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07 mar 2023

A produção agroflorestal de alimentos: entrevista com Namastê Messerschmidt

Filho de pai alemão e mãe brasileira, Namastê Messerschmidt nasceu em 1987 no estado de Piauí. Aos 12 anos se mudou para o Instituto Oca do Brasil, em Goiás, onde conheceu Ernst Götsch, o criador da agricultura sintrópica. Neste mesmo ano começou a aprender e trabalhar com a técnica, e permaneceu lá por 11 anos.

Por volta de 2010 inicia sua atuação junto a ATIX (Associação Terra Indígena Xingu), ISA (Instituto Socioambiental) e INPA (Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas).

Em paralelo atua como consultor e instrutor em diversas organizações e com agricultores, incluindo: PNUD, MST (Movimento Sem Terra, maior movimento social de reforma agrária do mundo), Fazenda da Toca (GPA – Grupo Pão de Açúcar), Cooperafloresta (Cooperativa de Agricultores Agroflorestais que vivem da agrofloresta há 23 anos).

Em 2017, Namastê abre sua agenda de cursos e consultorias internacionais implantando sistemas agroflorestais nos seguintes países; México, Austrália, Nova Caledônia, Indonésia, Tailândia, Malásia, Angola, Madagascar, Argentina, França, Espanha e Portugal difundindo o conhecimento da Agrofloresta Agroecológica pelo mundo.

Essa entrevista discute temas como o que é agrofloresta, sua relação com as praticas tradicionais indígenas e o debate agroflorestal no MST. A entrevista foi realizada por Gabriel Silva no sítio Vale das Cabras, próximo a Campinas, São Paulo, em 13/06/2022.

Gabriel: O que é agrofloresta? Como você define?

Namastê: Agrofloresta é uma agricultura que segue os princípios da vida, a vida sempre trabalha do simples ao complexo. E esse é um caminho, essa sucessão sistêmica. Existe uma sucessão, como a grama cria a carqueja, a carqueja vai criar o alecrim, alecrim cria embaúba, que cria o angico, que cria ambientes que vai ter jatobá, jequitibá, que vai ter abundância. Então, todos os seres do planeta caminham por esse caminho e esse é um caminho que a gente vê que acontece em todos os lugares do mundo. 

Em cada região, ele vai se expressar da sua maneira, com suas espécies, mas o caminho ele é sempre o mesmo: do simples ao complexo. Então esse é um dos princípios da agrofloresta, uma agricultura que gera mais vida, a agricultura que a gente faz hoje hegemonicamente no mundo, ela não faz isso, ela faz perder solo e ela faz perder fertilidade. Então a agrofloresta, ela faz isso, a gente consegue produzir muito alimento e como resultado dessa ação, a gente gera fertilidade, a gente gera vida no lugar, a gente gera solo, nesse caminho rumo à abundância. 

Então esse é um dos princípios da agrofloresta. A gente sabe que nas florestas existe estratificação, então são plantas em camadas diferentes, que filtram o sol para as outras, que ciclam nutrientes para as outras, então a gente observa esse princípio de cooperação na natureza e a gente traz para a agricultura. Agora o que isso traz de vantagem? Por que isso é importante? 

A gente vive uma agricultura hoje que deixa o solo cada vez mais fraco. Então é isso, a gente planta hoje, a gente põe um, quando a gente vai plantar de novo, a gente colhe e quando a gente vai plantar de novo a gente não pode mais  por um, porque o solo vai ter menos vida, então a gente tem que colocar dois, depois três, depois  quatro. A agricultura, a agronomia hoje trata o solo como um suporte, então a gente precisa trazer nutriente de fora:nitrogênio, fósforo, potássio, manganês, boro, zinco. 

Como ensinava a doutora Ana Primavesi, o solo não é suporte, o solo é um elemento vivo e tudo tá nele, por exemplo o potássio. Existe grande quantidade de potássio nos solos brasileiros, só que ele está quimicamente indisponível. O potássio, ele precisa ser ciclado por plantas, para que outras plantas consigam comer desse potássio. Então o potássio que a gente vai lá na Rússia buscar, ele está no solo,só que ele precisa de plantas que ciclem esse potássio, como a mombaça, como a bananeira. 

Nitrogênio, que é hoje o nutriente mais comercializado no mundo, ele tá no ar, setenta e oito por cento do ar é puro nitrogênio, então a gente vai lá em Beirute comprar nitrogênio, equanto o nosso ar tem bastante nitrogênio. Só que esse nitrogênio, ele não está disponível para as plantas, ele precisa também ser ciclado, então precisa de plantas que consigam pegar esse nitrogênio do ar e tornar disponível, né? 

Então, por exemplo, as leguminosas se associam com bactérias, que as leguminosas: o Ingá, a Gliricídia, essas plantas se associam com bactérias que conseguem pegar a simbiose que existe da planta com as bactérias, consegue pegar esse nitrogênio e tornar ele disponível, e não só para o ingá e para a Gliricídia, para o feijão e para o feijão guandu, mas para toda a comunidade onde essas plantas estão. Então se tiver um café ali, esse café também vai aproveitar desse nitrogênio, se tiver uma bananeira, essa bananeira também vai aproveitar desse nitrogênio. Então, na verdade, tudo está aí, né? O solo tem fósforo, o solo tem  potássio, o nitrogênio está no ar, o carbono, que hoje não é considerado um nutriente, mas ele também está no ar. O que a gente precisa construir é formas, é mecanismos para que isso se torne disponível, né?

