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Categoria: Notícias Invisíveis

Nota da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio em apoio a revolta contra a violência do Estado nos EUA.

Postada na7 de junho de 20207 de junho de 2020AutorGabriel SilvaDeixe um Comentário!

A Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio é uma articulação de organizações de diferentes territórios de São Paulo. Entendemos que espaços como a … Continue lendo… →

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Nota sobre a revolta em Minneapolis e a violência do Estado racista no Brasil

Postada na29 de maio de 202029 de maio de 2020AutorGabriel Silva4 Comentários ↓

Hoje a cidade de Minneapolis nos EUA vive o terceiro dia de poderosos protestos depois do assassinato de George Floyd, na segunda feira (25/05), asfixiado … Continue lendo… →

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Chile de Olhos Bem Abertos

Postada na26 de abril de 202026 de abril de 2020AutorSeixasDeixe um Comentário!

Em novembro de 2019, e entre os meses de fevereiro e março de 2020, estivemos no Chile para compartilhar e registrar a revolta que está … Continue lendo… →

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Hospital se nega a prestar socorro à funcionária adoecida no trabalho

Postada na14 de abril de 202014 de abril de 2020AutorGabriel Silva3 Comentários ↓

O Hospital Vida’s de Alta Complexidade, na zona sul da cidade de São Paulo, negou o primeiro atendimento a uma de suas funcionárias, que se … Continue lendo… →

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Luta feminista em tempos de pandemia

Postada na11 de abril de 202011 de abril de 2020AutorGabriel Silva1 Comentário ↓

Continuidade da nossa revolta um mês após o 8M Um mês se passou desde que nos levantamos em greve geral feminista. Fomos dois milhões desbordando … Continue lendo… →

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Como a pandemia colocou o encarceramento em massa em questão.

Postada na7 de abril de 202010 de abril de 2020AutorGabriel Silva2 Comentários ↓

A pandemia coloca em discussão o modelo de encarceramento em massa adotado em diversos países, o fácil contágio dentro do insalubre sistema carcerário durante a … Continue lendo… →

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Material sobre o covid 19

Postada na5 de abril de 20205 de abril de 2020AutorGabriel Silva1 Comentário ↓

Nesse material nós apresentamos um cartaz que pode usado como lambe-lambe nas ruas (uma forma de protesto sem quebrar o isolamento social), e alguns conselhos, … Continue lendo… →

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Greves e lutas em tempos de pandemia

Postada na4 de abril de 202010 de abril de 2020AutorGabriel SilvaDeixe um Comentário!

    A atual pandemia tem se manifestado junto com uma profunda crise econômica e um acirramento dos conflitos sociais em diferentes esferas, como no cárcere, … Continue lendo… →

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Chile se despertou: multidões saem às ruas por vida e dignidade.

Postada na20 de março de 202023 de abril de 2020AutoradminDeixe um Comentário!

(Foto tirada por Nara na Marcha 08 de Março) Neste momento no Chile, está em andamento uma forte resistência à violência do Estado diante do … Continue lendo… →

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9 jovens mortos: violência policial e a escalada da repressão no Brasil

Postada na6 de dezembro de 20198 de dezembro de 2019AutoradminDeixe um Comentário!

Texto escrito para denunciar os assinatos dos jovens periféricos no exterior, traduzido para inglês e alemão. No último domingo, dia 1º de dezembro, uma ação … Continue lendo… →

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  • Autocuidado

    Grafite de Nayara Amancio @_pocas.pretacharme Viro meus olhos ao avesso pra eu poder me enxergar com um pouco mais de apreço. Hasteio bandeira branca no topo da cabeça, para que minha mente não mais enlouqueça com minhas guerras internas.  Meu cessar fogo é energizar meu corpo através das forças da natureza. Curandeira de mim, inicio o dia com chá de alecrim. Grito Eparrey oyá e seus ventos vêm como um abraço pra me acalentar, os sopros tocam minhas feridas pra ajudar a cicatrizar. Eu decidi que vou me apaziguar. Abaixo as armas da auto sabotagem, que é pra dar menos tiro no pé. Procuro cuidar melhor da minha fé, removendo as balas da amargura e erguendo as armaduras do amor próprio. Não é fácil,  é um trabalho árduo, diário e solitário.  Grafite de Nayara Amancio @_pocas.pretacharme Pra minha sobrevivência, procuro a consciência de que eu não tenho poder sobre meu passado, mas sim sobre meu presente e meu futuro. Por isso, destruo os muros do pretérito que enrijeceram meu coração. O amor acabou no momento que a barriga cresceu, quem dizia fechar comigo não fechou. Típico do homem fraco, de espírito opaco, que pouco sabe sobre responsabilidade, e na hora que a vida exige um pouco mais de habilidade, as pernas bambeiam, não segura o rojão e se esconde que nem muleke fujão pra debaixo da saia da mãe. No nascimento do filho, tava na festa com os amigos. Dei o salve e não fez nem questão. E pra somar, a violência obstétrica que veio pra deixar sequelas, a cicatriz da episiotomia não autorizada me lembra através da dor que um momento que deveria ser sagrado, se tornou de muito malgrado, um trauma que eu trabalho pra que seja superado.  De Nayara Amancio @_pocas.pretacharme E pra ressignificar, se o tempo fecha, a solução pro meu peito aperreado é vir cortando a tristeza com machado.  Enquanto corto as raízes do meu próprio mal, entendo que chorar não me torna um ser vulnerável. Na verdade, chorar me retorna ao nível  estável. Quando necessário, meus olhos águam, e dependendo do dia, até trovejam. As dores correm junto com  as chuvas, e assim, as passagens se abrem menos turvas. Meu corpo pediu pra eu repensar a estratégia, porque as guerras internas estavam adoecendo as pernas, tava ficando difícil de andar…  Por isso me resgato e me cuido, prestando atenção em cada descuido, que é pra não descuidar mais de mim e ficar viva mais um dia. Por Nayara Amancio, 25, anos, moradora  do bairro Sol Nascente na Zona Oeste.  Mãe do Cauê e ativista na luta materna. Também grafiteira tendo como vulgo Pocas. Para conhecer meu trabalho no Instagram @_pocas.pretacharme

  • A “solidariedade” da Venezuela a Manaus e a White Martins

    Vivemos um dos momentos mais lastimáveis para o povo pobre e trabalhador, que é a epidemia do novo coronavírus, a famosa e perversa covid-19, que já bate mais de 200 mil mortes no Brasil. Diante desta catástrofe se soma a negligência, o negacionismo e a confusão da polarização sobre o vírus mais letal do século, vindas por parte do próprio governo. Governo este que durante a pandemia zerou o imposto para importação de armas enquanto elevou o imposto para importação de oxigênio em plena pandemia. A situação se agravou e, em questão de semanas, faltaram vagas nos hospitais e covas nos cemitérios – isso para o povo que trabalha, porque para os ricos, teve até atendimento aéreo. Recentemente o caso de Manaus tem despertado a revolta contra esse massacre governamental aos pobres. O Estado do Amazonas que já sofreu mais de 6 mil mortes oficiais pela pandemia (números obviamente subnotificados), teve sua situação drasticamente agravada nos últimos dias devido à falta de cilindros de oxigênio, aprofundando a lógica da exclusão, eliminação e massacre da população trabalhadora nesse momento. Na mesma época em que a situação começou a se agravar em Manaus, o ex-senador e ex-prefeito Arthur Virgílio Neto, do PSDB, contraiu o COVID-19. Ele pegou um voo direto para São Paulo, ficando internado 31 dias no Hospital Sírio Libanês – o hospital mais caro do país – diferente do povo, que agora está sendo sufocado pela falta de cilindros de oxigênio. A recente repercussão sobre a solidariedade do governo venezuelano que permitiu que o Brasil importasse tubos de oxigênio, que doou remessas de oxigênio e enviou médicos, não esconde o fato de que vivemos em um sistema capitalista no qual a Venezuela se inclui, ao contrário do que as ilusões geopolíticas da esquerda frequentemente querem fazer acreditar. Por mais louvável que seja a ajuda humanitária da Venezuela para Manaus, com todo o compreensível gozo gerado pelo constrangimento ao governo genocida de Bolsonaro. A esquerda esquece que a culpa da tragédia não é apenas da política genocida do Estado brasileiro, que já sabia com dez dias de antecedência que o oxigênio iria acabar em Manaus, mas é sobretudo da própria indústria farmacêutica que tem batido recordes de lucros com a pandemia sem se dar o trabalho de sequer garantir a demanda de itens essenciais, pelo contrário, tem lucrado mais com a carência de insumos básicos, o governo brasileiro neste contexto tem sido coerente a essa lógica capitalista onde os lucros importam mais que vidas. A empresa responsável pela produção e distribuição do oxigênio médico em Manaus (assim como a maior do setor na Venezuela, país de onde a White Martins também agora exporta oxigênio para sua filial do outro lado da fronteira) é uma empresa privada do setor químico, a multinacional White Martins, que pertence ao grupo Linde plc, conglomerado de empresas alemãs e americanas sediado na Irlanda. Seu histórico segue as características da classe patronal: crimes laborais, negociatas nos parlamentos, acúmulo de capital de gerações e gerações de trabalhadores e rapinagens. Homens, mulheres e até crianças passaram por dentro das fábricas, produziram e foram descartadas que nem um nada. No começo dessa crise sanitária, com uma doença avassaladora, esta empresa foi uma das grandes empresas a crescer assustadoramente nas vendas de ações, depois de inúmeros diagnósticos feitos por profissionais da saúde de que um dos sintomas causados pelo vírus é a falta de ar. O crescimento econômico da empresa é justificável com a demanda: vendas de tubos de oxigênio médico para Estados nações e hospitais privados. Em outras palavras, super lucros com a desgraça, a exploração e a morte. Em uma rápida pesquisa na internet encontramos como a empresa White Martins se negava a pagar adicional de insalubridade a trabalhadores expostos a situações de risco e foi condenada na justiça depois de ação do sindicato dos trabalhadores químicos, a realizar esses pagamentos desde o fim de julho de 2020. Também encontramos uma notícia sobre uma paralisação feita nas fábricas da White Martins em Campinas e Paulínia (SP) devido a empresa ter desrespeitado o acordo de reajuste salarial dos trabalhadores. Outra notícia, um pouco mais antiga, de 2009, do Sindicato dos Metalúrgicos da Região Sul Fluminense, mostra como a unidade local da White Martins estava desrespeitando os trabalhadores com demissões injustas e o não pagamento do adicional de insalubridade. Encontramos também um jornal do Sindicato dos Petroleiros do RJ convocando uma ação popular contra a venda de participação no setor de gás da Petrobras para a White Martins, assim como diversas irregularidades praticadas pela empresa, incluindo diferentes condenações, como multas por formação de cartel e por  superfaturamento na venda oxigênio para hospitais públicos em Brasília,  Rio de Janeiro, e inclusive para o Hospital Central do Exército também no Rio. Os recentes aumentos do preço do gás de cozinha, que se estima que pode atingir de 150 a 200 reais a unidade nos revendedores em 2021, tem o dedo da White Martins. Em 2020 ela conseguiu aumentar sua influência na Petrobras (fechando o mesmo acordo de compra de 40% da Gás Local que o jornal de 2006 que citamos acima dos Petroleiros lutava contra). Acreditamos que a triste situação que vive o Brasil durante a pandemia é culpa desse sistema capitalista que põe os lucros privados de um pequeno número de capitalistas nacionais e internacionais acima da vida da maioria da população. Nesse cenário onde a sabotagem patronal ou estatal e o lobby tem dado as cartas, é urgente lembramos que a solidariedade entre os de baixo é a única capaz de criar novos sentidos pra vida para além da acumulação de capital, tornando possível pensar em nos reapropriar da produção necessária para reprodução da saúde e da vida. Somente abandonando as ilusões com falsos salvadores Estatais ou empresariais, com laços de solidariedade reais entre os de baixo, com o fortalecimento de nossas organizações, lutas e da nossa autonomia, poderemos voltar a pensar em um mundo em que a vida seja mais importante do que o lucro. Por Helder Aguiar entregador …

