenciada pela maioria das organizações.
A incompreensão ou vacilação perante os fatos é resultado do abandono histórico da maior moradia estudantil da América Latina, não apenas pela Reitoria branca da USP, como também pelo Movimento Estudantil majoritariamente branco da USP. Apenas no período mais recente, es cruspianes perderam o passe-livre no transporte, no início de 2019; em 2020, no início da pandemia, cruspianes ficaram à míngua, sem nenhuma política de alimentação, saúde e higiene, situação só parcialmente revertida após muita luta e repercussão na imprensa do descaso enfrentado[5]; na metade do ano seguinte, em julho de 2021, mais de cem pessoas foram sumariamente compelidas à abandonarem suas casas, com um prazo inicial de despejo de 20 dias, para o início da reforma do Bloco D, prazo que afetou a maioria des moradories e só foi prorrogado após exaustiva mobilização.[6] Enfim, no ano seguinte (2022), a luta contra despejos e pelo abrigo de alunes ingressantes se somou também a outras pautas, como a repetida falta de água, problema que atravessou a pandemia e exigiu uma paralisação do campus Butantã, em 20 de setembro de 2022, com trancaço no Portão 1. Em vista de tudo isso, diante da atual crise, provocada pela implementação autoritária do controle de acesso e pela falta de diálogo em relação à nova política de auxílios e requisitos para o recebimento dos mesmos (PAPFE 2 e 3), agravados pela postura entreguista e antidemocrática da ex-gestão AvanteCrusp, o desconhecimento e descaso do restante do Movimento Estudantil é consequência da completa ausência dessas partes no interior da vida política do CRUSP.
Muitas organizações e coletivos políticos nem ao menos possuem membres residentes da moradia, ou quando possuem, marginalizam suas presenças e necessidades. Assim, mesmo com registros em vídeos da maior parte das fatídicas ocorrências, falta qualquer posicionamento da maior parte desses grupos e sobram visões extremamente superficiais ou abertamente reacionárias dos poucos que se posicionaram. É o caso, por exemplo, da exigência externa de que assembleias sejam refeitas, numa postura tutelar para com o CRUSP, que não assume a própria responsabilidade pela completa ausência nos espaços deliberativos anteriores. O mesmo vale para a verborragia oportunista sobre inclusão e permanência, sem nem ao menos mencionar a situação dos moradores em vias de serem completa e permanentemente expulsos (“ELIMINADOS”) por meio de dispositivos da época da Ditadura. Por mais surreal que pareça, grupos como Esquerda Marxista e Juventude Disparada (do PT) se mantiveram ao lado da Reitoria e da gestão destituída, inclusive, com membros de tais organizações apoiando publicamente as expulsões. Na leitura delus, não deve haver independência de classe, respeito à soberania das assembleias, justiça restaurativa ou processos democráticos na implementação de políticas que tangenciam a permanência estudantil – o que excluiria, para o início de conversa, qualquer mudança em época de encerramento de semestre e esvaziamento da universidade.
DA IMPLANTAÇÃO DO CONTROLE DE ACESSO NO CRUSP À OKUPAÇÃO
No dia 25/10 (terça-feira), algumes estudantes moradories do CRUSP descobriram que a então gestão da AMORCRUSP “Avante Crusp”, havia se reunido com a Pró-reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP), junto com a Guarda Universitária, funcionáries das empresas terceirizadas de segurança e assistentes sociais para tratarem da implementação do novo sistema de controle de acesso na portaria dos blocos da moradia. A informação foi confirmada por pessoas que estavam presentes na reunião.
Quando essa informação vazou, estudantes cruspianes logo se mobilizaram para exigir explicações da gestão “Avante CRUSP” sobre essa proposta de implementação do controle de acesso, já que ela não havia passado nas assembleias e a maioria das pessoas do CRUSP sequer sabiam que um sistema de controle estava sendo implementado pela PRIP, em colaboração com a AMORCRUSP. Procurada por estudantes cruspianes, a gestão Avante Crusp confirmara que a implantação de tal sistema estava sendo debatida e que seria da seguinte forma: todas as pessoas para entrarem teriam que fornecer seus nomes; e “hóspedes” (categoria que inclui moradories irregulares do CRUSP) teriam que ter autorização de algume cruspiane regular para entrar nos blocos. Contudo, a gestão da AMORCRUSP negou que havia participado da reunião supracitada; negou também que esse sistema de controle já estivesse em vias de ser implementado; e afirmou que na verdade se tratava de uma proposta des própries moradories, que não envolvia a PRIP.