E a gente chama isso de agricultura de libertação, libertação de uma ilusão que a gente  vive hoje que a fertilidade está numa loja e que se a gente não for nessa loja comprar fertilidade, a gente não consegue produzir. E infelizmente, a agricultura orgânica, muitas vezes ela repete isso, né? Se a gente não for alí comprar um termofosfato, se não for comprar um composto, se não for comprar uma calda orgânica, a gente não consegue produzir, e isso não traz liberdade para o agricultor. 

Então a gente precisa voltar a fazer uma agricultura que interaja com os processos naturais. Quando a gente fala em voltar, é porque a gente acredita que agrofloresta é um resgate de uma agricultura ancestral, quando a gente encontra terra preta de índio, por exemplo, na amazônia, onde os solos eles são ditos que são fracos,né? A Amazônia, diz que o solo é muito mais fraco que aqui no Sul, no Sudeste, né? Que são solos mais jovens, como Ribeirão Preto, Londrina, são afloramentos de solos mais jovens, terras como basalto, então os nutrientes estão mais disponíveis ali. Já na Amazônia, os solos são mais antigos e a fertilidade da Amazônia está muito conectada à floresta. Quando a gente tira a floresta, o solo degrada muito mais rápido do que aqui. E naquelas regiões de solos fracos, existem manchas de solo que dizem que é um dos solos mais férteis do mundo e é o que centros de pesquisa chamam de terra preta de índio, então aquilo era agricultura dos indígenas, uma agricultura que gerava muito produto, como resultado dessa ação, de produção, que gerava solo, que gerava fertilidade. Isso para a gente é agrofloresta, que a gente faz agrofloresta e vê o solo crescendo, crescendo preto. Quando a gente encontra um fenômeno como esse, a gente imagina que isso é parecido com o que a gente está tentando fazer. 

Então para a gente fazer agrofloresta é um resgate, é um resgate da agricultura ancestral. Então a terra preta de índio na Amazônia, as Chinampas no México, que também é uma área que se construiu com fertilidade pela agricultura que se fazia naquela região. Então já existiram povos, que faziam uma agricultura que gerava vida, gerava fertilidade, usavam desses princípios da natureza.

 Gabriel: Como foi a sua experiência trabalhando com os povos indígenas?

Namastê: É uma experiência muito interessante, não só pela oportunidade de você ir lá e levar o que acha que sabe e trazer esse diálogo com o conhecimento de lá, existe muita tecnologia, existe muito conhecimento, mas esse diálogo com o conhecimento local e de muitas coisas, né? Como, por exemplo, como dialogar com a questão do fogo, o fogo é uma coisa muito presente nos povos indígenas e muitas vezes até por questões que são diferentes pra gente, né? Então os Caiabis, eles falam que o fogo é importante, por vários outros motivos, porque, por exemplo, existe a história da agricultura para os Caiabis, que veio de uma família, que antes eles comiam só larva de madeira e cogumelos, e aí essa família teve uma seca grande, e eles estavam com fome, porque não tinha nada de madeira, que depende da umidade. E aí a mãe dessa família pediu que derrubasse uma área de floresta e queimasse ela dentro da floresta. Então a senhora se chamava Kopeirute. Então, quando ela queimou dentro da floresta, ela explodiu e das cinzas dela, nessa explosão, surgiu o milho, surgiu o amendoim, surgiu a mandioca. 

Então, por exemplo, os Caiabis, o fogo não é só para a questão, por exemplo, uma questão física, de você diminuir a matéria orgânica para tornar mais fácil o plantio, mas também é uma questão dessa história. Então, por exemplo, eles falam que a semente, para germiná-las, precisa sentir o cheiro da Kopeirute e o cheiro da Kopeirute é a cinza. Então vamos ressignificar, reorganizar, né? Então alguns vão a ideia de só melar a semente na cinza, então vamos fazer roça sem fogo, mas vamos fazer um jeito de melar a semente na cinza, para quando a semente for para terra, ter o cheiro da Kopeirute. 

Então acho que é muito importante ter esse diálogo, é muito importante essa construção em conjunto, é importante dar certo. Então, por exemplo, quando eu fui trabalhar lá no Xingu, tem até um relato do javali, um indígena Caiabi, que ele falou assim: Tatasi chegou aqui (as pessoas me chamavam de Tatasi) e a gente achou que ele estava brincando, por que como é que vai plantar sem queimar? Como é que vai plantar, muitas vezes, coisa junto? Mas aí eu vi dar certo, vi que a mandioca deu grande, vi que o abacaxi deu grande, vi que o milho deu grande. E aí, isso fez a gente animar, fez a gente querer fazer roça sem fogo também. Então acho que essa coisa do testar, do fazer, do dialogar, acho que isso é muito importante, com os povos indígenas, e de adaptar, né? É como os Terenas falam, qual que é a agrofloresta Terena? É a mesma agrofloresta que o fazendeiro faz? É a mesma agrofloresta que um assentamento faz? A gente vê que não. Então, a gente vê que é essa adaptação para cada lugar. 