  • Segunda

    Nesta manhã abrir os olhos e simplesmente se levantar foi algo difícil para ele. Mas assim o fez, como fez também todos os demais gestos e movimentos mecânicos que fazemos ao acordar, gestos estes que vez por outra eram intercalados com caretas, sussurros, palavrões e lágrimas imperceptíveis, mas que certamente lhe molharam retina a dentro. O momento sagrado do banho lhe deu a deixa para recordar daquela sua outra vida, na qual é possível morrer saltando de paraquedas, despencando para sempre num abismo inexplicavelmente fundo ou por balas disparadas por um transeunte qualquer. E, mesmo após tantas torturas e mutilações, essa sua outra vida lhe permite sempre recomeçar, íntegro, sem cicatrizes ou sequelas. Esta dimensão ímpar de sua existência na qual passado, presente e futuro se fundem, perdem as bordas, na qual o campo do possível sempre dá as caras, é o que por falta de termo melhor denominamos sonho.  E assim, com o cair das primeiras gotas de água quente no piso opaco do banheiro, sua mente foi tomada por um transe silencioso, cheio de névoa, cor e desejo. O ato de fechar os olhos lhe despertou o ouvido interno, começou a escutar uma música que vazava pelas paredes. Ainda de olhos fechados se perguntou de onde este som vinha, tentou distinguir o ritmo que se confundia ao barulho do chuveiro  e com a água que caia em sua cabeça. Não tinha dúvidas, entretanto, de que a música tinha algo de urbano, algo de dançante, algo de noturno. Talvez uma transa entre o Hip-Hop e o Jazz.  Pensou que estivesse voltando a dormir, mas logo percebeu que estava apenas lembrando do sonho da noite anterior. Respirou fundo… se desinteressou por tudo aquilo. Ele nutria a opinião de que os sonhos em muito atrapalham a vida, pois neles quando não estamos em apuros ou a ponto de morrer por alguma coisa idiota e sem explicação, somo levados a acreditar que vivemos uma vida infinitamente mais saborosa que a nossa. Expirou… e este gesto mudou o seu dia.  Quando as camadas da memória já recobriam com indiferença a paisagem onírica de nosso amigo, o ato de jogar o ar para fora fez com que um solo de flauta irrompesse, e essa associação espontânea fez com que o deleite do sonho se instalasse de vez em seu corpo-mente. De repente se viu em uma sala, viu garrafas de bebida, viu pessoas a conversar. O ar estava quente, o ânimo de todos ali vibrava e parecia fazer coro com a música que saia dos altos falantes. Olhou suas mãos, riu, percebeu que estava chapado, e feliz. Riu mais um pouco,  até ser cortado por uma voz que disse: É antes o caos quem inventa as melhores ordens! Nada sossegaNem coisa, nem genteMas tudo sucede. Trações, interações e dispersõesO ciclo das coisasOs gestos da menteAs forças que conduzem a inquietação humana pelo espaço-tempo. Ouviu aplausos, e aplaudiu também. Antes que pudesse terminar de assimilar o sentido das palavras anteriores, ele foi chamado ao palco. Subiu, disse alguns versos e agradeceu a atenção dos presentes. Desceu do palco pensativo, ciente de que poetas morrem pobres mas que sabem amar a vida como poucos.  Abruptamente toda essa miríade de imagens foi embora pelo ralo. A consciência do tempo lhe puxa novamente a esta vida cronologia, lógica, na qual há prazos, metas, hora de entrada e hora de saída do trabalho. Diferentemente das regras e convenções que pautam o dia-a-dia nas empresas, escolas, faculdades e comércios, a temporalidade interna de nosso amigo não se guia pelo ponteiro do relógio, é antes um mar sem praias, fim ou começo. E sua consciência percorre lugares sem precisar da ajuda de avançados serviços de localização, pois ele não se esqueceu que as fronteiras sempre foram linhas imaginárias.  Mochila feita, cama arrumada, gato alimentado, tênis no pé, café em uma mão, primeiro cigarro do dia na outra, a certeza de que o pequeno atraso por conta do banho demorado vai lhe custar o lugar no ônibus, um olhar condescendente do chefe e alguma desculpa sincera porém inventada. Andando pela rua, os versos que disse em sonho se insinuaram, cairam por seus lábios: Há dizeres que cauterizam feridasHá dizeres que abrem veredasHá palavras bálsamo, que realizam o lutoHá palavras ato, que convocam à luta Há gramáticas esterilizantes, que se irmanam da morteHá gramáticas pulsantes, que se convertem em vida Deu uma gargalhada, a lembrança inesperada o deixou surpreso, meio besta. Anotou rapidamente as palavras em seu caderno e quase perdeu o busão. Deu sinal, entrou, por sorte ainda havia um lugar vago, mas isso agora pouco importava, pois neste dia viveu mais no sonho do que na realidade. Por Gutto – Sobrevivente do extremo sul de SP, observador da vida que como tinta teima em colorir as esquinas desbotadas das bordas do capital; amante das palavras e sofredor, logo poeta; preocupado com a alquimia das ideias, me fiz filósofo, por diversão e por necessidade; incomodado com a nossa subalternização diária, sou mais um daqueles pretxs, pobres e putos que dizem não.

  • Do luto à luta: Entrevista com Dona Hilda

    O recente período dito democrático, foi marcado pela continuidade do uso sistemático da violência de Estado contra as populações pobres, pretas e periféricas, de forma que os agentes do Estado que promoviam sequestros, torturas e execuções na ditadura empresarial-militar continuaram exercendo essas práticas no período dito democrático, apenas tornando seu uso mais focalizado nos setores que despertam menos solidariedade e utilizando novos pretextos como as políticas de guerra às drogas e encarceramento em massa. Neste contexto, emergem movimentos de familiares de vítimas da violência do Estado como as Mães do Acari  (surgido no Rio de Janeiro na década de 90 após o massacre de 11 jovens no que ficou conhecido como Massacre do Acari) e as Mães de Maio (surgido a partir da chacina de 564 pessoas ocorridas em maio de 2006 em diferentes cidade do Estado de São Paulo). Os relatos que iremos apresentar a seguir se inserem nesse contexto,  não como histórias de exceção, mas como casos exemplares de como a vida é tratada na história recente do país.  Dona Jadeci e Dona Hilda No dia 13 de setembro de 2020, quando o assassinato de Alexandre completou 16 anos, mãe e tia trouxeram histórias e memórias dos seus filhos. O primeiro filho, Jefferson, faleceu em 2001 pela infração de trânsito de uma empresa de ônibus. O segundo filho, Alexandre, foi assassinado em 2004 pelo braço armado do Estado.  Em relato, a mãe conta a história do filho Alexandre, desde o nascimento até a sua morte. Dona Jadeci conta que na sua casa era tudo alegre com a presença dos filhos. Jefferson, Alexandre e alguns amigos cantores de funk se encontravam e criavam músicas. “O estilo dele (Alexandre) era esse, ele gostava daquele sapato tudo da moda, ele gostava de usar aquelas correntes grossas né, gostava muito de bombeta, gostava de perfume, o Kaiak, tudo dele tinha que ser de marca. Ele gostava muito de camiseta Polo, sabe?”  Dona Hilda conta que o seu sobrinho Alexandre sempre foi vítima de racismo e da violência policial na sua comunidade. Em 2004 Alexandre foi preso de forma forjada e ilegal por policiais militares. Na saída do baile, os policiais fizeram sua prisão acusando-o de assalto. “Houve um assalto na Vila Formosa, onde a pessoa tinha o carro idêntico ao dele, mas o dele era de outra cor, mesmo assim ele ficou quase 8 meses na 41 e depois foi para 49 preso. Eu gritava na porta do presídio: ‘Xande, Xande, Xande…’ Aí o carcereiro olhava e falava assim pra mim: ‘É…a senhora vai cansar de ficar gritando!’ Depois ele saiu pela porta da frente. O juiz viu que ele era inocente e que não tinha cometido o crime!”  Dona Hilda, antiga militante do “Movimento das Mães da Leste” e “Pelo fim da impunidade que se busca” hoje luta por memória e justiça ao lado irmã Jadeci. Publicamos aqui a primeira parte da entrevista com a Dona Hilda e futuramente publicaremos a  segunda parte da entrevista com a Dona Jadeci. “Quando tiram a vida do nosso filho, eles estão levando a nossa também. A gente fica faltando um pedaço. Eu estou faltando dois pedaços. Eles deixam a gente vazia, a gente fica vazia. Quando o nosso filho morre, a gente morre junto com ele!” Alexandre Roberto Azevedo Seabra da Cruz – Nascimento 26/08/1980 está nos braços de Deus 13/09/2004  Saudade sem fim, te amo meu anjo. Sinto o cheiro do seu perfume, saudade dos seus beijos, seu andar carinhoso que parecia que andava sobre as nuvens, sorriso de criança, dançava e chegava a flutuar no ar. Hoje meu menino é uma linda estrela que brilha no céu iluminando a terra A vida me ensinou a dizer adeus às pessoas que amo sem tirar do meu coração Assinado Hilda Dona Hilda NR: Você pode começar se apresentando? Dona Hilda: Eu sou Hilda, mãe e tia do Alexandre, que é uma das vítimas pela mão da polícia. Hoje eu estou com 61 anos e sou moradora da Vila Carrão na Zona Leste faz 40 anos.     Dona Hilda: Eu saí do Pernambuco quando eu tinha 15 anos. Eu vim pro Rio de Janeiro para trabalhar na casa de família de uns libaneses, inclusive foram eles que pagaram a passagem para eu e minha irmã vir. Aí nós aproveitamos e viémos porque nós tínhamos que encontrar duas tias nossas perdidas a mais de vinte anos. Minha avó não sabia como encontrar essas tias, e ela tinha muitas saudades. Então veio eu e minha irmã, eu tinha 15 ela tinha 14. Nós ficamos no Rio de Janeiro dois anos, a cidade linda e maravilhosa, nós fomos muito felizes. Aí depois de dois anos nós encontramos nossa tia, encontrando nossa tia, aí meu irmão veio de Pernambuco para São Paulo e como ele era mais velho e nós duas de menor, ele foi até o Rio de Janeiro e resgatou eu e minha irmã e trouxe para São Paulo.  Eu cheguei aqui em São Paulo com 17 anos no dia 30 de outubro de 1997, também é uma cidade linda e maravilhosa, eu gostei muito de São Paulo, inclusive, estou aqui até hoje. Pra mim São Paulo é minha cidade, a minha cidade Natal é São Paulo. Aqui construí a minha família, aqui eu fiz minha vida, e aqui é onde eu também sinto dor de muitas perdas e luto também a favor sempre das pessoas mais pobres e humildes como eu das periferias e das comunidades. Aos 17 anos trabalhei aqui em São Paulo e eu e minha irmã moramos juntas, nós nunca nos separamos, é eu e ela. Aonde ela vai eu vou, aonde eu vou ela vai.Foi quando a minha irmã foi trabalhar em um restaurante Juventu, e lá no restaurante ela conheceu o Juracir, achei muito lindo a atitude dos dois. Juracir um chefe de cozinha e minha irmã Jadecir uma saladeira. Na época eu tinha os meus 18 anos e minha irmã os seus 17 anos. Aí ela conheceu o Juracir e …

  • Uma saudação para a heróica Rebelião de Attica

    “Nós somos homens! Não somos bestas e não pretendemos ser conduzidos ou espancados como tais! ” – Elliot LD Barkley, um líder da Rebelião Ática de 21 anos que foi assassinado pelo estado. Ele foi colocado em Ática por uma violação de liberdade condicional menor e estava programado para ser libertado cerca de uma semana após o início da rebelião. Em 9 de setembro de 1971, aproximadamente 1.500 presos no Bloco D da Cela tomaram o Estabelecimento Correcional da Ática no norte do estado de Nova York, após apresentar um manifesto de 27 pontos à administração penitenciária, numa tentativa de resolver as condições torturadoras dentro da prisão. Na época da revolta, 2.300 prisioneiros foram presos em uma prisão construída para apenas 1.600 pessoas. A supremacia branca atrás dos muros era evidente em todos os lugares, desde como os prisioneiros eram alojados até as tarefas brutais de trabalho. Aos prisioneiros era permitido um banho por semana e um rolo de papel higiênico por mês. Eles trabalhavam cinco horas por dia e eram pagos entre 20 centavos e 1 dólar por todo o dia. Durante 14 a 16 horas, eles eram trancados em minúsculas celas de 1,80 m por 1,80 m. Um espectro revolucionário É fundamental compreender o contexto histórico mais amplo em que essa rebelião ocorreu. Como pessoas tão abatidas, cujas vidas estavam penduradas na balança pelo capricho de um guarda, poderiam realizar uma ação tão corajosa? Fora das prisões e também dentro de muitas prisões, travava-se uma batalha pela libertação nacional dos negros, porto-riquenhos, indígenas e chicanx. Um novo clima revolucionário estava varrendo o país para acabar com todos os tipos de opressão. Milhões de pessoas protestavam contra a Guerra do Vietnã. O movimento de libertação das mulheres estava começando a florescer. Apenas dois anos depois, ocorreu a ocupação de Wounded Knee pelo American Indian Movement (AIM). A Comissão McKay (Comissão Especial sobre Ática do Estado de Nova York) comentou mais tarde: “Com exceção dos massacres indígenas no final do século XIX, o ataque da Polícia Estadual que pôs fim à revolta de quatro dias na prisão foi o encontro mais sangrento de um dia entre americanos desde a Guerra Civil”. Organizando-se por trás das grades Uma organização séria estava acontecendo dentro da Ática antes da rebelião. Muitos dos grupos fora da prisão foram refletidos dentro, incluindo o Partido dos Panteras Negras, os Jovens Lordes, a Nação do Islã e os Cinco Por Cento. Muitos mantinham grupos de estudos dentro das prisões. A Attica Liberation Faction se desenvolveu neste período. Em julho de 1971, a Attica Liberation Faction apresentou uma lista de 27 demandas ao Comissário de Correções Russell Oswald e ao governador Nelson Rockefeller. Esta lista de demandas foi baseada no Manifesto dos Prisioneiros de Folsom, elaborado pelo prisioneiro da Chicanx, Martin Sousa, em apoio à greve de prisioneiros de novembro de 1970 na Califórnia. Então, em 21 de agosto de 1971, o líder dos Panteras Negras George Jackson foi morto a tiros por guardas racistas na prisão de San Quentin na Califórnia. Prisioneiros de todo o país, incluindo várias centenas na Ática, fizeram greve de fome. O assassinato de George Jackson se tornou a cola que permitiu aos prisioneiros da Ática se unirem entre religiões, nacionalidades e facções políticas. A Comuna de Paris dos prisioneiros Em 9 de setembro, os prisioneiros da Ática tomaram as instalações. Eles fizeram reféns oficiais penitenciários para garantir que seu protesto fosse ouvido, uma vez que não haviam recebido resposta ao seu manifesto do comissário penitenciário ou do governador. Embora os eventos que ocorreram em 9 de setembro tenham sido espontâneos e tenham começado por um confronto entre guardas e prisioneiros, o nível de organização imposto por lideranças revolucionárias fizeram dos eventos espontâneos uma revolta em grande escala, graças também a formação política que se deu pré-rebelião. Mesmo sob condições tão adversas, o alto grau de organização e disciplina dos milhares de prisioneiros que participaram é notável. Eles elegeram um comitê central, que alternou presidentes; eles organizaram um comitê de observadores de 33 pessoas, que incluía não apenas o advogado William Kunstler, o Pantera Negra Bobby Seale, o membro da Assembleia do Estado de Nova York Arthur O. Eve e representantes dos Young Lords, mas também Tom Soto do Comitê de Solidariedade aos Prisioneiros. As demandas estavam sendo desenvolvidas continuamente. Uma das principais era a anistia para todos os prisioneiros. Inúmeras fotos mostram as fileiras de tendas, valas preparatórias e muitas das outras medidas que os presos organizaram. Eles votaram em demandas e racionaram comida e água para sobreviver. Durante toda a ocupação, os 40 reféns foram tratados com humanidade. As demandas concretas que se desenvolveram durante a insurreição incluíram todos os aspectos da sobrevivência na prisão, incluindo saúde, alimentação, fim do confinamento solitário, o direito de visitação e uma lista de direitos trabalhistas, incluindo o direito a organização sindical e o fim da exploração. A primeira vez que a classe trabalhadora tomou o poder em suas próprias mãos foi a insurreição conhecida como Comuna de Paris de 1871. Os comunas cancelaram os aluguéis, reconheceram os direitos das mulheres, aboliram o trabalho infantil, assumiram locais de trabalho e estabeleceram sua própria forma de governo. A comuna serviu de exemplo histórico para muitos socialistas revolucionários do poder da organização da classe trabalhadora. No fim, foi afogada em sangue, mas as lições permanecem. Um século depois, em 13 de setembro de 1971, o governador Rockefeller ordenou o ataque à prisão de Ática. Com helicópteros, cerca de 1.000 soldados estaduais, tropas da guarda nacional e guardas prisionais atiraram no pátio, matando 39 pessoas e ferindo 85 no que só pode ser descrito como um massacre. E isso aconteceu em apenas 15 minutos. Muitos dos feridos não receberam atendimento médico. Os prisioneiros não tinham armas ou balas para se defender. A imprensa gritou que os 10 guardas cativos que morreram tiveram suas gargantas cortadas. Mas as autópsias mostraram que todos os 10 foram mortos a tiros pelas tropas de choque de Rockefeller. O que aconteceu logo …

