Como o bolsonarismo determinou a minha vida
Em 2018, eu, ainda estudante do ensino médio, tive o primeiro contato com a figura de Jair Messias Bolsonaro. Lembro até hoje, suas falas me dava repulsa por sua pessoa, era ele, a meu ver, uma pessoa desprezível com falas absurdas, sem relevância alguma. Foi a partir do episódio da facada, que comecei a considerar sua, lamentável, vitória à presidência da República.
Nesse momento, estava eu, em processo de construção da minha identidade diante da sociedade, foi um momento de (re)construção de meus valores. Como vim de uma criação evangélica desde o nascimento, e não tinha tido, até entrar no Ensino Médio, contato com outros tipos de pensamento religioso, nunca tinha me questionado sobre quem era, e se aquilo fazia sentido para mim, minha formação, até então, tinha sido determinada, principalmente, pela igreja e por minha família.
A partir daí, vários conflitos familiares foram travados, sobretudo conflitos políticos, num período que ainda estava começando a criar um posicionamento político e tentando achar um lugar no mundo, em que começava a me destoar das ideias centrais abraçadas por minha família. Comecei a defender ideias feministas, antirracistas, anticolonialistas – enfim, pautas comumente associadas à esquerda – em que a maioria delas era vista, e ainda são, como ideias anticristãs (ou mundanas, como eles gostavam de dizer). Foi um período bastante conturbado da minha vida. Com o apoio da minha família ao, então candidato à presidência, Jair Bolsonaro esses problemas se intensificaram e vieram à tona, não compreendia de forma alguma esse tipo de posicionamento, via como uma grande contradição defender “valores cristãos” como o direito à vida, amor ao próximo, “dar a outra face” e defender um candidato como Bolsonaro, que claramente defendia a tortura, a morte de “bandidos”, enfim, via aquilo como um absurdo. Ao perceber que essa posição estava sendo massivamente defendida nas igrejas evangélicas, comecei a militar nas redes sociais contra o Bolsonaro, o que resultou em grandes debates com religiosos do meu grupo social da época. Enfim, tudo isso me gerou várias frustrações, até que resolvi sair dessa igreja.
Passado um breve tempo, passei a congregar na Igreja Presbiteriana do Brasil. Logo fui eleito líder de jovens, nessa época os conflitos diminuíram, já que não se falava, geralmente, abertamente sobre política nos cultos. Com o passar do tempo, esses conflitos foram reaparecendo de forma meio velada, principalmente por conta de debates com o filho do reverendo (como o pastor é chamado nas igrejas presbiterianas) e com alguns “irmãos” da igreja.
Em 2020, um clima diferente começou-se a formar, novos tempos vieram a se desvelar, com a pandemia de Covid-19 toda a dinâmica social tinha mudado. Nesse tempo decidi prestar o vestibular da Unicamp. Esse ano foi um período decisivo no rumo que a minha vida tomou. Com o ócio gerado pela reclusão social, minha família seguiu razoavelmente os protocolos de distanciamento social – efeito causado pela pandemia – comecei a estudar simultaneamente para o vestibular da Unicamp, política e teologia, orientado por vídeos do youtube nas áreas de competência de cada tema. Num certo dia, surgiu um debate acalorado com o reverendo da minha igreja, tendo como escopo minhas posições políticas, voltadas à esquerda. Vi que já não me encaixava mais no espaço religioso cristão e decidi romper com a Igreja.
Alguns meses após esse rompimento, fui aprovado na Unicamp, quanta felicidade senti, era a chave para a minha emancipação quanto à minha família. No final de 2021, mudei para Campinas, foi um período de conhecer, e ter relações sociais, além dos “muros” da igreja. Em meados de maio, comecei a frequentar alguns terreiros de umbanda, que a muito tempo tinha interesse de conhecer – na prática – a cultura e religiosidade de origem africana. No mês de julho conheci um terreiro que me fascinou, com uma estética afro – indígena, com uma tradição africanista, um lugar muito acolhedor. Nesse mesmo mês comecei a fazer parte da casa, me tornei filho de santo, vesti minha roupa branca, virei macumbeiro.
Foi o bolsonarismo que me levou a ter uma consciência política e levou à minha politização, foi por conta da intolerância religiosa e do bolsonarismo nas igrejas, coisas que se fundem muito bem, que me levou à uma religiosidade afro diaspórica, foi por conta das diferenças de ideias, expressa pelo bolsonarismo da minha família, que me levou a morar no estado de São Paulo. O bolsonarismo foi decisivo nas escolhas que tomei e no caminho que me levou a ser quem eu sou hoje.
Por Asriel Santana – é graduando em filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), umbandista – desenvolve sua mediunidade no Terreiro do Candieiro, sob a orientação espiritual de Pai Nando – e escritor de poesias.
2 Comentários
Que bom que sua vida mudou. Só penso na alegria de ver você ter sua liberdade espiritual e de vida, a partir deste momento histórico que envolveu a não aceitação pertinente, desta figura política, que polarizou tanto o nosso país. Penso que o Brasil,pós Bolsonaro ficou um país mais decidido do que não se quer. Com vontade de falar a plenos pulmões quero, não quero,aceito e não aceito,etc. Está figura maquiada também me fez ver, que tem que se arregaçar as mangas e sair da hipocrisia, para não ser em nenhum momento parecido com ele.
Que linda história querido parabéns pela decisão que tomou de ser um macumbeiro bjsss.