Isso a gente sempre fala, tem um agricultor que ele fala muito isso, que a agrofloresta é a cara do dono. Então nenhuma agrofloresta é igual a outra, são várias coisas que mudam a agrofloresta: o solo, o clima, e aí tem uma parte muito importante – na agrofloresta – que são as pessoas, as nossas vontades, as nossas vocações. Então isso vai moldar a nossa agrofloresta, e em território indígena, isso é muito importante, trazer esse diálogo e essa construção, em conjunto, e o fazer, a prática tem um poder muito grande.

Hoje, no Xingu, existe uma coisa que vem acontecendo, que é cada vez mais a terra boa, que eles chamam de terra preta, está fincada mais longe, isso vai inviabilizando a agricultura, porque você tem que ir muito longe para acessar a terra boa, tem lugar que o pessoal tem que caminhar seis horas para chegar na terra boa. E isso vai fazendo perder as variedades, vai fazendo perder a agricultura, as tradições de agricultura, os conhecimentos, as sementes. 

Então é importante trazer o diálogo para essa situação que se vive hoje, hoje a gente vê perto das aldeias muitas áreas de sapê, muitas áreas de samambaia, que são indicadores de solos empobrecidos, pela realidade do que se vive hoje, por exemplo, hoje temos estruturas fixas, tem um postinho de saúde, tem uma escola, então não consegue estar migrando, os territórios que muitas vezes são limitados, então é importante essa adaptação da agricultura, como fazer uma agricultura que consiga deixar o solo melhor, consiga deixar o solo melhor, que consiga deixar o solo fértil nesses lugares, né?

Gabriel: Qual o significado do seu apelido, o nome que os indígenas te deram?

Namastê: Tatasi, da etnia Kaiabi, quer dizer fumaça, ou melhor, cheiro de fogo. Quando eu fui lá, eu fui trabalhar com agrofloresta, que eles traduzem como roça sem fogo e eles me chamaram de tatasi. Mas é interessante, porque a Kopeirute é o cheiro do fogo, né? 

Gabriel: O que você achou de morar no Xingu? E qual foi o seu principal aprendizado em relação à essa convivência?

Namastê: Morar no Xingu te dá oportunidade de vida, que é única. Poder estar lá é muito aprendizado, as relações, o sistema organizacional, a gente vê um sistema organizacional muito anarquista, sem Estado, sem uma organização hierárquica muito forte, né? É claro que cada povo é de um jeito, o Xingu é um mosaico muito grande, tem quatorze etnias e cada povo é de um jeito, uma organização de um jeito, uma língua diferente. 

Muitos aprendizados, o jeito de plantar, essa coisa da relação de tudo ser ritualístico. Então vai plantar a mandioca, tem que pedir autorização para o dono da mandioca para estar plantando, tem a música de plantar a mandioca, tem a música de plantar banana, tem a música de plantar amendoim, tem especialistas, então, por exemplo, cada pessoa é boa numa coisa, lá as pessoas fazem muito consórcio com o milho, com mandioca e melancia, então vai ter o especialista, eles falam a pessoa que tem a mão boa, de plantar cará, fiquei famoso por plantar cará lá e aí quando o pessoal ia fazer roça de cará, o pessoal me chamava para plantar cará. Aí tem o especialista de plantar mandioca, tem o especialista de plantar melancia, o especialista de plantar milho, então o pessoal vai trocando o dia, né? Vou plantar minha roça, por que você é bom de plantar mandioca, então na minha roça você planta mandioca  e como eu sou bom de plantar milho, quando eu for na sua roça eu vou plantar milho, então tem muito dessa coisa, de uma relação com as plantas e eu acho que isso faz um diferencial muito grande.

E é muito do que eu falo também, do trabalho do agricultor familiar e de um trabalho dentro do sistema patronal, que a agricultura familiar, ela tem uma relação com a planta, e isso faz uma diferença muito grande. Uma questão, que a gente pode olhar de uma forma técnica, sei lá, a gente vai num assentamento, numa terra indigena, a agricultora, ela tá ali podando sua laranja e se der cinco horas, ela vai continuar podando sua laranja, por que a lua está boa de podar laranja naquele dia, ela não vai deixar de podar a laranja, então isso é uma questão técnica, mas eu acredito muito nessa questão do amor, do carinho que a pessoa põe na planta, isso é um adubo, assim, muito importante. Então, a agricultura é muito de uma coisa de relação da pessoa com o meio, da pessoa com o lugar, com as plantas e isso numa agricultura patronal a gente não consegue, muitas vezes, ter, por que são outras relações, uma relação com o dinheiro, uma relação patrão e funcionário. então a gente vê muito isso nesse meio, nesse meio indígena, nesse meio de agriculturas familiares, dessa relação que existe das pessoas com as plantas, das pessoas com o local.

Namastê

Gabriel: O que você vê de principais semelhanças e principais diferenças entre a agricultura dos povos tradicionais ameríndios que você teve contato e a agricultura que você aprendeu com o Ernst.

Namastê: Existem algumas coisas que são similares, por exemplo, com essa coisa, que a gente falou, da sucessão sistêmica, coisas que a academia nem trata tanto, é uma coisa que o Ernst traz muito em seu trabalho, de que essa sucessão ela acontece e uma terra fraca pode virar uma terra boa, assim como uma terra boa pode virar uma terra fraca e isso aconteceu muito nos últimos anos, de muitas terras boas virarem terras fracas, como em Ribeirão Preto. A riqueza de Ribeirão Preto, a riqueza de São Paulo, ela está muito relacionada com a fertilidade que existia no solo, e a fertilidade que existe no solo está relacionada com a existência de florestas. Isso, nos povos indígenas, a gente vê muito, né? O pessoal fala muito nisso, e eles dão nome para isso, por exemplo, uma terra amarela tem tal nome, uma terra branca tem tal nome, e uma terra branca pode virar terra preta e vice versa, isso através do trato que a gente dá. 