Ideias invisíveis

  • Do luto à luta: Entrevista com Dona Hilda

    O recente período dito democrático, foi marcado pela continuidade do uso sistemático da violência de Estado contra as populações pobres, pretas e periféricas, de forma que os agentes do Estado que promoviam sequestros, torturas e execuções na ditadura empresarial-militar continuaram exercendo essas práticas no período dito democrático, apenas tornando seu uso mais focalizado nos setores que despertam menos solidariedade e utilizando novos pretextos como as políticas de guerra às drogas e encarceramento em massa. Neste contexto, emergem movimentos de familiares de vítimas da violência do Estado como as Mães do Acari  (surgido no Rio de Janeiro na década de 90 após o massacre de 11 jovens no que ficou conhecido como Massacre do Acari) e as Mães de Maio (surgido a partir da chacina de 564 pessoas ocorridas em maio de 2006 em diferentes cidade do Estado de São Paulo). Os relatos que iremos apresentar a seguir se inserem nesse contexto,  não como histórias de exceção, mas como casos exemplares de como a vida é tratada na história recente do país.  Dona Jadeci e Dona Hilda No dia 13 de setembro de 2020, quando o assassinato de Alexandre completou 16 anos, mãe e tia trouxeram histórias e memórias dos seus filhos. O primeiro filho, Jefferson, faleceu em 2001 pela infração de trânsito de uma empresa de ônibus. O segundo filho, Alexandre, foi assassinado em 2004 pelo braço armado do Estado.  Em relato, a mãe conta a história do filho Alexandre, desde o nascimento até a sua morte. Dona Jadeci conta que na sua casa era tudo alegre com a presença dos filhos. Jefferson, Alexandre e alguns amigos cantores de funk se encontravam e criavam músicas. “O estilo dele (Alexandre) era esse, ele gostava daquele sapato tudo da moda, ele gostava de usar aquelas correntes grossas né, gostava muito de bombeta, gostava de perfume, o Kaiak, tudo dele tinha que ser de marca. Ele gostava muito de camiseta Polo, sabe?”  Dona Hilda conta que o seu sobrinho Alexandre sempre foi vítima de racismo e da violência policial na sua comunidade. Em 2004 Alexandre foi preso de forma forjada e ilegal por policiais militares. Na saída do baile, os policiais fizeram sua prisão acusando-o de assalto. “Houve um assalto na Vila Formosa, onde a pessoa tinha o carro idêntico ao dele, mas o dele era de outra cor, mesmo assim ele ficou quase 8 meses na 41 e depois foi para 49 preso. Eu gritava na porta do presídio: ‘Xande, Xande, Xande…’ Aí o carcereiro olhava e falava assim pra mim: ‘É…a senhora vai cansar de ficar gritando!’ Depois ele saiu pela porta da frente. O juiz viu que ele era inocente e que não tinha cometido o crime!”  Dona Hilda, antiga militante do “Movimento das Mães da Leste” e “Pelo fim da impunidade que se busca” hoje luta por memória e justiça ao lado irmã Jadeci. Publicamos aqui a primeira parte da entrevista com a Dona Hilda e futuramente publicaremos a  segunda parte da entrevista com a Dona Jadeci. “Quando tiram a vida do nosso filho, eles estão levando a nossa também. A gente fica faltando um pedaço. Eu estou faltando dois pedaços. Eles deixam a gente vazia, a gente fica vazia. Quando o nosso filho morre, a gente morre junto com ele!” Alexandre Roberto Azevedo Seabra da Cruz – Nascimento 26/08/1980 está nos braços de Deus 13/09/2004  Saudade sem fim, te amo meu anjo. Sinto o cheiro do seu perfume, saudade dos seus beijos, seu andar carinhoso que parecia que andava sobre as nuvens, sorriso de criança, dançava e chegava a flutuar no ar. Hoje meu menino é uma linda estrela que brilha no céu iluminando a terra A vida me ensinou a dizer adeus às pessoas que amo sem tirar do meu coração Assinado Hilda Dona Hilda NR: Você pode começar se apresentando? Dona Hilda: Eu sou Hilda, mãe e tia do Alexandre, que é uma das vítimas pela mão da polícia. Hoje eu estou com 61 anos e sou moradora da Vila Carrão na Zona Leste faz 40 anos.     Dona Hilda: Eu saí do Pernambuco quando eu tinha 15 anos. Eu vim pro Rio de Janeiro para trabalhar na casa de família de uns libaneses, inclusive foram eles que pagaram a passagem para eu e minha irmã vir. Aí nós aproveitamos e viémos porque nós tínhamos que encontrar duas tias nossas perdidas a mais de vinte anos. Minha avó não sabia como encontrar essas tias, e ela tinha muitas saudades. Então veio eu e minha irmã, eu tinha 15 ela tinha 14. Nós ficamos no Rio de Janeiro dois anos, a cidade linda e maravilhosa, nós fomos muito felizes. Aí depois de dois anos nós encontramos nossa tia, encontrando nossa tia, aí meu irmão veio de Pernambuco para São Paulo e como ele era mais velho e nós duas de menor, ele foi até o Rio de Janeiro e resgatou eu e minha irmã e trouxe para São Paulo.  Eu cheguei aqui em São Paulo com 17 anos no dia 30 de outubro de 1997, também é uma cidade linda e maravilhosa, eu gostei muito de São Paulo, inclusive, estou aqui até hoje. Pra mim São Paulo é minha cidade, a minha cidade Natal é São Paulo. Aqui construí a minha família, aqui eu fiz minha vida, e aqui é onde eu também sinto dor de muitas perdas e luto também a favor sempre das pessoas mais pobres e humildes como eu das periferias e das comunidades. Aos 17 anos trabalhei aqui em São Paulo e eu e minha irmã moramos juntas, nós nunca nos separamos, é eu e ela. Aonde ela vai eu vou, aonde eu vou ela vai.Foi quando a minha irmã foi trabalhar em um restaurante Juventu, e lá no restaurante ela conheceu o Juracir, achei muito lindo a atitude dos dois. Juracir um chefe de cozinha e minha irmã Jadecir uma saladeira. Na época eu tinha os meus 18 anos e minha irmã os seus 17 anos. Aí ela conheceu o Juracir e …

  • Uma saudação para a heróica Rebelião de Attica

    “Nós somos homens! Não somos bestas e não pretendemos ser conduzidos ou espancados como tais! ” – Elliot LD Barkley, um líder da Rebelião Ática de 21 anos que foi assassinado pelo estado. Ele foi colocado em Ática por uma violação de liberdade condicional menor e estava programado para ser libertado cerca de uma semana após o início da rebelião. Em 9 de setembro de 1971, aproximadamente 1.500 presos no Bloco D da Cela tomaram o Estabelecimento Correcional da Ática no norte do estado de Nova York, após apresentar um manifesto de 27 pontos à administração penitenciária, numa tentativa de resolver as condições torturadoras dentro da prisão. Na época da revolta, 2.300 prisioneiros foram presos em uma prisão construída para apenas 1.600 pessoas. A supremacia branca atrás dos muros era evidente em todos os lugares, desde como os prisioneiros eram alojados até as tarefas brutais de trabalho. Aos prisioneiros era permitido um banho por semana e um rolo de papel higiênico por mês. Eles trabalhavam cinco horas por dia e eram pagos entre 20 centavos e 1 dólar por todo o dia. Durante 14 a 16 horas, eles eram trancados em minúsculas celas de 1,80 m por 1,80 m. Um espectro revolucionário É fundamental compreender o contexto histórico mais amplo em que essa rebelião ocorreu. Como pessoas tão abatidas, cujas vidas estavam penduradas na balança pelo capricho de um guarda, poderiam realizar uma ação tão corajosa? Fora das prisões e também dentro de muitas prisões, travava-se uma batalha pela libertação nacional dos negros, porto-riquenhos, indígenas e chicanx. Um novo clima revolucionário estava varrendo o país para acabar com todos os tipos de opressão. Milhões de pessoas protestavam contra a Guerra do Vietnã. O movimento de libertação das mulheres estava começando a florescer. Apenas dois anos depois, ocorreu a ocupação de Wounded Knee pelo American Indian Movement (AIM). A Comissão McKay (Comissão Especial sobre Ática do Estado de Nova York) comentou mais tarde: “Com exceção dos massacres indígenas no final do século XIX, o ataque da Polícia Estadual que pôs fim à revolta de quatro dias na prisão foi o encontro mais sangrento de um dia entre americanos desde a Guerra Civil”. Organizando-se por trás das grades Uma organização séria estava acontecendo dentro da Ática antes da rebelião. Muitos dos grupos fora da prisão foram refletidos dentro, incluindo o Partido dos Panteras Negras, os Jovens Lordes, a Nação do Islã e os Cinco Por Cento. Muitos mantinham grupos de estudos dentro das prisões. A Attica Liberation Faction se desenvolveu neste período. Em julho de 1971, a Attica Liberation Faction apresentou uma lista de 27 demandas ao Comissário de Correções Russell Oswald e ao governador Nelson Rockefeller. Esta lista de demandas foi baseada no Manifesto dos Prisioneiros de Folsom, elaborado pelo prisioneiro da Chicanx, Martin Sousa, em apoio à greve de prisioneiros de novembro de 1970 na Califórnia. Então, em 21 de agosto de 1971, o líder dos Panteras Negras George Jackson foi morto a tiros por guardas racistas na prisão de San Quentin na Califórnia. Prisioneiros de todo o país, incluindo várias centenas na Ática, fizeram greve de fome. O assassinato de George Jackson se tornou a cola que permitiu aos prisioneiros da Ática se unirem entre religiões, nacionalidades e facções políticas. A Comuna de Paris dos prisioneiros Em 9 de setembro, os prisioneiros da Ática tomaram as instalações. Eles fizeram reféns oficiais penitenciários para garantir que seu protesto fosse ouvido, uma vez que não haviam recebido resposta ao seu manifesto do comissário penitenciário ou do governador. Embora os eventos que ocorreram em 9 de setembro tenham sido espontâneos e tenham começado por um confronto entre guardas e prisioneiros, o nível de organização imposto por lideranças revolucionárias fizeram dos eventos espontâneos uma revolta em grande escala, graças também a formação política que se deu pré-rebelião. Mesmo sob condições tão adversas, o alto grau de organização e disciplina dos milhares de prisioneiros que participaram é notável. Eles elegeram um comitê central, que alternou presidentes; eles organizaram um comitê de observadores de 33 pessoas, que incluía não apenas o advogado William Kunstler, o Pantera Negra Bobby Seale, o membro da Assembleia do Estado de Nova York Arthur O. Eve e representantes dos Young Lords, mas também Tom Soto do Comitê de Solidariedade aos Prisioneiros. As demandas estavam sendo desenvolvidas continuamente. Uma das principais era a anistia para todos os prisioneiros. Inúmeras fotos mostram as fileiras de tendas, valas preparatórias e muitas das outras medidas que os presos organizaram. Eles votaram em demandas e racionaram comida e água para sobreviver. Durante toda a ocupação, os 40 reféns foram tratados com humanidade. As demandas concretas que se desenvolveram durante a insurreição incluíram todos os aspectos da sobrevivência na prisão, incluindo saúde, alimentação, fim do confinamento solitário, o direito de visitação e uma lista de direitos trabalhistas, incluindo o direito a organização sindical e o fim da exploração. A primeira vez que a classe trabalhadora tomou o poder em suas próprias mãos foi a insurreição conhecida como Comuna de Paris de 1871. Os comunas cancelaram os aluguéis, reconheceram os direitos das mulheres, aboliram o trabalho infantil, assumiram locais de trabalho e estabeleceram sua própria forma de governo. A comuna serviu de exemplo histórico para muitos socialistas revolucionários do poder da organização da classe trabalhadora. No fim, foi afogada em sangue, mas as lições permanecem. Um século depois, em 13 de setembro de 1971, o governador Rockefeller ordenou o ataque à prisão de Ática. Com helicópteros, cerca de 1.000 soldados estaduais, tropas da guarda nacional e guardas prisionais atiraram no pátio, matando 39 pessoas e ferindo 85 no que só pode ser descrito como um massacre. E isso aconteceu em apenas 15 minutos. Muitos dos feridos não receberam atendimento médico. Os prisioneiros não tinham armas ou balas para se defender. A imprensa gritou que os 10 guardas cativos que morreram tiveram suas gargantas cortadas. Mas as autópsias mostraram que todos os 10 foram mortos a tiros pelas tropas de choque de Rockefeller. O que aconteceu logo …

  • As Filipinas e a luta anticolonial internacional.