É preciso trazer à memória, a fim de indicar que tal implementação autoritária do sistema de controle não se faz sem precedentes, antes de se avançar nesse ponto. Durante a pandemia, sem qualquer consulta ou aviso prévio, também diversas câmeras foram instaladas repentinamente na portaria de todos os prédios da moradia. Tal instalação carece até hoje, diga-se de passagem, de quaisquer informações sobre o destino ou modo e tempo de armazenamento das imagens. Nenhuma explicação sobre a privacidade ou as vias de acesso aos conteúdos registrados fora oferecida, ou devidamente comunicada, nada além da abrupta instalação e aumento da “vigilância”, deixando es moradories no escuro.
Diante disso tudo, cruspianes cobraram uma reunião com a antiga gestão da AMORCRUSP. No mesmo dia 25/10, às 17 horas, foi realizada uma breve reunião de moradories do CRUSP com a gestão, dada a gravidade da situação.
Na reunião, uma representante da gestão da AMORCRUSP havia dito que a proposta do controle de acesso teria surgido numa reunião de gestão no dia 21/07/2022, em plenas férias e com o CRUSP esvaziado, e que havia sido registrada em ata. Contudo, a ata que foi divulgada não tinha nenhum registro sobre as deliberações em torno da pauta do controle de acesso, apenas de discussões e de falta de consenso sobre o tema. Essa ata, aliás, tinha sido postada no mesmo dia 25/10, e foi modificada no dia 29/10 acrescentando informações que não existiam.[7] Nessa mesma breve reunião, ficou acordado a realização de uma assembleia extraordinária do CRUSP para o dia 31/10 (segunda-feira), a qual deveria ser convocada pela gestão da AMORCRUSP ainda no dia 25/10. Contudo, até o dia 27/10 a gestão não havia ainda divulgado a Assembleia. Diante disso, o Comitê por Permanência e Moradia da USP (CPM-USP), criou uma arte e divulgou por conta própria.[8] Após isso, a gestão Avante Crusp passou a negar que havia sido acordado qualquer assembleia e que a assembleia convocada era ilegítima, chamando uma reunião de gestão pro dia 01/11. O argumento era de que assembleias só poderiam ser tiradas em reuniões de gestão e, na ocasião, a gestão omitiu totalmente o compromisso que firmara de construir a assembleia do dia 31 de novembro – curioso, também, é o fato de que anteriormente o CPM-USP já havia divulgado uma convocação de assembleia do CRUSP, realizada em 08/07/2022, com a pauta de despejo da ocupação do bloco D, sem enfrentar nenhuma objeção da gestão Avante Crusp, que se fez presente naquela assembleia.
Não cabe aqui retomar passo por passo. A reconstituição desse momento inicial cumpre a função de mostrar como a gestão “Avante CRUSP” já vinha há tempos escondendo o que de fato estava acontecendo em relação a implementação do controle de acesso, seu papel nesse processo e as manobras que estava realizando para implementar tal política sem passar pelas assembleias do CRUSP. Vale a pena acrescentar, resumidamente, que das reuniões de gestão dos dias 01 e 11 de novembro, fora tirado, enfim, uma assembleia para 25/11 e, também, um grupo de trabalho para debater propostas de segurança diversas – incluindo demandas por interfones e bicicletários.
Assim, no dia 25/11, 01/12, 08/12 e 14/12 foram realizadas outras assembleias e reuniões de gestão. Em todas elas, moradories do CRUSP reunides deliberaram contra o controle de acesso imposto pela PRIP, bem como foram realizados um debate e um processo de apuração sobre as ações da gestão Avante CRUSP, envolvendo acobertamento de casos de racismo e agressão, invasão de apartamento, imposição do controle de acesso desrespeitando as decisões das assembleias, o que culminou na decisão coletiva e democrática pela destituição da gestão e formação de uma comissão de transição até a próxima eleição.