E existe essa relação muito grande, que a floresta que traz a fertilidade, então a roça de derruba queima (N.E.: Aqui se refere ao plantio de coivara típico dos povos ameríndios), ela traz isso também, você derruba, queima e planta e depois você deixa essa área descansando com a floresta, a floresta vai regressar ali e ela vai trazer fertilidade de volta, então a gente vê um conhecimento muito presente em muitos povos indígenas, são muitas formas distintas de ver as coisas. E muitas vezes, sei lá, já teve povos, em nossa experiência, que os povos davam nomes, em sua língua, para estratos, então o pessoal observa as florestas em camadas, essa coisa que a gente fala da estratificação, também existe um olhar para isso. Quanto às diferenças, tem a questão espiritual, tudo tem dono, que as coisas têm significado para além da técnica, acho que os povos indígenas trazem bastante esses elementos. 

Gabriel: Fale sobre a sua relação com o MST.

Namastê: Minha relação com o MST foi uma relação que aconteceu muito organicamente, até uma vez estava viajando com a Kelly Maffort, uma das dirigentes nacionais do MST e ela me perguntou se eu já conhecia o MST. Falei que, no passado, já tinha trabalhado com o MST, na Chapada dos Veadeiros a gente teve alguns projetos em assentamentos do MST, mas nem sabia que existia essa organicidade do MST. E aí fui conhecendo aos poucos, sempre fui uma pessoa que sempre tive um olhar mais técnico, de vamos fazer agrofloresta, vamos trazer a floresta de volta e até tinha a visão de fazer com os grandes, mas conhecer o MST tem sido algo, porque é uma organização muito grande, muito interessante, né?

Acho que as pessoas tem um papel fundamental, trazer as pessoas de volta para o campo e trazer a floresta de volta para o campo é algo muito importante, né? Tem a frase de um agricultor, do Zaqueu, que ele fala que o MST é uma tecnologia de juntar pessoas e a agrofloresta é a tecnologia de juntar plantas, e essa união tem um poder muito grande. 

Eu acabei conhecendo o MST organicamente, trabalhava na Cooperafloresta, e teve um ano que teve uma excursão do assentamento Mário Lago, em Ribeirão Preto, para conhecer agrofloresta. E nessa excursão, e o pessoal tinha um desafio de fazer agrofloresta no assentamento deles, e o pessoal perguntou se poderia surgir uma parceria, se poderia surgir um apoio ao trabalho que eles iam fazer no assentamento. E um dos técnicos, até voltou com eles no mesmo ônibus e começou a fazer mutirões, lá no assentamento Mário Lago, no assentamento Oswaldo Souza. E a partir disso, surgiu uma parceria muito forte da Cooperafloresta com o MST, e eu estava na Cooperafloresta nesses tempos. a gente começou a fazer trabalhos, com projetos que a gente tinha em assentamentos, a gente chegou a trabalhar em cinquenta assentamentos, foram oito aqui no estado de São Paulo e quarenta e dois no estado do Paraná, com mil famílias nesses dois estados. 

E é isso, o MST tem se empenhado muito em fazer agrofloresta, mesmo hoje você tendo um governo que não olha para a agroecologia, não olha para a agrofloresta, o MST tem conseguido fazer coisas muito interessantes, como no estado de Pernambuco, hoje, estão muito empenhado em fazer agrofloresta dentro dos seus territórios, tanto na zona da mata quanto no sertão pernambucano, construindo planos muito elaborados, de construir unidades de referência, para que isso anime outras famílias a fazer agrofloresta também; e vários outros estados, como Minas Gerais o DF, Rio Grande do Norte, estão muito empenhados em fazer agrofloresta. Hoje o MST tem um plano nacional de plantio de árvores e produção de alimentos, que se a gente for pensar nesse plano nacional, é quase um plano nacional de agrofloresta, por que o plantio de árvores  e alimentos saudáveis, a gente está falando de agrofloresta e dentro do plano nacional, a gente discute muito o plano nacional agroflorestal também para o MST.

Gabriel: E a questão agroflorestal em grande escala? Você trabalhou na Fazenda da Toca. Enfim, queria saber como você vê essa relação, tanto se você vê como uma tendência possível do próprio agronegócio, dessa perspectiva da agrofloresta em grande escala, e como foi sua experiência, os aspectos positivos e negativos.

Namastê: Eu não tenho dúvida que a larga escala é extremamente importante, que a gente precisa fazer agrofloresta em larga escala, só que hoje eu questiono muito, por que quando você pergunta em fazer agrofloresta em larga escala, é importante saber o que é larga escala, né? Então, por exemplo, existem fazendas, a Toca é uma fazenda, a Mata do Lobo, em Rio Verde no Goiás também é uma fazenda que está fazendo agrofloresta, se não me engano, acho que eles têm quarenta hectares de agrofloresta, a Toca, até pouco tempo atrás, tinha cinquenta hectares de agrofloresta, isso e uma larga escala. 