    Boa tarde e saudação a todos nós reunidos aqui para marcar a celebração do Mês Anticolonial Berlim. Nós dos coletivos Gabriela Germany e Migrant Europe estamos muito felizes e honradas de ter esse espaço e tempo nesse evento tão significativo. As Filipinas, como muitos outros países em desenvolvimento do Hemisfério Sul, é rica em recursos naturais, mas as pessoas são pobres. Esta é a contradição marcante que assola a sociedade filipina.  Temos depósitos de minérios, águas, montanhas e florestas repletas de vida e variedade, e terras agrícolas férteis e vastas.   A partir de 1521, os espanhóis vieram e colonizaram as Filipinas. Eles trouxeram consigo, entre outros, o ainda existente sistema de propriedade secular, o feudalismo, no qual centenas de hectares de terra pertencem a poucos proprietários, e a maioria dos camponeses permanecem sem terra e pobres. Estas condições são preservadas pela interferência de interesses estrangeiros. Produtos excedentes e capital estão sendo despejados no país, matando assim qualquer indústria local e perpetuando a dependência de produtos importados. Tal invasão é possível graças às políticas neoliberais que o governo do país está mais do que disposto a implementar. Portanto, a economia continua dependente da importação e orientada para a exportação. Importamos até mesmo as commodities mais básicas e exportamos matérias primas e trabalhadores! É nestas condições, o velho sistema feudal, com a imposição da dominação estrangeira, que conduz o povo filipino a uma pobreza extrema e a uma crise crônica. Entre as “commodities” que o país exporta está uma enorme força de trabalho. Nos anos 80, ela foi transformada em política, a chamada LEP (Política de Exportação de Trabalho). Esta política não só facilita o movimento diaspórico dos filipinos para fora do país em busca de emprego e melhores condições de vida, mas também custa aos filipinos outras repercussões sociais, tais como o desmembramento de famílias devido à distância. Há cerca de 10 milhões (documentados) de filipinos fora do país, a maioria são trabalhadores filipinos no exterior.  Um número significativo trabalha em hospitais, casas de repouso, casas particulares, fábricas, e na indústria marítima. Em alguns estudos, quando incluímos os sem documentação, os números chegam a dobrar. Mas os trabalhadores migrantes, quando chegam a seus países de destino, se encontram em condições precárias e desfavoráveis. Aqui na Alemanha, a narrativa de que os migrantes estão vindo aqui para roubar os empregos do povo alemão é continuamente popularizada. E isto acontece em muitos outros países da Europa. Como a Pandemia de Covid19 continua a devastar, tais narrativas são agravadas pela marca de nós migrantes como portadores da doença, enquanto paradoxalmente, somos nós migrantes e muitas pessoas de cor que somos mais vulneráveis enquanto continuamos a trabalhar nas chamadas linhas de frente, os empregos relevantes do sistema que os países anfitriões tão terrivelmente necessitam. O que muitas pessoas aqui na Europa não conseguem ver são as verdadeiras razões pelas quais as pessoas migram. Grandes empresas capitalistas monopolistas continuam a despejar o capital excedente para os países em desenvolvimento, destruindo assim as indústrias locais desses países e sua eventual chance de industrialização e desenvolvimento nacional. Continuam a espremer o sangue e o suor dos trabalhadores para obter seus super lucro, e concentrar a riqueza nas mãos de poucos, no processo também destruindo o meio ambiente em uma escala e uma proporção sem precedentes, as pessoas são agora FORÇADAS a Migrar! Pois mais e mais pessoas desses países mergulham na pobreza.   A última etapa do capitalismo monopolista que é o imperialismo criou guerras de agressão que deslocaram milhões de pessoas, em grande parte dos países em desenvolvimento. A partir de 2017, de acordo com dados da ONU, houve um recorde de 68,5 milhões de pessoas deslocadas forçadamente por causa de guerras e violência! Isto é mais do que a população da Itália (60,59 milhões), e da França (66,9 milhões). A atual ditadura brutal do presidente das Filipinas, Duterte, continua abusando e violando os direitos sindicais e as liberdades civis. Há 5 milhões de trabalhadores agrícolas nas Filipinas que não possuem suas terras e ganham 2,5 euros/dia! Esse é o custo de um Kebab em Neukoelln! Trabalhadores que estavam em protestos ou negociações para afirmar seus direitos trabalhistas foram recebidos com balas, sequestros, assédios e ameaças!   À medida que os efeitos da mudança climática pioram, mais e mais pessoas serão também forçadas a deixar suas casas.  Em 2018, eventos climáticos extremos como a seca severa no Afeganistão, o ciclone tropical Gita em Samoa e as inundações nas Filipinas, resultaram em necessidades humanitárias agudas. De acordo com o Centro de Monitoramento de Deslocamentos Internos, houve 18,8 milhões de novos deslocamentos internos relacionados a desastres registrados em 2017.   Estas três razões principais; pobreza, guerra e mudança climática estão forçando as pessoas a migrar. E o que alimenta estas condições para existir e até piorar é a ganância imperialista e o saque! Fica então claro que nós, trabalhadores, independentemente de sermos migrantes ou locais, sofremos com as mesmas políticas neoliberais e anti trabalhistas que os grandes capitalistas nos impuseram, e em conivência com as elites governantes locais nos países em desenvolvimento, como as Filipinas. Gostaríamos também de aproveitar esta oportunidade para pedir seu apoio ao povo filipino ao exigir a destituição de Duterte, um governante brutal, corrupto, fascista e enganoso. Que este mês Anticolonial seja um momento para condenar e pedir a expulsão de todos os governantes fascistas do mundo de hoje. Aproveitemos também esta oportunidade para ter um momento de silêncio em honra e comemoração de uma companheira nossa, Zara Alvarez, que esteve conosco no ano passado, no primeiro Mês anticolonial. Em agosto passado, ela foi brutalmente assassinada. Seu único “pecado” foi falar a verdade e lutar por uma sociedade melhor. Nesta crise cada vez mais grave do sistema capitalista, não deixemos mais a classe dominante nos dividir com cor, sexo, língua, idade, trabalho e assim por diante. Nós pedimos e desafiamos a todos que estão aqui hoje que tenham coragem, paciência e dedicação para entender as causas de nossos problemas e por que nós, trabalhadores, temos necessariamente que …

  • Quem são os Zumbis da Cracolândia?

    Arte: Heloísa Yoshioka Zumbi é o nome do líder legendário que conduziu a resistência no Quilombo dos Palmares. No centro de São Paulo, no entanto, zumbi é um termo pejorativo para rotular as pessoas em situação de rua que vivem na região da Cracolândia. Uma referência aos cadáveres ambulantes que são antagonistas em um gênero de filmes de horror.  A associação acontece não só pelo aspecto das pessoas miseráveis, esfarrapadas e sem banho, que se aglomeram na parte central da cidade, mas também em uma leitura que a droga elimina a capacidade de pensamento. Assim, é criado um imaginário em que as pessoas deixam de ser seres humanos, podem ser espancadas pela Guada Civil Metropolitana ou internadas à força. Estão possuídas pelos supostos poderes demoníacos da droga. Do mesmo modo que os zumbis dos filmes surgiram a partir de uma releitura racista do voodoo do Haiti. As lendas locais se misturaram a uma visão que encara a religião afrocaribenha como feitiçaria. Ao longo do século 20 os zumbis foram se tornando essa ameaça de uma multidão que se levanta para devorar a civilização. Podem ser alvo de tiros, facadas, lança-chamas e qualquer outro fetiche de violência – afinal, já estão mortos. As massas que se revoltam para destruir a civilização ocidental podem ser vistas como uma lembrança do medo que a revolta das pessoas escravizadas no Haiti trouxe para os corações das metrópoles coloniais. Pelas décadas seguintes foi feito um grande esforço de narrativa para apresentar como uma vitória da barbárie a revolução que livrou a ilha caribenha do domínio colonial. A relação com os mitos dos zumbis e esse terror dos imperialistas já foi apontada por diversos autores.  Uma pista, inclusive, está na Noite dos Mortos-Vivos, de George Romero, filme que em 1968 consagrou o gênero no formato que chegou até a série The Walking Dead. No fim da história, o sobrevivente do ataque da multidão de zumbis, um jovem negro, é morto por uma milícia de homens brancos, que atira antes de checar se o homem era um morto-vivo.  O discurso sobre as drogas funciona para criar essa mesma confusão na Cracolândia. As próprias estatísticas do governo estadual mostram que 28% dos que vivem na região não usam drogas ilegais (a metade usa álcool e a outra metade não usa nenhuma substância). O local é um ponto de encontro para todas as pessoas que não encontram outro lugar na cidade – por terem transtornos mentais, por terem saído arrasados física/psicologicamente da prisão, por terem sido expulsas de suas famílias pela orientação sexual.  O consumo abusivo de drogas surge nesse contexto como uma consequência dessa extrema vulnerabilidade. Por isso, que em outras partes do mundo, as políticas para lidar com esse tipo de situação com mais resultados são as de “moradia primeiro”. Ou seja, toda a estratégia de cuidado é pensada a partir de reduzir as condições que levaram ao uso problemático das substâncias, a começar pela falta de moradia (não os abrigos temporários e albergues). Mas todos os direitos dessa população complexa e plural que ocupa o centro da capital são negados  a partir do discurso da guerra às drogas. Uma construção ideológica que tornou ilegais substâncias usadas milenarmente por culturas de povos submetidos à colonização. A folha de coca, de onde é extraída a cocaína (crack é cocaína fumada) é um produto fundamental para os povos andinos.  A demonização da substância – que ocupa o papel da feitiçaria na criação dos zumbis sem alma – é a forma encontrada para negar as devidas reparações históricas a enorme maioria de pessoas negras que compõe o fluxo da Cracolândia. Ali, as frequentes operações policiais, que opõe soldados fortemente armados contra pessoas que mal tem a roupa do corpo, mostra o tamanho do medo que é evocado por aquelas pessoas, que se unem para continuar existindo. Um temor profundo de que a comunidade dos despossuídos possa se levantar e devorar os herdeiros da colonização. Daniel Mello é jornalista, documentarista e poeta. Militante d’A Craco Resiste e autor do livro Gargalhando Vitória – poemas da cracolândia.

  • Desde um Brasil colapsado

    Este é um texto escrito em setembro de 2020 a partir do filme “Espero tua (re)volta” para o 19 º EDOC (Encuentros del otro cine, festival internacional de cine documental) no Equador. Desde um Brasil colapsado, contabilizando já mais que 130 mil mortes por COVID19 e tantas outras vidas ceifadas pela violência policial, pela fome e por tantas outras chagas que há 500 anos assolam nosso povo, queremos relembrar com algumas poucas notas o sentimento das lutas que tomou nosso coração com a ocupação das escolas que aconteceu alguns anos atrás. Escrevemos nós três, militantes, ativistas, uma vinda da luta por moradia nas periferias, outro que esteve diretamente envolvido, como parte dos estudantes que assumiram o protagonismo político pelo curto mas riquíssimo período em que as escolas funcionaram sob o controle dos estudantes e um outro que teve contato e construiu suas militâncias no processo depois das ocupações  Há muitos anos temos visto e vivido uma certa corrosão das esperanças de que se possam resolver os problemas da população mais pobres através dos caminhos de sempre, das eleições, da democracia representativa e liberal que vivemos. No Brasil, o mesmo período em que mais jovens negros acessaram o ensino superior foi também aquele em que nos tornamos o 3º país mais encarcerador do mundo, sendo que nas cadeias predomina a privação de todas as liberdades de nossos irmãos, jovens, negros e negras, pobres. A desconfiança em relação às formas tradicionais da política institucional foram se acumulando. Desconfiança em relação aos sindicatos – em tempos de trabalho tão precarizados – em relação aos partidos – e sua política velha, sem potência e cheia de acordos nojentos – e aos políticos – que dizem nos representar mas, em sua maioria, não viveram o que vivemos e não caminham pelos territórios violentos onde as nossas vidas habitam. Fotograma: Espero tua (re)volta, de Eliza Capai Desde 2013 a juventude das favelas e periferias vinha tomando a frente em expressar essa revolta acumulada no subterrâneo da vida, embora carente de mais e melhores instrumentos para pensar a própria revolta já que as esquerdas tradicionais sumiram dos bairros pobres já nos anos 90, quando abandonaram o trabalho enraizado e decidiram que as eleições eram sua prioridade. Quando as lutas por transporte explodiram em junho de 2013, parte dessas esquerdas condenava os protestos dizendo que se eles não eram organizados do modo tradicional, não eram legítimos. Ao invés de se somar à voz indignada da multidão de jovens nas ruas, o que fizeram foi condenar e deixar o espaço vazio para que conservadores oportunistas  disputassem influência sobre essa raiva um tanto confusa. Quando explodiram as lutas com as ocupação das escolas em 2015, conectada de algumas formas com 2013, a autogestão protagonizada pelxs estudantes, a exigência de autonomia que empunhavam sempre que organizações tradicionais tentavam se apoderar dos rumos ou enquadrar os modos de fazer, mostrou que a profunda desconfiança na política tradicional não era necessariamente conservadora: ela poderia também apontar para um horizonte de autonomia e auto-organização. O movimento estudantil brasileiro é bastante concentrado em universidades públicas e escolas de referência, não é tão ativo nos bairros pobres além de ser bastante instrumentalizado nas disputas partidárias quando é conveniente. O que é subvertido em 2015, quando a juventude das periferias, protagonista absoluta da ocupação de escolas Brasil afora, que não tinha e nem tem motivos para confiar ou se identificar com este movimento partidário, parece se encontrar numa luta que lhes fazia sentido, sendo construída horizontalmente e em nome dxs próprios estudantes.  Em 2015, nos deparamos com uma contradição de um decreto governamental de fechamento de quase 100 escolas no Estado de São Paulo, isso em um país que vive com o problema da superlotação de salas de aula. Em meio aos protestos já esgotados um grupo de estudantes decide então retomar a experiência acumulada do nosso povo que em 2012 no estado do Mato Grosso ocupou uma escola, e em 2006 e 2011 no Chile os pinguinos tomaram as escolas contra a precarização e privatização do ensino. Da experiência Chilena e Argentina de tomada de escolas foi traduzida a cartilha “Como Ocupar um Colégio”, esse material se tornou o manual de organização inicial dentro das escolas, que depois das primeiras 3 ocupações não pararam de crescer até atingir mais de 220 escolas ocupadas. Ao redor do Brasil em diferentes tempos aconteceram ocupações no Maranhão, Mato Grosso do Sul, Bahia, Ceará, Goiás, Rio de Janeiro, e Paraná que em 2017 contra os cortes na educação chegou a ocupar mais de 1000 escolas. Quanto puderam aprender a organizar-se e a desenhar sua independência individual e política durante o processo de lutas?! Em muito, fruto de um processo de apropriação da escola como um lugar possível, escolas em seus territórios, com as pessoas que conviviam diariamente como um lugar novo, onde se podia conversar sobre gênero, raça e sexualidade, a escola ocupada como um lugar que fazia sentido para esses jovens. Fotograma: Espero tua (re)volta, de Eliza Capai A juventude que tomou as escolas é a mesma que tomou as ruas em 2013, são jovens desempregados, precarizados, trabalhadores informais, negros e negras, que já nasceram em um momento histórico de retirada de direitos, privatizações, desemprego estrutural e aumento do cárcere e genocídio dentro dos bairros e favelas. Essa juventude não aprendeu a se amarrar a nenhum partido ou entidade estudantil, sua chama de rebeldia se rebela contra todas essas estruturas que se fundiram com o Estado e abriram as portas para as retiradas de direitos do nosso povo. A condição da atual juventude é de não conseguir reproduzir se quer a condição financeiras de seus pais, não têm condições de alugar ou comprar uma casa, de estruturar um lar, ter um emprego estável ou mesmo se aposentar dignamente no futuro. É na falta de perspectivas que foram arrancadas pelos de cima que essa geração nutre sua revolta ingovernavel e autônoma.  Podemos pensar o que ficou das lutas estudantis: O ideal de subversão da escola como um espaço próprio dos que …

