Na quinta feira do dia 10/01/2023 ocorreu o primeiro ato contra o aumento das passagens do Metrô e CPTM para R$5. O aumento foi feito pelo governador de extrema direita Tarcísio Freitas e o protesto foi organizado pelo Movimento Passe Livre São Paulo. A expectativa de que houvesse uma repressão excepcional no dia 10 não se revelou em um primeiro momento: a polícia presente em um contingente excessivo, ostentando um poderio militar desproporcional, já é algo que se repete em todos os atos chamados pelo MPL-SP, desde 2013. O agravamento repressivo se sentiu em um primeiro momento, sobretudo pelos enquadros e revistas às pessoas próximas à concentração do ato e pelo impedimento de se realizar a tradicional queima da catraca no encerramento da manifestação.
No dia 11/01, é divulgada a notícia que a Polícia Militar de São Paulo realizou a prisão de 25 jovens que estavam a caminho do ato no dia anterior. Sete (7) desses jovens passaram a noite presos e só foram liberados no dia 11/01, após audiência de custódia. Além disso, serão forçados até o encerramento do processo a usar tornozeleiras eletrônicas; estão proibidos de comparecer a manifestações com aglomeração de pessoas; terão que permanecer em casa no período das 22h às 6h; e não podem se ausentar da cidade sem autorização, necessitando manter endereço atualizado e comparecer mensalmente ao fórum.
Cabe destacar que a imposição do uso de tornozeleiras eletrônicas, como medida de punição e controle contra protestos, é algo relativamente novo. A regulamentação do uso de tornozeleiras eletrônicas foi feita no governo Lula, em 2010. E nos últimos anos as tornozeleiras têm sido adotadas por diversos estados como mecanismo de punição mais “humano”, além de ser visto como uma alternativa menos custosa, em relação ao encarceramento e a superlotação.1 Contudo, na prática há tanto um aumento do encarceramento, quando do monitoramento eletrônico, ampliando a “clientela” do sistema penal. Hoje, são mais de 90 mil pessoas vigiadas por meio de tornozeleiras eletrônicas, enquanto em 2015 esse número era de 18.172.2 Ao nosso ver, o seu uso em manifestantes é uma variação no arcabouço securitário contra protestos, transferindo os mecanismos de vigilência e controle para o próprio corpo de militantes. Nesse sentido, é possível que essa experiência “genealógica” em São Paulo indique uma possível generalização para outros estados.
Paralelamente, na noite do dia 11/01 é lançado na Tv Globo, após a novela das 21 horas, o documentário “A Democracia Resiste”. Repleto de falas do presidente Lula e outros membros da cúpula do governo federal, o documentário apresenta uma visão unificada do PT e da Globo sobre a ocupação do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal pela extrema direita insurgente no dia 08/01. O documentário não deixa dúvidas sobre a imensa eficácia da ação do dia 08/01, no sentido de fortalecer as forças repressivas do Estado, sendo evidente a anuência das forças repressivas e de inteligência militar para viabilizar a ocupação da sede dos três poderes em Brasília. Um ano depois fica claro que o recado mafioso das forças armadas naquelas ações foi para elas totalmente recompensador. Sem nenhuma responsabilização de qualquer um dos organizadores das ações do 08/01/2023 ou para qualquer um dos militares que apoiaram ativamente a sua realização, temos em horário nobre da Tv aberta a rede Globo e o presidente da república legitimando que o único legado de 08/01/2023 é o fortalecimento da arquitetura institucional de repressão do Estado para contenção das classes exploradas.
A aprovação do denominado “Pacote da Democracia” pelo governo do Partido dos Trabalhadores agora dá seus resultados, fortalecendo os instrumentos punitivos contra os “terroristas” e tipificando o crime de “tentativa de abolir Estado Democrático de Direito”. Tais instrumentos já haviam sido utilizados anteriormente para reprimir a revolta dos chamados setores marginais no Rio Grande do Norte com a total indiferença da esquerda. Contudo, agora se desvela, para o gozo da militância petista que passou os últimos anos atribuindo a causa de ascensão do bolsonarismo à juventude combativa de junho de 2013, que jovens presos a caminho do ato contra o aumento da passagem em São Paulo são acusados pelo governo de extrema direita de Tarcísio de Freitas de “tentativa de abolir Estado Democrático de Direito”, utilizando a legislação aprovada pelo governo federal de esquerda de Lula.
Nas eleições cansamos de ouvir o papo furado de que as condições de luta seriam melhores sobre o governo Lula. Mas a realidade que vemos é que arquitetura institucional repressiva, cada vez mais recrudescida a ser usada contra a esquerda combativa, ironicamente está sendo o primeiro grande legado do governo de esquerda.
Por Tiê Sangue
- Sobre isso, ver Campello, Ricardo. Controle a céu aberto e mercado do castigo: a urgência abolicionista. In: BR 111: a rota das prisões brasileiras, São Paulo: editora Veneta, 2017. ↩︎
- Sobre o número de pessoas hoje com tornozeleiras, ver: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2023/07/brasil-tem-91-mil-pessoas-usando-tornozeleira-eletronica.shtml ↩︎
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