Mas se a gente pensar, por exemplo, no assentamento Mário Lago, eles estavam com cento e cinquenta hectares de agrofloresta e isso também é uma larga escala, a Cooperafloresta tinha trezentos hectares de agrofloresta, e isso também é uma larga escala. Só que é uma larga escala com divisão de terra, divisão de renda, divisão de decisões. Então, é importante a gente rever o que é larga escala. Sem dúvidas, é importante fazer em larga escala, só que é isso, né? A agrofloresta é uma coisa de relação, uma relação das pessoas com o campo. 

Teve uma coisa, que uma vez eu participei, levei o Pedro Paulo Diniz, o diretor da Toca, lá no assentamento, e aí no final do dia a gente perguntou o que ele achou, e ele disse que era muito chocante. Você via a Jesuíta, que era uma agricultora que a gente foi visitar, podando sua laranja com todo o seu amor, todo o seu carinho, e que isso muitas vezes a gente não consegue ter dentro da realidade de uma agricultura patronal. Mas, a agrofloresta produz? Isso é um questionamento que o pessoal sempre faz para a gente, todo mundo quer saber isso, né? E, tem até pesquisas que mostram produção, né? Por exemplo, tem a pesquisa do Dime Amaral, que ele pesquisou algumas agroflorestas no Mário Lago e uma das agroflorestas chegou a produzir setenta e cinco toneladas de alimento no hectare ano. Quando a gente pensa nesse número, isso é bastante, quando a gente compara com outras plantas, com monocultura, como por exemplo, batata é uma coisa que produz bastante, a batata produz de quinze a dezesseis toneladas, em média, por hectare ano, a soja, a média, é cinco toneladas por hectare ano. Sai de uma monocultura para produzir cinco, ou, até, uma monocultura mais pesada, como a batata, de quinze a dezesseis, e vai produzir setenta e cinco toneladas de comida por hectare ano no sistema agroflorestal. 

E não é milagre, por que na agrofloresta, a gente tem uma produção por metro cúbico, no mesmo hectare que você vai ter batata, vai ter milho, vai ter brócolis, rúcula, vai ter alface, então isso faz dar uma produtividade maior, só que as pessoas perguntam: se é tão bom assim, se vocês até provam que é mais produtiva, por que não tem pessoas no Mato Grosso fazendo agrofloresta em mil hectares, em dez mil hectares, ou em cem mil hectares, como existem pessoas plantando soja, no Mato Grosso, em cem mil, duzentos mil hectares. E uma forma que a gente achou para explicar essa pergunta, é dizendo que não temos máquina, então é preciso desenvolver máquinas, para que trabalhe a agrofloresta, que corte o eucalipto, que corte o ingá, que leve para a linha, que afofe o solo para a gente começar o plantio e tem muita gente empenhada em fazer isso, e mesmo para a agricultura familiar também é importante, para a terra indígena também. Por que quando a gente vai retomar o território hoje, a gente não encontra mais floresta como antigamente, a gente encontra áreas degradadas com o agronegócio, e ter uma máquina que ajude a afofar o solo, que ajude a cortar o capim e levar para a linha, isso também é importante para essa realidade. 

Mas, uma outra forma de responder essa pergunta, é questionando a origem da pergunta. Será que é bom a pessoa ter cem mil hectares, ter duzentos mil hectares, ter quatrocentos mil hectares, existem áreas no Mato Grosso de quatrocentos mil hectares no nome de uma família só. Será que não era melhor ter mais gente no campo, gerando renda, plantando agrofloresta, né? Então isso é o que eu acredito mais no meu dia a dia, de agrofloresta com pessoas, de agrofloresta com gente, gente vivendo em um lugar, gerando renda, produzindo alimento de qualidade e deixando o lugar melhor, gerando mais vida. Acho que a gente veio ao mundo para fazer isso, né? A gente é bicho plantador de floresta, a gente veio para o mundo para fazer isso. E nos últimos anos, a gente se desvirtuou disso, mas acho que isso está dentro da gente, plantar, fazer uma agricultura que gera mais vida, que gera solo, que gera fertilidade, que gera diversidade.

Gabriel: Comente um pouco sobre a sua relação com a universidade agroecológica do MST.

Namastê: O MST quando decidiu fazer agroecologia, e isso começou, um pouco, em 2008, numa conversa, e então começou a dizer: precisamos de gente que seja técnico, que vá levar esse conhecimento. Então, a questão da educação sempre foi muito forte dentro do MST, então, nesse tempo, o MST começou a construir escolas. Por exemplo, no Paraná, perto da onde eu vivo, tem a ELAA, que é a Escola Latino Americana de Agroecologia, tem o tecnólogo em Agroecologia e existem várias outras escolas. A Rosa Luxemburgo, que é em Haras, em São Paulo, no Paraná, tem de 4 a 5 escolas, aproximadamente, na Bahia tem uma escola. São escolas para formar técnicos para atuarem nos assentamentos, nas cooperativas. E esse trabalho de pesquisa foi e tem sido um trabalho bem importante, para comprovar muitas coisas que a gente já vê acontecendo. 