  • Indústria carcerária: A escravidão no capitalismo moderno, Parte 2 – Alemanha.

    Para ler a parte 1 clique aqui. Trabalho Forçado e Indústria Prisional na Alemanha Observações Preliminares Históricas Em 1884, Bismarck convocou a Conferência da África, que foi seguida pela divisão da África e depois as áreas ocupadas pela Alemanha foram declaradas colônias alemãs. Após o recrutamento de trabalhadores, a escassez de mão-de-obra nas plantações, mas também nos campos de diamantes e na construção de estradas e ferrovias foi logo remediada pelo reassentamento forçado e pelo trabalho escravo. No início, principalmente os homens jovens tinham que fazer trabalhos forçados. Entretanto, devido ao grande número de doenças e mortes, às vezes até 70% dos trabalhadores, mulheres e crianças também eram forçados a trabalhar. A Alemanha também utilizou o trabalho forçado durante a Primeira Guerra Mundial. Além dos prisioneiros de guerra, foram os cidadãos lituanos, poloneses e belgas* que foram deportados para a Alemanha para a indústria, agricultura e mineração, onde foram obrigados a trabalhar. Naquela época, o trabalho escravo, especialmente dos trabalhadores belgas, era desastroso para a reputação do Império e levou a numerosos protestos de estados neutros. Mais de 12 milhões de pessoas foram deportadas para ou na Alemanha como trabalhadores forçados durante a Segunda Guerra Mundial. Eram milhões de cidadãos presos arbitrariamente da Alemanha e territórios ocupados pela Federação Alemã, milhões de prisioneiros de guerra (só em 1944 havia 2 milhões) e prisioneiros nos campos de concentração. Além disso, milhões de homens, mulheres e crianças em territórios ocupados foram forçados a trabalhar para os nazistas. Cerca de 20 milhões de pessoas tiveram que fazer trabalhos forçados para o “Reich almão”, enquanto trabalhadores alemães em cargos de supervisão se tornaram os próprios perpetradores. O Estado alemão, grandes corporações e pequenas empresas, igrejas, comunidades, mas também agricultores e famílias particulares exigiam cada vez mais trabalhadores escravizados* e eram, portanto, parcialmente responsáveis pelo sistema de exploração através do trabalho escravo. Racismo e trabalho escravo  As condições de vida dos trabalhadores escravizados* eram diferentes. Um comportamento em sua maioria moderado em relação aos prisioneiros da chamada “raça nórdica” contrastava com o comportamento diário discriminatório e humilhante em relação aos prisioneiros da União Soviética, Polônia e Itália. O trabalho escravo em sua pior forma teve que ser suportado pelos prisioneiros judeus, assim como os Sinti e os Roma. Muitos não sobreviveram. Eles foram explorados através da “aniquilação pelo trabalho” e brutalmente assassinados.  Embora os trabalhadores forçados fossem sistematicamente maltratados e tentativas de quebrá-los através de inúmeras humilhações, houve repetidos atos de sabotagem e resistência. A mera suspeita era suficiente para transportar pessoas para campos de concentração ou mandá-las executar. Por ganância, muitos cidadãos alemães* participaram, a fim de se enriquecerem após as prisões com os bens dos prisioneiros. Os nazistas cunharam o termo “arianização” para este tipo de cumplicidade no Shoah (Holocausto) ́. Aqueles que lucraram com o trabalho escravo O governo alemão e as empresas beneficiadas negaram repetidamente as suas responsabilidades. Entretanto, mais de 2000 empresas alemãs lucraram com esta exploração inescrupulosa e mortal, incluindo Deutsche Bank, Siemens, Thyssen, Krupp e IG Farben (uma fusão da BASF, Bayer, Höchst AG e Agfa). Outros beneficiados foram Bosch, Daimler-Benz, Volkswagen, Henschel, Messerschmidt, Weleda, AEG, Varta (AFA – incl. Pertrix ). A Siemens deve ser nomeada aqui especificamente. Como fornecedora da indústria de armamento e uma empresa líder no setor elétrico, este grupo assumiu um papel pioneiro na exploração sistemática dos trabalhadores escravizados. Apesar da construção de sua própria fábrica com 20 pavilhões de produção no campo de concentração de mulheres em Ravensbrück e do fato de os trabalhadores escravizados representarem mais de 30% do total da força de trabalho da Siemens no período, os pagamentos mínimos de remuneração só foram obtidos após anos de luta. Os crimes brutais e o assassinato de milhões de pessoas durante o Shoah (Holocausto) pelos alemães são ainda hoje únicos em sua dimensão. Infelizmente, esses acontecimentos brutais não ocorreram isoladamente em apenas uma região ou pertencendo a um tempo passado e já concluído. O exemplo do trabalho forçado mostra que esses crimes continuam a ter um impacto até hoje, tanto materialmente como no discurso de punição prevalecente. Como o desejo das corporações de lucrar com o trabalho forçado se desenvolveu depois de 1945 é difícil de pesquisar, já que grande parte dele só se encontrava na fase de reconstrução após o fim da guerra e os procedimentos legais correspondentes se arrastaram por vários anos. Como os julgamentos muitas vezes funcionavam como uma farsa, terminando com a absolvição ou com penas de prisão curtas para os beneficiados por trabalhos forçados e extermínio, e depois resultavam no retorno a antigas posições de poder, as vítimas de crimes nazistas e trabalhos forçados eram submetidas a uma segunda provação. Trabalho escravo  após a Nacional Socialismo – República Federal da Alemanha (oeste). Embora a pesquisa seja trabalhosa e os resultados sejam pobres, sabe-se há alguns anos que não só os jovens em casas correcionais eram utilizados para trabalhos forçados (trabalho para a igreja, em pântanos e na montagem de pequenas peças, por exemplo para Miele, Braun, Rowenta, Grundig e no comércio atacadista de eletricidade em Colônia), mas que muitas das casas de trabalho operadas durante a era nazista ainda estavam em uso. A última oficina na República Federal da Alemanha, a oficina Brauweiler perto de Colônia, existiu até 1968, e os parágrafos sobre o confinamento da oficina só foram finalmente abolidos entre 1969 e 1974. Os ganhos diários variavam de um estado federal para o outro; na Baviera eram pagos apenas até um marco por dia e em outras áreas até um máximo de dois marcos por dia. A semana de 44 horas prevaleceu. As áreas de trabalho foram: Agricultura, em serralheria, carpintaria ou alvenaria, tecelagem, alfaiataria e lavanderia, silvicultura, jardinagem e serraria. Ocupações “masculinas” como serralheria eram reservadas para homens e mulheres eram empregadas em áreas de trabalho consideradas adequadas para mulheres como costura, limpeza e lavanderia. Trabalho escravo  após o Nacional Socialismo  – República Democrática Alemã (RDA – leste) Há evidências de que desde os anos 70 a RFA se beneficiou do trabalho …

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  • A “solidariedade” da Venezuela a Manaus e a White Martins

    Vivemos um dos momentos mais lastimáveis para o povo pobre e trabalhador, que é a epidemia do novo coronavírus, a famosa e perversa covid-19, que já bate mais de 200 mil mortes no Brasil. Diante desta catástrofe se soma a negligência, o negacionismo e a confusão da polarização sobre o vírus mais letal do século, vindas por parte do próprio governo. Governo este que durante a pandemia zerou o imposto para importação de armas enquanto elevou o imposto para importação de oxigênio em plena pandemia. A situação se agravou e, em questão de semanas, faltaram vagas nos hospitais e covas nos cemitérios – isso para o povo que trabalha, porque para os ricos, teve até atendimento aéreo. Recentemente o caso de Manaus tem despertado a revolta contra esse massacre governamental aos pobres. O Estado do Amazonas que já sofreu mais de 6 mil mortes oficiais pela pandemia (números obviamente subnotificados), teve sua situação drasticamente agravada nos últimos dias devido à falta de cilindros de oxigênio, aprofundando a lógica da exclusão, eliminação e massacre da população trabalhadora nesse momento. Na mesma época em que a situação começou a se agravar em Manaus, o ex-senador e ex-prefeito Arthur Virgílio Neto, do PSDB, contraiu o COVID-19. Ele pegou um voo direto para São Paulo, ficando internado 31 dias no Hospital Sírio Libanês – o hospital mais caro do país – diferente do povo, que agora está sendo sufocado pela falta de cilindros de oxigênio. A recente repercussão sobre a solidariedade do governo venezuelano que permitiu que o Brasil importasse tubos de oxigênio, que doou remessas de oxigênio e enviou médicos, não esconde o fato de que vivemos em um sistema capitalista no qual a Venezuela se inclui, ao contrário do que as ilusões geopolíticas da esquerda frequentemente querem fazer acreditar. Por mais louvável que seja a ajuda humanitária da Venezuela para Manaus, com todo o compreensível gozo gerado pelo constrangimento ao governo genocida de Bolsonaro. A esquerda esquece que a culpa da tragédia não é apenas da política genocida do Estado brasileiro, que já sabia com dez dias de antecedência que o oxigênio iria acabar em Manaus, mas é sobretudo da própria indústria farmacêutica que tem batido recordes de lucros com a pandemia sem se dar o trabalho de sequer garantir a demanda de itens essenciais, pelo contrário, tem lucrado mais com a carência de insumos básicos, o governo brasileiro neste contexto tem sido coerente a essa lógica capitalista onde os lucros importam mais que vidas. A empresa responsável pela produção e distribuição do oxigênio médico em Manaus (assim como a maior do setor na Venezuela, país de onde a White Martins também agora exporta oxigênio para sua filial do outro lado da fronteira) é uma empresa privada do setor químico, a multinacional White Martins, que pertence ao grupo Linde plc, conglomerado de empresas alemãs e americanas sediado na Irlanda. Seu histórico segue as características da classe patronal: crimes laborais, negociatas nos parlamentos, acúmulo de capital de gerações e gerações de trabalhadores e rapinagens. Homens, mulheres e até crianças passaram por dentro das fábricas, produziram e foram descartadas que nem um nada. No começo dessa crise sanitária, com uma doença avassaladora, esta empresa foi uma das grandes empresas a crescer assustadoramente nas vendas de ações, depois de inúmeros diagnósticos feitos por profissionais da saúde de que um dos sintomas causados pelo vírus é a falta de ar. O crescimento econômico da empresa é justificável com a demanda: vendas de tubos de oxigênio médico para Estados nações e hospitais privados. Em outras palavras, super lucros com a desgraça, a exploração e a morte. Em uma rápida pesquisa na internet encontramos como a empresa White Martins se negava a pagar adicional de insalubridade a trabalhadores expostos a situações de risco e foi condenada na justiça depois de ação do sindicato dos trabalhadores químicos, a realizar esses pagamentos desde o fim de julho de 2020. Também encontramos uma notícia sobre uma paralisação feita nas fábricas da White Martins em Campinas e Paulínia (SP) devido a empresa ter desrespeitado o acordo de reajuste salarial dos trabalhadores. Outra notícia, um pouco mais antiga, de 2009, do Sindicato dos Metalúrgicos da Região Sul Fluminense, mostra como a unidade local da White Martins estava desrespeitando os trabalhadores com demissões injustas e o não pagamento do adicional de insalubridade. Encontramos também um jornal do Sindicato dos Petroleiros do RJ convocando uma ação popular contra a venda de participação no setor de gás da Petrobras para a White Martins, assim como diversas irregularidades praticadas pela empresa, incluindo diferentes condenações, como multas por formação de cartel e por  superfaturamento na venda oxigênio para hospitais públicos em Brasília,  Rio de Janeiro, e inclusive para o Hospital Central do Exército também no Rio. Os recentes aumentos do preço do gás de cozinha, que se estima que pode atingir de 150 a 200 reais a unidade nos revendedores em 2021, tem o dedo da White Martins. Em 2020 ela conseguiu aumentar sua influência na Petrobras (fechando o mesmo acordo de compra de 40% da Gás Local que o jornal de 2006 que citamos acima dos Petroleiros lutava contra). Acreditamos que a triste situação que vive o Brasil durante a pandemia é culpa desse sistema capitalista que põe os lucros privados de um pequeno número de capitalistas nacionais e internacionais acima da vida da maioria da população. Nesse cenário onde a sabotagem patronal ou estatal e o lobby tem dado as cartas, é urgente lembramos que a solidariedade entre os de baixo é a única capaz de criar novos sentidos pra vida para além da acumulação de capital, tornando possível pensar em nos reapropriar da produção necessária para reprodução da saúde e da vida. Somente abandonando as ilusões com falsos salvadores Estatais ou empresariais, com laços de solidariedade reais entre os de baixo, com o fortalecimento de nossas organizações, lutas e da nossa autonomia, poderemos voltar a pensar em um mundo em que a vida seja mais importante do que o lucro. Por Helder Aguiar entregador …

  • Quanto vale as nossas vidas para USP?