AS RAZÕES DA OPOSIÇÃO AO CONTROLE DE ACESSO NO CRUSP
É preciso explicitarmos brevemente as razões da oposição ao controle do acesso, que foi apresentado nas reuniões com a PRIP como solução para o problema de moradories “irregulares” no CRUSP:
1º A situação dos irregulares: são moradories que não possuem burocraticamente, por diversas razões, como a necessidade do auxílio financeiro, a vaga na moradia, apesar de na maioria dos casos precisarem, igualmente, dela. Tais moradories terão que ter a entrada em suas próprias casas autorizada por moradories regulares. Isso significa que quem é irregular passa a estar numa situação ainda mais vulnerável, com a PRIP (Pró-reitoria de Inclusão e Pertencimento) e SAS (Superintendência de Assistência Social) tendo acesso aos seus apartamentos e nomes, facilitando a perseguição de quem precisa de moradia e que a USP, como já foi amplamente denunciado, vem NEGANDO vaga na moradia, inclusive por questões políticas. Esse é o caso, por exemplo, da reocupação do bloco D por caloures em luta por moradia:[9] a assistência social não só negou moradia para quem estava ocupando o bloco D, que estava esvaziado por conta de uma reforma paralisada, mas retirou o auxílio financeiro desses estudantes.[10] Quer as obras da reforma do bloco em questão quer as obras na marquise, corredor central e principal acesso da moradia e Restaurante Central, encontravam-se paralisadas desde a troca de Reitor.
2º As atuais perseguições des irregulares: nesse semestre a pró-reitoria chegou a invadir, duas vezes, apartamentos do bloco F de moradories irregulares do CRUSP, ameaçando estudantes de expulsão da moradia estudantil. Como punição, a pró-reitoria também cortou o auxílio moradia dessus estudantes. Houve relatos também de situações semelhantes no bloco G (bloco da pós-graduação). Estamos falando de estudantes que estão desde o início do ano pleiteando vaga e que tiveram a vaga negada e o auxílio cortado. Em muitos casos, a não regularização também é provocada pela impossibilidade de se manter residindo no CRUSP, enquanto se estuda em cursos formalmente integrais ou com cargas de estudo equivalentes, sem qualquer ajuda de custo, nem mesmo para custear itens de higiene íntima ou se alimentar nos muitos dias em que os restaurantes universitários não funcionam, como nas jantas de todos os fins de semana e ao longo de todo o dia em feriados. O problema é tamanho que a própria PRIP admite a insuficiência da política de permanência atual e promete implementar um auxílio financeiro para alunes contemplados com a vaga no CRUSP, no irrisório montante de 300 reais mensais.
3º Conversão do CRUSP em questão de segurança, intensificando a perseguição e culpabilização de irregulares: É evidente que, diante da perseguição real e histórica de irregulares, o sistema de controle apenas irá agravar a situação. Diante da precarização do CRUSP e da falta de vagas para uma demanda que é muito maior, além de crescente devido às cotas étnico-raciais e sociais, a responsabilidade é sempre jogada no elo mais frágil da moradia cruspiana, que são estudantes irregulares: bode expiatórios para todos os problemas da moradia e para desresponsabilização da USP, que já deveria ter devolvido os blocos K e L e construído novos blocos.[11] Com esse sistema, a pró-reitoria passa a ter os dados dessus estudantes. Além disso, é histórica a ação da Assistência Social e da Reitoria de perseguição e expulsão de estudantes cruspianes em luta por retomada e ampliação de vagas na moradia: 2008, 2010-2012, 2016, 2022… Ou seja, a existência de irregulares como o problema da moradia opera como uma forma de transformar questões como falta de vaga e precarização das condições de moradia em problema de “segurança”, de “controle” de quem mora, de quem entra e quem sai, sem tocar nos maiores problemas da moradia: a falta de vaga e a precariedade da moradia. E sabemos que esse processo de controle não se faz sem racismo e elitismo. Sem contar que, historicamente, uma das principais fontes de violência se dá pela falta de acompanhamento e assistência social efetiva para mulheres e pessoas dissidentes de gênero, principais vítimas de violências perpetradas no interior de suas moradas e alojamentos, quando não por funcionários contratados pela própria faculdade. Por exemplo, fora alarmante a quantidade de denúncias de assédio quando do início das obras de reforma da marquise e do Bloco D, que moradoras sofreram por parte de funcionários da empresa Harus.