Como, por exemplo, a questão do solo estar ficando preto, pois isso é um indicador de que está incrementando carbono no solo, mas quanto que isso está acontecendo, né? O Nelson, que foi coordenador Cooperafloresta,  trabalhou lá no durante 21 anos, fala que as pessoas iam muitos lá, no começo do Cooperafloresta, e perguntava se ele não ia pesquisar o que estava acontecendo: melhoria do solo, produtividade, carbono, todas as perguntas que a gente faz. E Nelson falava que tinha que fazer mutirão, que tinha que fazer feira, que tinha que organizar as famílias, certificar as famílias, dizia que não tinha tempo para fazer, quem sabe um dia apareça pessoas com tempo, com vocação, com habilidade para fazer esse tipo de coisa. E isso aconteceu bastante nos últimos anos, só no Cooperafloresta foram  uns 30 doutorados, uns 40 e tantos mestrados, que aconteceram lá, relacionados a esses temas: de carbono, água, fertilidade, produtividade.

Então tiveram muitas pesquisas, de várias universidades: ASALC, UFPR, tudo sobre a coordenação do dr. Walter Steenbock, pesquisador do ICMBio, que coordenou essas pesquisas lá na Cooperafloresta. Uma pesquisa muito importante foi relacionada ao carbono, o pessoal comparou a agrofloresta, os agricultores fazendo agrofloresta – plantando agrofloresta e manejando -, com uma floresta nativa da Mata Atlântica, em processo de regeneração natural de Mata Atlântica. E aí, se viu que a agrofloresta ciclou muito mais carbono que a Mata Atlântica em regeneração ou a floresta nativa. E isso, para a gente é muito interessante, pois é o ser humano interagindo com a paisagem, interagindo com o lugar, e gerando mais recursos, gerando mais vida. 

Gabriel: Tem um artigo do Willian Balée, que chama Da indigeneidade das paisagens, que é bem interessante esse artigo, ele não chega a trazer esses dados na América, mas na África, antes da colonização, havia uma tendência de aumento das florestas, e não de diminuição. Enfim, é possível pensar que na América existiu um cenário desse tipo, apesar de não conhecer um estudo como esse. Você imagina que a agrofloresta pode ser um meio da gente ver no Brasil, por que o Brasil desde a colonização até hoje vive essa tendência de desmatamento, é uma tendência histórica constante, 500 anos, talvez tenha tido alguns anos de exceção, mas normalmente é só desmatamento, você acha que a agrofloresta pode ser um meio de reversão dessa tendência, no sentido de a gente ver o ser humano atuando no sentido de ajudar a promover as florestas e não desmatar?

Namastê: Sem dúvidas, né? A gente, como ser humano – claro que dentro disso tem toda uma questão política, agrária – a gente fez esse caminho com muita eficiência, nos últimos anos desde a colonização, de pegar sistemas complexos e torná-los sistema simples, pegar florestas e transformar em pastos degradados. É claro que em muitos lugares passou por café, em outros lugares pela cana de açúcar, e hoje nem mais café e nem cana de açúcar e a gente tem pastos degradados. Então a gente fez esse caminho com muita eficiência. 

Paraná, o estado que vivo hoje é um estado que 200 anos atrás era 88% florestal. 88% do estado do Paraná eram florestas e hoje a gente tem 5% de florestas no estado. E foi a agricultura que fez isso, ela fez esse caminho, isso resultou da agricultura. E a agrofloresta é um caminho, talvez, contrário, do simples para o complexo, e a gente tem feito isso em muitos lugares, por exemplo, a Cooperafloresta construiu agroflorestas biodiversas, tem até um estudo que mostra que algumas agroflorestas são mais diversas que as florestas daquela região, em áreas que eram pastos, em áreas que eram samambaias, em áreas que eram degradadas. Então a gente consegue mudar essa paisagem, eu acho que a agricultura é uma atividade sagrada, que deve construir vida, que deve construir fertilidade, a agricultura que a gente faz hoje, hegemonicamente, no mundo, ela não faz isso, ela faz mudar essa paisagem para uma paisagem mais simples, que faz perder solo, que faz perder fertilidade. 

Mas, acho que tem uma esperança muito grande, porque a gente vê muitos grupos, muitas organizações, pontos de referência. Existe uma pedagogia, que ela tem uma força extremamente grande, que a gente chama de pedagogia do exemplo. Nada melhor para convencer um agricultor, uma agricultora para fazer agrofloresta, do que ver uma boa agrofloresta, onde ela está bonita, onde a família está gerando renda, onde ela está vivendo bem da agrofloresta. Lembro muito de uma atividade que eu ajudei a organizar, a gente estava no último congresso do MST em Brasília, que tinha 13000 lideranças do MST, em 2013, e durante esse congresso a gente organizou uma excursão de lideranças do MST, agricultores e agricultoras, para ir conhecer uma agrofloresta em Brasília, agrofloresta do João Pereira. E naquele tempo, e ainda é, uma agrofloresta muito bonita, muito organizada, se consegue tirar uma boa renda daquela agrofloresta, era um lugar extremamente degradado. E quando aquelas famílias viram aquela agrofloresta, quando a gente voltou para os assentamentos, o diálogo era outro, era muito mais fácil, porque as pessoas estavam convencidas de que aquele era o caminho, as pessoas queriam fazer aquilo. Então a  gente tem lugares, e cada vez tem mais, porque antes, por exemplo, quando eu comecei a fazer agrofloresta  não tinha outro jeito de aprender, a gente tinha que ficar andando atrás do Ernest  e esse era o caminho. Hoje, tem muitos lugares, todos os estados já têm agrofloresta e cada vez mais. 