    1. A situação de estudantes cruspianos Desde a “crise fiscal” declarada pela Universidade de São Paulo (USP) em 2014, a universidade pouco tem feito pela ampliação de políticas de permanência estudantil.[1] Pelo contrário, ao invés de melhorar, o que vem se presenciando é um processo contínuo de degradação da infraestrutura do Conjunto Residencial da USP (CRUSP), destinado a estudantes de baixa renda. Essa degradação está associada com a redução do quadro de funcionários encarregados de realizar as manutenções necessárias do CRUSP, a intensificação do trabalho de funcionários que não foram demitidos e a precarização via terceirização. Essas mudanças no quadro se devem aos programas de PIDV (Programa de Incentivo à Demissão Voluntária) realizada pela reitoria justamente para cortar “gastos” e que foi responsável pela demissão de mais de 3600 funcionários.[2] Em uma de suas declarações, o atual reitor, Vahan Agopyan, em entrevista ao Jornal UOL, declarou que a Universidade não deveria assumir um papel “assistencialista” que, supostamente, ela vinha assumindo cada vez mais em decorrência da aprovação das cotas. Segundo ele, esse aumento do seu papel “assistencialista” estaria expresso nos números de parte do orçamento da universidade destinado à permanência, que teria passado de R$ 170.724.142,00 em 2013 para R$ 217.378.575,00 em 2017.[3] Contudo, na contramão dos altos gastos, apresentados com pouca transparência na execução orçamentária, o que se percebe nesses últimos 6 anos é.uma intensiva piora nas condições de permanência de estudantes pobres e negros na USP. Um teste empírico pode ser feito simplesmente andando pelo CRUSP, entrando em suas cozinhas, lavanderias, olhando para a estrutura dos prédios, e percebendo facilmente que não está sendo feito o básico: a manutenção da infraestrutura do CRUSP. A paisagem, dessa forma, é de lavanderias sem funcionamento, cozinhas com fogões sem bocas, pias sem torneiras, prédios com rachaduras, infiltrações e com constante falta de água em blocos inteiros. Situações marcantes da história da residência estudantil também contrastam com os muito gastos mencionados pelo reitor. Basta lembrarmos que, em setembro de 2017, um apartamento do CRUSP no Bloco G pegou fogo. Na ocasião, o alarme de incêndio além de demorar para ser acionado, quando disparou, o seu som foi tão baixo que não permitiu que os moradores ouvissem e evacuasem o prédio. O apartamento que pegou fogo, aliás, não continha velas acesas, incensos, fogão ligado ou qualquer tipo de chama que pudesse ocasionar um incêndio. Sendo assim e, levando em consideração a ocultação da Superintendência de Assistência Social da USP (SAS) sobre os resultados da perícia feita acerca da tragédia, tudo levou a crer que o que ocorreu estava relacionado com a precarização da infraestrutura.[4] Outro fato marcante foi a retirada, em 2019, do passe estudantil de moradores do CRUSP, o que significou, na prática, inviabilizar estágios, realização de disciplinas fora do campus e de acesso à cultura em geral.[5] Quer dizer, a USP, na prática, desmontou o seu tripé estruturante que consistia em “Educação, Pesquisa e Extensão” para estudantes pobres. Outro exemplo histórico, por fim, é sobre a ampliação do acesso à Universidade pela aprovação das cotas que não se deu com uma contrapartida na ampliação do número de vagas do CRUSP para atender o aumento na demanda por moradia, conforme mostram os dados adquiridos por meio da Lei de Acesso à Informação sobre os pedidos por moradia e as vagas concedidas atenção para o fato de esses dados serem anteriores à aprovação das cotas): AnoInscritosVagas Concedidas201524832272016305723020173832165 Esse processo de precarização configurou o cenário do CRUSP ao longo da Pandemia. A USP pouco fez: não providenciou manutenção das cozinhas, lavanderias e nem a instalação de internet. As marmitas, além de serem feitas por trabalho precário das terceirizadas, são igualmente precárias do ponto de vista nutricional[6]. Os modems disponibilizados demoraram para chegar, fazendo com que muita gente tenha perdido boa parte das suas aulas. Os suportes de álcool em gel instalados no início da pandemia encontram-se vazios há meses. Assim, não ocorreu nem mesmo a manutenção das medidas sanitárias adotadas no início da quarentena pela Reitoria. Assim, contrariando o discurso do Reitor de que houve ampliação das políticas de permanência, discurso que alimenta outros ainda mais estúpidos como os que responsabilizam os próprios moradores pela precarização, o que se verifica é uma precarização politicamente assistida, isto é, que causadas pelas medidas de austeridade adotadas pela USP a partir de seus órgãos de deliberação, como o Conselho Universitário, e que abre caminho para a expulsão seja direta, na medida em que há um papel ativo da SAS na perseguição e ameaça de estudantes que moram de maneira irregular na moradia, dada a falta de vagas, e de estudantes regulares, que são ameaçados por acolherem estudantes ingressantes que precisam de moradia[7]; seja indiretamente, tornando inviável morar no CRUSP dado sua precariedade, conduzindo à evasão.[8] O descaso com a vida de seus estudantes pobres, por fim, se mostra patente com a decisão arbitrária da USP de sediar, dos dias 19 a 24 de Novembro, o Boat Show, maior evento náutico da América Latina, destinado à venda de barcos que chegam à 30 milhões de reais e que irá atrair cerca de 30 mil visitantes. A USP ganhará 400 mil reais para sediar o evento, enquanto o lucro do evento é previsto em 260 milhões de reais. 2. Precarização do trabalho em plena quarenta: neomalthusionismo uspiano? Em plena pandemia, a USP apertou o torniquete de suas trabalhadoras e trabalhadores, sobretudo os terceirizados. A USP, em agosto, anunciou o corte de cerca de 25% dos contratos com as empresas terceirizadas.[9] O que significou que muitos trabalhadores perderam seus empregos em plena pandemia. Além disso, os que ficaram, foram submetidos a um trabalho mais intenso e precário, sem EPI’s (Equipamentos de Proteção Individual) adequados. Além disso os trabalhadores de segurança da empresa Albatroz estão tendo que fazer jornadas extras sem aumento da sua remuneração. Em decorrência das demissões, além de fazer a segurança das portarias, estão fazendo a segurança do CRUSP e, ainda pior, são também obrigados a fazer a segurança do evento BOAT SHOW, uma farra para venda …

  • Para entender as eleições nos EUA.

    (O espectro de uma ditadura trumpista e a inutilidade da alternativa democrata) Os Estados Unidos tratam a si mesmos como um modelo de democracia, e é sob pretexto de levar “democracia” e “liberdade” ao restante do mundo que eles promovem invasões armadas, guerras civis, golpes de estado, derrubada de governos, atentados e assassinatos políticos, campanhas de desinformação, sanções comerciais, bloqueios diplomáticos e outros tipos de interferências na política de outros países. Na verdade, o governo dos Estados Unidos está assim apenas assegurando os negócios de suas megacorporações, às custas dos povos do mundo inteiro. Mas a questão é que, em sua própria política interna, os Estados Unidos são um país muito pouco democrático, o que se atesta pelo fato de que nem sequer existem eleições diretas para presidente. Além disso, apenas dois partidos participam das eleições, exercendo um monopólio burocrático das formas de participação política, por meio de diversos mecanismos institucionais que bloqueiam qualquer possibilidade de disputa de programa de governo, para não falar em representação de classe.     Neste texto faremos uma apresentação sumária da história e das particularidades do sistema eleitoral estadunidense, na primeira parte; e numa segunda parte discutiremos os riscos que esse sistema representa, particularmente na eleição de 2020, pelo fato de que será uma das eleições mais polarizadas da história e podem pela primeira vez registrar um caso em que um presidente se recusa a aceitar um resultado desfavorável (ou mesmo trabalha para impedir que haja um resultado discernível), de modo a permanecer no cargo. Loja queimada durante os protestos em Minnesota este ano.     1. Particularidades do sistema eleitoral estadunidense     Os Estados Unidos foram fundados por uma oligarquia de latifundiários escravistas, que liderou uma guerra de independência contra a Inglaterra entre 1776 e 1783 e depois impulsionou a expansão para o restante do território que hoje ocupa. Essa expansão se deu por meio do genocídio das tribos nativas e do roubo puro e simples de terras de colonização espanhola (com as quais o atual México teria quase o dobro do tamanho). Essa oligarquia dos venerados “pais fundadores” criou uma série de mecanismos para garantir que o poder político de sua classe jamais fosse ameaçado. A burguesia estadunidense mudou de composição ao longo dos séculos, saíram os latifundiários escravistas e vieram os industriais e financistas, mas esses mecanismos antidemocráticos continuam em vigor até hoje.     O primeiro desses mecanismos é a eleição indireta. O presidente dos Estados Unidos é eleito por um colégio eleitoral, composto de 538 delegados, que são escolhidos em cada estado. Para vencer a eleição, é preciso ter 270 delegados no total. Na eleição presidencial, quem ganha a votação em um determinado estado, leva todos os delegados desse estado para o colégio eleitoral (de um total de 50 estados, em apenas 2, Maine e Nebraska, essa regra não é obrigatória). Desse modo, torna-se matematicamente possível que um candidato tenha um número maior de votos da população, mas tenha menos delegados no colégio eleitoral, e assim perca a eleição. Suponhamos que um candidato ganhe em 24 estados por uma proporção esmagadora de 80% contra 20%, mas perca nos outros 26 estados por uma votação apertada, como 52% contra 48%. Nessa hipótese, o candidato com os 26 estados, mesmo que na soma geral tenha menos votos populares, vai ter mais delegados no colégio eleitoral e vai ganhar a eleição.     A conta acima não é exata, está bem exagerada para efeito didático, porque os 50 estados não têm números iguais de delegados, mas ao contrário, uma quantidade que é bastante variável, proporcional à da população do estado. Assim, por exemplo, a Califórnia tem direito a 55 delegados, o Texas tem 38, enquanto que estados menos populosos, como Alaska, Vermont, Delaware e o Distrito Federal têm apenas 3 cada um. Os delegados não são conhecidos do eleitor, variam de estado para estado, podem ser pessoas com qualquer tipo de cargo, deputados, representantes dos partidos, etc. A lógica do sistema é que cada estado pode decidir pelos meios que quiser os delegados para o colégio eleitoral (também chamados “grandes eleitores”), que podem ser selecionados por decisão do legislativo ou executivo estadual conforme o caso, e não sempre obrigatoriamente pelo voto popular (dos “pequenos eleitores”), o qual também pode ser apurado de diversos modos.     O pretexto oficial para esse sistema é a intenção de evitar que estados ou regiões mais populosas mandem no país inteiro, obrigando os candidatos a ter representatividade em todas as regiões, fazer campanha e ter votação em todos os estados, além de não ter que recorrer a uma eleição indireta pelo Congresso, como num sistema parlamentarista. O colégio eleitoral está em funcionamento desde a escolha do primeiro presidente, em 1789, uma época em que as mulheres ainda não votavam, nem os negros, que eram escravos, bem como outras minorias que não tinham cidadania. A última tentativa de mudar o sistema aconteceu em 1934, quando uma emenda constitucional por eleições diretas perdeu no Congresso, por apenas um voto.     Mesmo com esse cuidado com a representação proporcional dos estados por população, já aconteceu em algumas ocasiões na história de um candidato vencer no voto popular, mas perder no colégio eleitoral. Nas 58 eleições presidenciais realizadas até hoje, houve 5 casos em que o candidato mais votado pela população perdeu no colégio eleitoral: 1824 (primeiro ano em que o voto popular foi contado nacionalmente), 1876, 1888, 2000 e 2016.     Essa estrutura foi montada pelas oligarquias dominantes, na verdade, para impedir que surjam forças políticas independentes, e para fazer com que apenas os dois grandes partidos (que hoje são o Democrata, representado pela cor azul, fundado em 1828 e herdeiro de várias combinações e transformações desde então, e o Republicano, de cor vermelha, fundado em 1854), sejam capazes de fazer campanha em todos os 50 estados e tenham chance de ganhar a eleição. Existem vários outros partidos menores e candidatos independentes, mas a sua participação nunca vai de algo mais do que simbólica. Os dois grandes partidos possuem, portanto, um monopólio da …

  • Professor e Rapper conta sua história com a música desde a periferia da cidade de Guarulhos.