4º Proposta antidemocrática: A proposta desse novo sistema de controle partiu aparentemente da então gestão da AMORCRUSP, sem nenhuma discussão ampla e massificada com moradories, que passou a negociá-la com a PRIP e a servir de braço para o controle da Reitoria sobre o CRUSP. Trata-se de uma proposta sendo implementada a partir de reuniões a portas fechadas com a SAS, Pró-reitoria e guarda universitária, desrespeitando a autonomia política do CRUSP e as decisões de suas assembleias. O caráter antidemocrático ainda nos coloca o seguinte problema: quais as garantias de que os critérios para passar pelo controle de acesso não irão se alterar com o tempo, segundo os desígnios da Reitoria? O exemplo mais alarmante da situação é dado pela própria situação dos processados, que de uma hora para a outra deixam de ser moradores regulares para ter seu acesso negado no CRUSP. Justamente, por esse motivo, não é descabido temer uma eventual intensificação das medidas adotadas para barrar o acesso de quem é posto fora da lista de permissão, a exemplo, da adoção de catracas, presentes na maioria dos edifícios do campus, ou do acionamento da PM para intervir no interior da moradia – como já ocorreu inúmeras vezes. Se antes mesmo do mais novo governador do Estado de São Paulo, Tarcísio Gomes de Freitas, ser empossado, o controle sobre o CRUSP se materializou em uma associação de moradores sitiada pela guarda, expulsões e estudantes impedides na portaria de acessar seus lares, o que esperar a partir de agora ou, dentro em pouco, do próximo reitor, a ser escolhido pelo governador? Mais do que nunca, a democracia na moradia é a maior garantia de segurança para es estudantes!
5° A falta de estatísticas sobre o CRUSP: O desconhecimento não é uma falha da Reitoria, a falta de dados objetivos sobre a moradia e sobre a demanda por permanência é uma arma da Reitoria. Repetidamente, a ausência de estatísticas alimenta estigmas e preconceitos, tais como o mito de que existiria uma quantidade enorme (mas desconhecida) de moradories sem qualquer vínculo com a USP, ou alimenta estereótipos sobre o rendimento acadêmico, as reais necessidades socioeconômicas ou, mesmo, dada a falta de acompanhamento por uma assistência social humanizada, a pura e simples criminalização da população cruspiana, como composta por marginais, usuáries de drogas e pessoas incapazes de se organizar politicamente. Quanto ao conjunto da comunidade uspiana, a falta de estatísticas sobre a totalidade da demanda por permanência, mascara a proporção irrisória de recursos repassados para essa finalidade e encobre a ausência de quaisquer planos de ampliação da conjunto residencial, a despeito da interminável luta estudantil pela devolução dos blocos K e L.[12]
6° A exploração de situações limites: seja, primeiramente, a nível de saúde mental, seja, em segundo lugar, em termos de convivência, a Reitoria mantém e explora politicamente situações limites, onde o adoecimento e o sofrimento de moradories e pessoas que transitam pelo CRUSP vira motivo de desagregação e desestabilização política. Se hoje existe, no interior da comunidade cruspiana, discursos de caráter higienista e obcecados com a pauta de controle e expulsão de moradories indesejáveis, é porque, historicamente, situações de surtos e adoecimentos foram deliberadamente negligenciadas pela Reitoria. A despeito do discurso de regularidade, presenças fora de qualquer perfil condizente e com condutas extremamente hostis são encobertas e mais do que respaldadas, com o objetivo não declarado de onerar de modo fatal a luta política na moradia. Na contramão dessa maré, a AMORCRUSP realizou em 2019, por exemplo, uma intensa campanha pelo Setembro Amarelo, com o apoio e a presença de docentes e pós graduandes da Faculdade de Psicologia, assim como, continuamente, sempre atuou na mediação de conflitos no interior da moradia. Pois não se trata de expulsar, mas sim cuidar da saúde da população mais vulnerável da USP, mediar conflitos, apoiar a justiça restaurativa e empoderar iniciativas de autogestão de e para moradories. Infelizmente, a realidade é que mesmo com um suicídio de um jovem negro cruspiano, Ricardo Lima da Silva, em 2021, hoje a Reitoria, via PRIP, não hesita em testar até o limite o psicológico de pessoas negras e periféricas.