Então, acho que isso dá bastante esperança para a gente, tem muita gente fazendo, lugares mudando paisagens,  a gente está aqui no sítio e a gente vê que a paisagem já mudou. A gente olha para o vizinho, o tal do Português e a gente vê que é uma área extremamente degradada, uma área que foi sugada até chegar no que chegou agora, que é um espaço extremamente degradado, e aqui (no sitio vale das Cabrras) a gente já consegue ver vida, ver a paisagem mudando, então acho que isso é muito importante, essa retomada florestal, é uma retomada humana para os lugares. Então mais uma vez, eu acho que esse poder que o MST tem de levar as pessoas, tem até um estudo da Claudia Sonda, uma pesquisadora do Paraná, que ela traz um pouco disso, né? Por exemplo, só de virar assentamento, nem que o pessoal não faça agroecologia, não faça agrofloresta, ela pega imagens de satélite. Ah, o assentamento, antes de ser assentamento, era só uma fazenda, com pasto degradado, uma cana, monocultura de cana ou de soja, e só de virar assentamento, a paisagem já vai mudando, e mesmo que não faça agrofloresta, ou agroecologia. Mas as pessoas começam a plantar umas goiabas, umas mangas, umas árvores nativas em roda de casa, isso vai mudando a paisagem. E hoje, o MST com essa diretriz de fazer agrofloresta, de fazer agroecologia, acho que isso tem um poder muito grande, a gente está falando de centenas de milhares de famílias assentadas no Brasil inteiro, isso tem um potencial muito grande.

Gabriel: Qual a importância que você vê nesse debate sobre agrofloresta no meio urbano, e se você conhece experiências interessantes de agrofloresta no meio urbano?

Namastê: Acho que é importante, por vários motivos, primeiro porque pode ser uma escolinha, para pessoas que estão querendo ir para o campo. Então, para conviver com esses princípios: estratificação, sucessão, cobertura do solo, cabe desde um vasinho de meio metro quadrado, a gente consegue aplicar esses princípios em um vasinho, mas também para trazer isso para o ser humano. Acho que o ser humano precisa disso, precisa de diversidade, precisa de cooperação, tudo isso que a agrofloresta traz dentro dela, tem até uma pesquisa muito legal do pesquisador mexicano Victor Toledo, que ele fala que o sistema monocultural, e aí infelizmente nosso paisagismo hoje é monocultural, a arborização urbana é monocultural. Então  o paisagismo é monocultural, ele é estéril e é monocultural. 

O paisagismo moderno foi baseado no paisagismo inglês, onde antes todo mundo plantava raízes, frutas, legumes; então os nobres ingleses começaram a plantar coisas que não se come: gramas, árvore que não dá fruto, como uma forma de se expressar para a sociedade que eu sou nobre, então eu não preciso plantar comida. E é uma loucura, porque esse paisagismo foi para o mundo inteiro, o México faz esse paisagismo hoje, o Brasil faz esse paisagismo, a Austrália, muitos países da Europa. E porque não ter um pé de abacate, não ter um pé de banana, não ter um paisagismo funcional, um paisagismo indígena? E a coisa da diversidade, né? O victor Toledo traz muito disso, na região do México, onde mais tem diversidade de plantas, isso vai refletir em várias outras diversidades também, nesta região do México é onde mais se tem diversidade de línguas, e várias outras diversidades vão acontecendo juntas, ele fala muito nisso, por exemplo, um sistema monocultural reflete numa sociedade monocultural, com intolerâncias, com preconceitos e um sistema diverso reflete numa sociedade diversa. Acho que esses princípios, também são importantes de se trazer para a humanidade hoje: de cooperação, de diversidade.

Gabriel: E você conheceu alguma agrofloresta urbana assim?

Namastê: Têm algumas, em Curitiba tem um pessoal de um movimento bem legal de agrofloresta urbana, na cidade do México estava fazendo um projeto, até junto com  o dr Toledo, no parque Chapultepec, o maior parque urbano do mundo, são 800 hectares de parque dentro da cidade do México, uma cidade imensa, né? É um parque que antes era monocultura, de pinhos, de eucalipto, e pela monocultura estava adoecendo muito, então são áreas em que a gente vinha derrubando esses eucaliptos e fazendo plantios de agrofloresta e trazendo esses conceitos, né? Isso choca muito os arquitetos, os paisagistas. Ah, mais você vai plantar figos, vai plantar abacates? Como assim? O povo pobre vai vim buscar abacate. Que bom, né? O povo pobre colher abacate. Milho, abóbora, então a gente conseguiu ver um movimento grande. Em Recife tem um movimento grande acontecendo, nesse sentido. 

O MST tem feito muito isso, eles chamam de roçado solidário, então algumas pessoas doam terrenos na cidade – que o MST na pandemia fez muito isso, de doar alimento para a cidade, para a periferia, para muitos lugares com fome. E eles começaram a organizar isso, alguns sítios, por exemplo, lá no Pernambuco tem uma área da igreja, que a igreja deixou o MST plantar e junto com o pessoal da periferia e o pessoal da cidade, que aí planta produto para o pessoal que está precisando de comida nas periferias, então também é um meio importante de trabalhar como uma coisa urbana. Como uma escolinha dá para a pessoa aprender, para depois que for para o campo conseguir aplicar isso, né? E eu acho que é muito importante. 