    Grafite realizado na E.E Cidade Soimco II – evento organizado pelos professores para desenvolver a conscientização na escola e no bairro através da arte. Minha história com o RAP começou ainda quando criança, mas o despertar aconteceu aos 10 anos, (com essa mesma idade perdi meu pai), quando os carros passavam batendo forte nos falantes com as músicas Fim de Semana no Parque e Homem na estrada, ambas dos Racionais MC´s, Disco Raio X Brasil, ficávamos ali tentando decorar as letras das músicas que descreviam toda a realidade ao nosso redor, mais de 20 crianças, brincando nas ruas o dia inteiro, e na minha mente, aquelas palavras das músicas faziam todo sentido quando eu andava pelas ruas. A partir de 1994, o RAP se fez ainda mais presente em minha vida, e influenciaria toda a minha adolescência, meu estilo de vida e gosto musical, a década de 90 foi uma fase maravilhosa para o RAP nacional com sua afirmação como cultura popular brasileira, e identificação direta com todas as favelas do Brasil, está em seu DNA, é característica desse movimento, ser a voz dos excluídos. Com 16 anos, comecei a rabiscar meus primeiros versos, em 2004 conheci os integrantes da antiga rádio de RAP Costa Norte, aqui de Guarulhos, e durante esse tempo fui desenvolvendo e adquirindo ainda mais experiência sobre esse movimento. Grafite realizado durante gravação do clipe Durante o ano de 2012 comecei a fazer apresentações na Cidade de Guarulhos, em sarais, ocupa a praça e outros eventos pela Cidade. Mas foi em 2013 que aconteceu uns dos momentos mais gratificantes durante essa caminhada, em 22 de Setembro daquele ano, ocorreu o Primeiro Congresso de Hip Hop de Guarulhos, com a participação de vários Rappers conhecidos Nacionalmente e Mundialmente, como Dexter, GOG, DJ KL Jay, Renan Inquérito, Alessandro Buzo, Sharylaine entre tantos outros, e mais trinta coletivos da Cidade do qual eu fazia parte de um, poder cantar no mesmo palco em que os cantores que você cresceu ouvindo estão, é alucinante, não tem preço, esse dia ficará gravado na memória, por tudo que representou. A Música Hecatombe Social nasce no mesmo ano do congresso, porém a gravação e o vídeo clipe ocorreu em Agosto de 2020, e as condições sociais que a letra retrata não mudaram em nada na vida dos brasileiros, da mesma forma que esses problemas se arrastam desde o final do século XIX, com o fim da escravidão nossos antepassados não tiveram nenhuma reparação cultural, social, financeira ou histórica, foram jogados às margens da sociedade e perseguidos posteriormente, com a República Velha os militares tomaram gosto pelo poder, e iram utilizar desses artifícios no século XX e século XXI, e durante a República Oligárquica as elites desenvolveram um sistema politico corrupto, que as mantinham no poder e garantiam seus privilégios e cargos, problemas Sócio-político que perduram até os dias atuais. O Grito da Abolição foi dado em 1888, mas ainda não surtiu efeito, assim como tantos outros gritos que foram dados e sufocados em seguida pelo sistema. Por Garub, professor de escola pública e rapper da periferia da cidade de Guarulhos. https://youtu.be/PiuUF0v7H5I Novo clipe Hecatombe Social. Agradeço ao Nocivo Shomon e a Bushido pelos projetos que vêm sendo realizados com os Mc’s. Esses projetos estão fazendo a diferença na vida de milhares de excluídos. HECATOMBE SOCIAL ENCONTREM O AMOR E MULTIPLIQUE EM PASSOS LARGOS OU SOBRARÃO ESTILHAÇOS DE C4 EMBARGOS INFRINGENTES LEGALIZA A CORRUPÇÃO RESULTADO! MISÉRIA, VIOLÊNCIA EXECUÇÃO NO CAIXA ELETRÔNICO POLICIA OU LADRÃO DE QUEM É A AUTORIA? DA EXPLOSÃO? AUMENTE O ZOOM COPIEM A DIGITAL SÉCULO XXI A ESPIONAGEM É VIRTUAL LENTES POTENTES VIGIANO, MINHA VIDA E A SUA SÓ NÃO VIGIA NO BRASIL CRIANÇAS IDOSOS MORRENDO NAS RUAS AVANÇOS NANO TECNOLOGIA PORÉM SERVIÇOS BÁSICO NAS FAVELAS AINDA É O SONHO DE CADA DIA SEGURANÇA,EDUCAÇÃO ,MORADIA, SAÚDE LAZER COM A FAMÍLIA INFELIZMENTE COMO PODEMOS VER O EXTREMO ENTRE O QUERE E PODER TE É INCALCULAVEL ALI SURGI UM NOVO PERSONAGEM O FRIO A FOME SÓ NA PELE PRA SABER SEI QUE É FRUSTRANTE PORQUE SE ILUDE? SUBTRAIDOS, ENGANADOS, ESQUECIDOS DESDE O CORDÃO UMBILICAL HOJE TEM NAS RUAS O INVASOR SOCIAL ARTG. 5º DA CONSTITUIÇÃO, É O MENOR DE FUZIL NA MÃO ENQUANTO AS COISAS NÃO MUDAREM ENTÃO SE PREPAREM Vida loka, TALIBÃS, Hamas, KAMIKAZES CANUDOS,ANABATISTAS COMUNAS,LAMARCAS,EXTREMISTAS PROLETÁRIO NAS RUAS QUE AS VOZES SI DIFUNDAM A CONTRA PARTIDA ARISTOCRACIA, BURGUESIA PLAYBOIZADA NÃO ABREM MÃO DA MAIS VALIA ENTAO SEGURA A RAJADA HOJE OS MINISTÉRIOS PRO POVO É UM MISTÉRIO O PARAISO ELE É FISCAL DINHEIRO PÚBLICO DESVIADO PARA O EXTERIOR NA FAVELA SÓ QUANDO CRIANÇA PRA PENSAR EM SER DOUTOR SEGUE O PRANTO POBRE BRASILEIRO É ABATIDO EM HOSPITAL NO JORNAL PAGINA POLICIAL PROTEÇÃO SÃO SEBASTIÃO PORQ NO RIO DESDE A ABORDAGEM DA POLÍCIA O AMARILDO SUMIU EM SP GRUPOS DE EXTERMINIO É EXTREMO O GENOCIDIO SOBREVIVO EM MEIO HOLOCAUSTO MULTI ESTADUAL MASSA MANOBRADA NOVELA PUTARIA FUTEBOL TABACO, ALCOOL É LETAL MAIS TÁ TUDO LIBERADO NA TV TÁ NO COMERCIAL SEDUÇÃO PRA TE ARRASTA PRO MAL Tipo GOSTH VC NÃO VÊEEEEE

  • Declaração da Coalizão Global pela Abolição das Prisões

    A pandemia do COVID-19 deu nova urgência à necessidade de abolir prisões, campos de refugiados, centros de detenção de imigrantes e o desumano sistema carcerário capitalista. As populações de prisioneiros e refugiados estão enfrentando uma iminente sentença de morte pela rápida disseminação do vírus nas condições insalubres e lotadas de prisões, campos e centros de detenção em todo o mundo. Enquanto isso, a dependência contínua de vários Estados no trabalho de prisioneiros(as), incluindo a produção de artigos de higiene e equipamentos médicos, deixou os presos(as) vulneráveis ​​à infecção devido à impossibilidade de distanciamento social na produção e, também, agravou as longevas condições de roubo de salário e crônico excesso de trabalho. Tradução: Mundo sem prisões. Houve protestos e greves de fome dentro de centros de detenção e prisões nos EUA, Irã, Itália, Colômbia, Venezuela, México, Líbano, França, Canadá, Índia, Egito e outros lugares, além de fugas de prisões no Irã e no Brasil. Na Turquia os presos políticos curdos tem a antecipação de liberdade negada, e os prisioneiros palestinos nas prisões israelenses foram completamente isolados do mundo exterior e tiveram negado o direito de usar os telefones públicos das prisões. Grupos de solidariedade com imigrantes e pela abolição das prisões reivindicam um plano abrangente para libertar pessoas de cadeias, prisões e centros de detenção e organizam caravanas de carros em protesto em frente a alguns centros de detenção. Essa pandemia nos obriga a criar um movimento global pela abolição de prisões que entenda e confronte as conexões entre prisões, campos de refugiados, centros de detenção e infraestruturas de vigilância com o racismo, o heteropatriarcado, o machismo, o imperialismo e a desumanidade do sistema capitalista global. Exige que os abolicionistas apresentem alternativas a todas as formas de violência estatal, exploração e dominação. Esta coalizão estabelece ativamente conexões entre lutas nacionais e internacionais e entre presos(as) políticos(as) e presos(as) sociais, que são em sua maioria da classe trabalhadora, vítimas da pobreza, racismo, marginalização e negligência. Nossa posição em relação à abolição da prisão é baseada na necessidade de uma alternativa ao capitalismo, porque o capitalismo é carcerário e autoritário, seja nas formas neoliberal ou estatista. Estamos vivendo um momento crítico da história. As elites capitalistas estão aterrorizadas por um possível colapso de um sistema que se preocupa apenas com o lucro e a acumulação de capital. Para eles, a vida de trabalhadores(as) precarizados(as), mulheres, negros e negras, povos originários, minorias étnicas ou religiosas, prisioneiros(as) e refugiados(as) é descartável. Estamos vendo o colapso de redes econômicas inteiras, mesmo quando pessoas pobres estão sendo enviadas para a morte para sustentar o espírito dos “negócios como de costume”. Os indivíduos encarcerados são um dos grupos que mais sofrem com a violência estatal e a exploração capitalista. Assim, um movimento comprometido em desmantelar as estruturas globais de poder que normalizaram a lógica carcerária de governar deve centralizar as perspectivas das pessoas encarceradas.  Até agora, a narrativa acadêmica dominante sobre as prisões girava em torno do modelo dos EUA e, mesmo lá, o sistema penitenciário relacionado aos migrantes recebeu menos atenção. Na realidade, cada país tem sua própria história e especificidades. As prisões são diferentes de um país para outro e, às vezes, até de uma região para outra dentro do mesmo país. Ao mesmo tempo, a atual pandemia mostra que a vida dos prisioneiros é descartável em qualquer lugar. A dor e o sofrimento dos(as) presos(as) são uma violação dos direitos humanos e uma questão global. Os(as) presos(as) percebem que a violência do Estado é uma linguagem universal. Infelizmente, há uma tendência por parte de muitos na esquerda global de ignorar a situação dos prisioneiros em alguns países e defender vários governantes autoritários sob o pretexto de se opor ao imperialismo dos EUA. Esse anti-imperialismo seletivo se recusa a defender prisioneiros em países como Síria, Irã, Rússia, China, Venezuela, Cuba e Nicarágua, mesmo que se oponham a todas as potências imperialistas e ao fundamentalismo religioso. A pandemia do COVID-19 e suas consequências genocidas obrigam os abolicionistas a se unirem para promover a solidariedade internacional e fazer a diferença em escala global. Como uma frente única de organizações e indivíduos, trabalhamos pelos seguintes objetivos: 1) Defender a libertação imediata de prisioneiros(as) com base na justiça restaurativa e nas práticas de justiça transformadora;2) Defender moradia segura, assistência médica, necessidades básicas e documentos para todos(as), incluindo migrantes e refugiados(as);3) Criar plataformas para divulgar os casos de presos(as) políticos(as) e sociais e desaparecidos(as) à força, muitos dos(as) quais foram torturados(as) por Estados repressivos e milícias;4) Opor-se à execução e tortura, incluindo a violência e execuções policiais;5) Opor-se à exploração de prisioneiros(as) como trabalhadores(as);6) Promover o debate sobre uma sociedade alternativa livre de trabalho alienado e da lógica do capital, onde as decisões possam se basear em deliberações ponderadas, centradas no bem-estar da humanidade e da natureza, e de base comunitária dentro de uma rede internacional de cooperação;7) Imaginar e trabalhar por um mundo sem prisões, campos e centros de detenção, asilos, fronteiras e outras formas de cativeiro. Convidamos organizações e indivíduos que concordam com esses objetivos a participar dessa iniciativa. (Para ver essa declaração traduzida em outros idiomas, assim como a lista de organizações signatárias e outros textos da coalizão acesse o site World Without Prisons) Na faixa esta escrito: “a prisão mata”.