7° Falta de Interfones: Por incrível que pareça, não existe nenhum interfone funcionando em nenhum apartamento do CRUSP, tampouco na maioria das portarias nos blocos, portanto, fica totalmente inviável a comunicação com residentes ou a autorização de visitas. Parte das demandas aprovadas em assembleia cruspiana (25/11) era de que a pauta do controle de acesso só poderia ser rediscutida, depois de sua atual rejeição, quando os interfones fossem instalados.
8° As mudanças no PAPFE: Às vésperas de acabar as aulas e tirando proveito do esvaziamento dos campi, o que enfraquece o poder de reação do Movimento Estudantil, a PRIP anunciou a mudança nas políticas de permanência, tanto no conteúdo dos benefícios quanto nos critérios para recebê-los. Cabe dizer que, antes de uma definição dessas novas políticas, que afetam diretamente quem pode ou não morar no CRUSP, nenhum controle de acesso deveria ser cogitado.
Para acompanhar a luta em curso, recomendamos que sigam as páginas no instagram @ocupacrusp @cat.usp @cpmusp @blocofcrusp.relatos
[2] Para consultar o artigo 248, que prevê a punição disciplinar de “eliminação” e para consultar o artigo 250 com as práticas pelas quais os moradores do CRUSP estão sendo punidos, ver o Regime Geral da USP, disponível em: http://leginf.usp.br/?historica=decreto-no-52-906-de-27-de-marco-de-1972#:~:text=Aprova%20o%20Regimento%20Geral%20da%20Universidade%20de%20S%C3%A3o%20Paulo
[3]Ver a matéria da Ponte Jornalismo sobre a prisão de Giovanni Shioli: https://ponte.org/pm-reprimiu-estudantes-que-protestaram-contra-evento-nautico-milionario-dentro-da-usp/
[4] Sobre as prisões durante a manfiestação contra a Reforma da Previdência, ver – https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/06/14/alunos-e-funcionarios-da-usp-detidos-em-protestos-pela-greve-geral.htm
[5] Sobre a situação do CRUSP durante a pandemia, ver, por exemplo, as seguintes matéiras: http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2020/07/crusp-pandemia-abandono/; https://theintercept.com/2020/04/01/coronavirus-maes-dormitorio-universitario-usp/ ; https://theintercept.com/2020/11/09/pesquisa-inseguranca-alimentar-fome-crusp-usp/
[6] Sobre o despejo do Bloco D, ver https://www.esquerdadiario.com.br/Estudantes-realizam-ato-contra-o-despejo-do-Bloco-D-do-CRUSP
[7]A Rede Estudantil de Mobilização fez um registro de todo o histórico da Ata da AMORCRUSP, expondo prints que comprovam o que aqui está sendo dito: https://www.instagram.com/p/CkY1JkGur3x/
[8] Ver a postagem de convocação: https://www.instagram.com/p/CkOw1Yzven2/
[9] A Reocupação do Bloco D por calouros pobres, negres e periféricos, começou no dia 03/02. Sobre isso, ver https://www.instagram.com/p/CdawPAkO23P/
[10] Ver esse post com alguns relatos e dados estatísticos sobre o problema estrutural da falta de vaga na moradia no CRUSP, bem como da negação pela SAS de vaga para estudantes que precisam: https://www.instagram.com/p/Cc0S6lcOhF3/ . Ver ainda o relato de uma estudante mãe e pobre que teve a moradia negada pelo fato de ser mãe: https://www.instagram.com/p/Cc1OGVUPmfj/ .
[11] A devolução dos Blocos K e L, blocos do CRUSP tomados durante a ditadura militar e subutilizados pela burocracia da USP é uma pauta histórica do CRUSP e significaria cerca de mais 400 vagas de moradia. O pânico moral em torno da existência de moradories irregulares como problema da falta de moradia no CRUSP é uma operação da Reitoria que desloca um problema estrutural para um problema individual e de natureza moralizante.
[12] Diante da falta de transparência em relação às demandas por permanência e recursos repassados, foi feito um levantamento independente por estudantes. Os gráficos, em parte montados com os dados disponibilizados pela própria USP, em parte por dados obtidos pelo Serviço de Informação ao Cidadão (SIC). Esse trabalho estatístico revelou uma discrepância entre os dados da USP e os dados do Serviço de Informação, mostrando, em dados, que a realidade era bem pior do que aquela veiculada. Sobre isso, ver: https://auxilioalimentacaousp.github.io/TransparenciaUSP/graficos_permanencia
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