Tem gente em São Paulo que fala em produzir horta em gaveta para produzir comida, mas é isso, fica todo mundo amontoado lá, tipo em Campinas, a gente vê um tanto de gente amontoado e aí acaba que a favela, tem uma área imensa de pasto degradado, então essa coisa de organizar as pessoas para ir para o campo, também é muito importante, a gente tem que pensar soluções a curto, médio e longo prazo. Então, talvez a curto prazo, plantar nas praças, plantar nos terrenos, fazer agrofloresta, nesses lugares é importante. Mas a gente discutir essa redistribuição de terra, falar em reforma agrária, falar reforma agrária popular, falar em reforma agrária agroecológica, isso também é importante.

Gabriel: Existem alguns autores que vão ver a questão da degradação do solo  como um desequilíbrio campo cidade, no sentido de que o campo mandaria toneladas de matéria orgânica rica em nutrientes para a cidade e a cidade não devolveria para o campo esse material, gerando a degradação do solo. Eu queria que você comentasse essas teorias e também falasse como vocês pensam sobre uma interação melhor entre o meio urbano e rural? 

Namastê: Eu não concordo muito com essas teorias, vejo como um pessoal muito mineralista, pensando de uma forma mais técnica, o pessoal fala assim: quando você colhe soja, ela carrega potássio, carrega fósforo, na sua massa, no grão, então essa soja, que a gente está vendendo para a China, a gente está mandando potássio e fósforo para a China em formato de soja, mandando nutriente em formato de soja para a China ou para qualquer outro país. Tem uma organização de permacultura, no México, que o cara é agrônomo e fica fazendo conta, tipo a gente colheu banana, e a banana levou potássio e o cara comeu, então, por exemplo, o côco do cara tem que voltar para ali, para o potássio voltar. 

Só que eu acho isso uma conta muito simplista, porque sinceramente eu acho que o que destruiu essa área aqui, a área de Ribeirão Preto, a área de Londrina ou ce Goiás, não é o arroz que saiu de Goiás, o café que saiu de Londrina ou a cana que hoje sai de Londrina, é a agricultura que se fez. Eu acho que se a gente fizesse uma agricultura com base nos princípios da natureza, a gente poderia exportar muita coisa: muita banana, muito café, muita cana, que ainda haveria muita fertilidade. Ou seja, essa visão é muito simplista, como por exemplo, a concepção de que o que está degradando Londrina e Maringá é o café que foi para a Alemanha, mas eu não acho que é só isso, eu acho que é o sistema como um todo. Então, mesmo que a gente exportasse muito alimento, mas se a gente fizesse uma agricultura nos princípios da natureza, mesmo assim os solos se manteriam muito férteis. Isso é querer colocar a culpa na soja que saiu em formato de grão, na cana que saiu em formato de açúcar, no café que saiu no formato de grão de café. Eu acho que a culpa, se é que tem culpa, do empobrecimento dos solos está muito mais relacionado à forma que se fez aquela cana, à forma que se fez aquela soja. 

Porque é muito a lógica, que a gente chama, de exportação de nutriente, uma vez eu estava no congresso Latino Americano de Agroecologia, estava na mesmo mesa que o Ernst Götsch, e uma pessoa questionou: ah, você vende cacau, você já vendeu banana, já vendeu abacaxi, você está mandando fósforo, você está mandando potássio, como é que você faz para repor isso? E eu respondi: o meu solo tem fósforo para mim fazer agricultura para mais de 10.000.000 de anos, se eu quiser. Porque é isso, tem fósforo no solo, tem potássio no solo, e tem em grandes quantidades, e o que mais tira esse fósforo e esse potássio nem é o cacau, muitas vezes é uma agricultura que faz o solo ir embora, que faz o ph abaixar e quando o ph baixa, os nutrientes ficam indisponíveis. 

Então essa lógica de exportação de nutriente e que a agronomia trata muito assim, né? A gente vê isso de uma forma um pouco diferente, porque se vê de uma forma muito seca: “então você está exportando nutriente e está enfraquecendo o solo”, e eu não acho que isso que esteja enfraquecendo o solo, acho que é muito mais a forma de fazer agricultura do que o grão que está indo, do que a carne que está indo. O pessoal de São Paulo fala: “então se a gente fizesse um programa de banheiro seco, para todo o côco paulistano voltar para a roça, isso já resolveria o problema, a terra ficaria fértil de novo” e eu não acho. Eu acho que o que resolveria é plantar floresta, plantar árvore. O côco do paulistano pode até ficar lá mesmo. 
Porque falam que o capitalismo surgiu quando o pessoal, acho que foi até numa região da Ásia, começou a estocar produto e negociar produto, né? Então eu plantava comidas, mas não se plantava tanto produtos para se estocar. O dr Walter traz muito isso, o capitalismo começou no paiol, sabe o que é o paiol? É uma casinha que tem na roça para guardar milho, é uma coisa bem típica, se vai na roça todo tem seu paiol. Então é isso, o pessoal começou a plantar e estocar para negociar. Antes plantava umas abóboras e colhia as abóboras e trocava por umas batatas, mas aí começou a rolar a coisa do estoque e da comercialização, e algumas pessoas afirmam que o capitalismo começou disso, né?

0 Comentário

  • Léo disse:

    Este texto é um incentivo a quem tem medo de fazer pesquisa de campo. Como um bate papo por meio de uma entrevista bem elaborado de uma pessoa que tem muita leitura e curiosidade,com outra que tem muito conhecimento técnico e prático,pode resultar, neste ensaio de produção de conhecimento. Parabéns!!! Seu texto é uma chuva de oportunidades e de perspectivas…

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