  • Black Lives Matter pode ser o maior movimento da história dos EUA

    Os recentes protestos do Black Lives Matter atingiram o pico em 6 de junho, quando meio milhão de pessoas compareceram em quase 550 lugares nos Estados Unidos. Esse foi um único dia em mais de um mês de protestos que ainda continuam até hoje. Quatro pesquisas recentes — incluindo uma divulgada esta semana pela Civis Analytic, companhia de ciência de dados que trabalha com empresas e campanhas democratas — sugerem que cerca de 15 a 26 milhões de pessoas nos Estados Unidos participaram de manifestações pela morte de George Floyd e outros em últimas semanas. Esses números tornariam os protestos recentes o maior movimento da história do país, de acordo com entrevistas com estudiosos e especialistas em contagem de multidões. “Nunca vi relatos de participação de protesto tão altos sobre uma questão específica em um período tão curto”, disse Neal Caren, professor associado da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, que estuda movimentos sociais nos Estados Unidos. Embora seja possível que mais pessoas disseram que protestaram do que realmente tenham feito, mesmo que apenas metade tenha dito a verdade, as pesquisas sugerem que mais de sete milhões de pessoas participaram de manifestações recentes. A Women’s March de 2017 teve uma participação de cerca de três a cinco milhões de pessoas em um único dia, mas esse foi um evento altamente organizado. Coletivamente, os recentes protestos do Black Lives Matter — de natureza mais orgânica — parecem ter superado em muito esses números, segundo pesquisas. “Realmente, é difícil exagerar a dimensão desse movimento”, disse Deva Woodly, professora de política da New School. A professora Woodly disse que as marchas dos direitos civis na década de 1960 eram consideravelmente menores em número. “Se somamos todos esses protestos durante esse período, estamos falando de centenas de milhares de pessoas, mas não de milhões”, disse ela. Mesmo protestos por independência ou para destituir lideranças governamentais geralmente são bem-sucedidos quando envolvem 3,5% da população no auge, de acordo com uma revisão de protestos internacionais feita por Erica Chenoweth, professora da Harvard Kennedy School que co-dirige o Crowd Counting Consortium, que coleta dados sobre o tamanho da multidão de protestos políticos. Por que esse movimento é diferente A participação precisa nos protestos é difícil de contar e levou a algumas disputas famosas . Um amálgama de estimativas dos organizadores, da polícia e das notícias locais frequentemente compõe o total oficial. Mas os registros de equipes de contadores de multidões estão revelando números de escala extraordinária. Em 6 de junho, por exemplo, pelo menos 50.000 pessoas compareceram na Filadélfia, 20.000 no Union Park de Chicago e até 10.000 na Golden Gate Bridge, segundo estimativas de Edwin Chow, professor associado da Texas State University, e pesquisadores do Crowd Counting Consortium. Nos Estados Unidos, houve mais de 4.700 manifestações, ou uma média de 140 por dia, desde o início dos primeiros protestos em Minneapolis, em 26 de maio, segundo uma análise do Times. A participação varia de dezenas a dezenas de milhares em cerca de 2.500 pequenas e grandes cidades. “A disseminação geográfica dos protestos é uma característica realmente importante e ajuda a sinalizar a profundidade e a amplitude do apoio de um movimento”, disse Kenneth Andrews, professor de sociologia da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill. Uma das razões pelas quais houve protestos em muitos lugares nos Estados Unidos é o apoio de organizações como o Black Lives Matter. Embora o grupo não esteja necessariamente dirigindo cada protesto, ele fornece materiais, orientação e uma estrutura para novos ativistas, disse Woodly. Esses ativistas estão indo às mídias sociais para compartilhar rapidamente detalhes de protestos para uma ampla audiência. O Black Lives Matter existe desde 2013, mas houve uma grande mudança na opinião pública sobre o movimento, além de um apoio mais amplo a protestos recentes. Um dilúvio de apoio público de organizações como a NFL e a NASCAR para o Black Lives Matter também pode ter incentivado o envolvimento dos apoiadores que normalmente ficam à margem. Os protestos também podem estar se beneficiando de um país que está mais condicionado a protestar. A posição contraditória que o governo Trump adotou em questões como armas, mudança climática e imigração levou a mais protestos do que sob qualquer outra presidência desde a Guerra Fria. De acordo com uma pesquisa do Washington Post e da Kaiser Family Foundation, um em cada cinco americanos disse ter participado de um protesto desde o início do governo Trump, e 19% disseram serem iniciantes em protestar. Quem está protestando Mais de 40% dos condados dos Estados Unidos — pelo menos 1.360 — tiveram um protesto. Ao contrário dos protestos anteriores do Black Lives Matter, quase 95% dos condados que protestaram recentemente são majoritariamente brancos, e quase três quartos dos condados são mais de 75% brancos. “Sem contrariar a realidade e o significado do apoio generalizado dos brancos no movimento nos anos 60, o número de brancos que atuavam de maneira sustentada na luta era relativamente pequeno, e certamente nada como as porcentagens que vimos participando nas recentes semanas”, disse Douglas McAdam, professor emérito da Universidade de Stanford que estuda movimentos sociais. Segundo a pesquisa do Civis Analytics, o movimento parece ter atraído manifestantes mais jovens e ricos. A faixa etária com a maior parcela de manifestantes era de pessoas com menos de 35 anos e a faixa de renda com a maior parcela de manifestantes era a que ganhava mais de US$ 150.000. Metade dos que disseram ter protestado disseram que era a primeira vez que se envolviam com uma forma de ativismo ou manifestação. A maioria disse que assistiu a um vídeo de violência policial contra manifestantes ou a comunidade negra no último ano. E dessas pessoas, metade disse que isso as tornava mais favoráveis ​​ao movimento Black Lives Matter. Os protestos estão colidindo com outro momento decisivo: a pandemia mais devastadora do país na história moderna. “Estar em casa e não ser capaz de fazer muita coisa, pode estar amplificando algo que já é meio crítico, algo que já …

Letras Invisíveis

  • Autocuidado

    Grafite de Nayara Amancio @_pocas.pretacharme Viro meus olhos ao avesso pra eu poder me enxergar com um pouco mais de apreço. Hasteio bandeira branca no topo da cabeça, para que minha mente não mais enlouqueça com minhas guerras internas.  Meu cessar fogo é energizar meu corpo através das forças da natureza. Curandeira de mim, inicio o dia com chá de alecrim. Grito Eparrey oyá e seus ventos vêm como um abraço pra me acalentar, os sopros tocam minhas feridas pra ajudar a cicatrizar. Eu decidi que vou me apaziguar. Abaixo as armas da auto sabotagem, que é pra dar menos tiro no pé. Procuro cuidar melhor da minha fé, removendo as balas da amargura e erguendo as armaduras do amor próprio. Não é fácil,  é um trabalho árduo, diário e solitário.  Grafite de Nayara Amancio @_pocas.pretacharme Pra minha sobrevivência, procuro a consciência de que eu não tenho poder sobre meu passado, mas sim sobre meu presente e meu futuro. Por isso, destruo os muros do pretérito que enrijeceram meu coração. O amor acabou no momento que a barriga cresceu, quem dizia fechar comigo não fechou. Típico do homem fraco, de espírito opaco, que pouco sabe sobre responsabilidade, e na hora que a vida exige um pouco mais de habilidade, as pernas bambeiam, não segura o rojão e se esconde que nem muleke fujão pra debaixo da saia da mãe. No nascimento do filho, tava na festa com os amigos. Dei o salve e não fez nem questão. E pra somar, a violência obstétrica que veio pra deixar sequelas, a cicatriz da episiotomia não autorizada me lembra através da dor que um momento que deveria ser sagrado, se tornou de muito malgrado, um trauma que eu trabalho pra que seja superado.  De Nayara Amancio @_pocas.pretacharme E pra ressignificar, se o tempo fecha, a solução pro meu peito aperreado é vir cortando a tristeza com machado.  Enquanto corto as raízes do meu próprio mal, entendo que chorar não me torna um ser vulnerável. Na verdade, chorar me retorna ao nível  estável. Quando necessário, meus olhos águam, e dependendo do dia, até trovejam. As dores correm junto com  as chuvas, e assim, as passagens se abrem menos turvas. Meu corpo pediu pra eu repensar a estratégia, porque as guerras internas estavam adoecendo as pernas, tava ficando difícil de andar…  Por isso me resgato e me cuido, prestando atenção em cada descuido, que é pra não descuidar mais de mim e ficar viva mais um dia. Por Nayara Amancio, 25, anos, moradora  do bairro Sol Nascente na Zona Oeste.  Mãe do Cauê e ativista na luta materna. Também grafiteira tendo como vulgo Pocas. Para conhecer meu trabalho no Instagram @_pocas.pretacharme

  • Segunda

    Nesta manhã abrir os olhos e simplesmente se levantar foi algo difícil para ele. Mas assim o fez, como fez também todos os demais gestos e movimentos mecânicos que fazemos ao acordar, gestos estes que vez por outra eram intercalados com caretas, sussurros, palavrões e lágrimas imperceptíveis, mas que certamente lhe molharam retina a dentro. O momento sagrado do banho lhe deu a deixa para recordar daquela sua outra vida, na qual é possível morrer saltando de paraquedas, despencando para sempre num abismo inexplicavelmente fundo ou por balas disparadas por um transeunte qualquer. E, mesmo após tantas torturas e mutilações, essa sua outra vida lhe permite sempre recomeçar, íntegro, sem cicatrizes ou sequelas. Esta dimensão ímpar de sua existência na qual passado, presente e futuro se fundem, perdem as bordas, na qual o campo do possível sempre dá as caras, é o que por falta de termo melhor denominamos sonho.  E assim, com o cair das primeiras gotas de água quente no piso opaco do banheiro, sua mente foi tomada por um transe silencioso, cheio de névoa, cor e desejo. O ato de fechar os olhos lhe despertou o ouvido interno, começou a escutar uma música que vazava pelas paredes. Ainda de olhos fechados se perguntou de onde este som vinha, tentou distinguir o ritmo que se confundia ao barulho do chuveiro  e com a água que caia em sua cabeça. Não tinha dúvidas, entretanto, de que a música tinha algo de urbano, algo de dançante, algo de noturno. Talvez uma transa entre o Hip-Hop e o Jazz.  Pensou que estivesse voltando a dormir, mas logo percebeu que estava apenas lembrando do sonho da noite anterior. Respirou fundo… se desinteressou por tudo aquilo. Ele nutria a opinião de que os sonhos em muito atrapalham a vida, pois neles quando não estamos em apuros ou a ponto de morrer por alguma coisa idiota e sem explicação, somo levados a acreditar que vivemos uma vida infinitamente mais saborosa que a nossa. Expirou… e este gesto mudou o seu dia.  Quando as camadas da memória já recobriam com indiferença a paisagem onírica de nosso amigo, o ato de jogar o ar para fora fez com que um solo de flauta irrompesse, e essa associação espontânea fez com que o deleite do sonho se instalasse de vez em seu corpo-mente. De repente se viu em uma sala, viu garrafas de bebida, viu pessoas a conversar. O ar estava quente, o ânimo de todos ali vibrava e parecia fazer coro com a música que saia dos altos falantes. Olhou suas mãos, riu, percebeu que estava chapado, e feliz. Riu mais um pouco,  até ser cortado por uma voz que disse: É antes o caos quem inventa as melhores ordens! Nada sossegaNem coisa, nem genteMas tudo sucede. Trações, interações e dispersõesO ciclo das coisasOs gestos da menteAs forças que conduzem a inquietação humana pelo espaço-tempo. Ouviu aplausos, e aplaudiu também. Antes que pudesse terminar de assimilar o sentido das palavras anteriores, ele foi chamado ao palco. Subiu, disse alguns versos e agradeceu a atenção dos presentes. Desceu do palco pensativo, ciente de que poetas morrem pobres mas que sabem amar a vida como poucos.  Abruptamente toda essa miríade de imagens foi embora pelo ralo. A consciência do tempo lhe puxa novamente a esta vida cronologia, lógica, na qual há prazos, metas, hora de entrada e hora de saída do trabalho. Diferentemente das regras e convenções que pautam o dia-a-dia nas empresas, escolas, faculdades e comércios, a temporalidade interna de nosso amigo não se guia pelo ponteiro do relógio, é antes um mar sem praias, fim ou começo. E sua consciência percorre lugares sem precisar da ajuda de avançados serviços de localização, pois ele não se esqueceu que as fronteiras sempre foram linhas imaginárias.  Mochila feita, cama arrumada, gato alimentado, tênis no pé, café em uma mão, primeiro cigarro do dia na outra, a certeza de que o pequeno atraso por conta do banho demorado vai lhe custar o lugar no ônibus, um olhar condescendente do chefe e alguma desculpa sincera porém inventada. Andando pela rua, os versos que disse em sonho se insinuaram, cairam por seus lábios: Há dizeres que cauterizam feridasHá dizeres que abrem veredasHá palavras bálsamo, que realizam o lutoHá palavras ato, que convocam à luta Há gramáticas esterilizantes, que se irmanam da morteHá gramáticas pulsantes, que se convertem em vida Deu uma gargalhada, a lembrança inesperada o deixou surpreso, meio besta. Anotou rapidamente as palavras em seu caderno e quase perdeu o busão. Deu sinal, entrou, por sorte ainda havia um lugar vago, mas isso agora pouco importava, pois neste dia viveu mais no sonho do que na realidade. Por Gutto – Sobrevivente do extremo sul de SP, observador da vida que como tinta teima em colorir as esquinas desbotadas das bordas do capital; amante das palavras e sofredor, logo poeta; preocupado com a alquimia das ideias, me fiz filósofo, por diversão e por necessidade; incomodado com a nossa subalternização diária, sou mais um daqueles pretxs, pobres e putos que dizem não.

  • Uma Nota da Carta ao Pai

    Uma das coisas que mais me intrigaram nos últimos tempos pensando nos processos das masculinidades é justamente o de perceber uma figura central na experiência do ser homem, a figura do pai. É evidente que nascemos e crescemos nos espelhando nas ações, práticas, conversas e tratamentos que nossas mães e pais dedicam a nós, afinal chegamos a esse mundo nus, uma nudez de experiências e valores que são passados pelo convívio das relações humanas. Mas, o diferente é perceber o quanto a figura do pai tem toda uma grossa camada de importância sentimental no processo de se entender e ser entendido como homem, isso é, seja relacionada com a presença, mas também a ausência da figura paterna masculina, sendo ela física ou afetiva. Com certeza, observar a paternidade como um dos maiores eixos, e em algumas visões o principal, da formação da masculinidade, está diretamente ligada com o se perceber como uma engrenagem num sistema de reprodução de valores sociais, que na família nuclear ocidental é a reprodução de uma masculinidade centrada no patriarcalismo, com duras expressões do machismo e com uma obrigatoriedade de assumir um papel de gênero historicamente e geograficamente delimitado, e que é o propulsor de uma série de ações e memórias em muito traumáticas para todos os que compõem o núcleo familiar, o agressor e a estruturas sociais. É nesse sentido que Franz Kafka, escritor tcheco e pequeno burocrata judeu, materializa toda a sua dor, indignação e tristeza… Emoções das duras vivências em sua relação com seu pai, que descreve em sua “Carta ao pai” de 1919. Kafka a escreveu como uma forma de possibilitar com que as palavras grafadas no papel expressassem tudo o que nunca sua garganta teve coragem de dizer à seu pai, Hermann Kafka. Um pensamento que me ocorreu durante toda a deglutição do livro é o de que, estranhamente, as duras sentenças que Kafka dedica a seu pai poderiam ser dedicadas a uma enorme quantidade de homens, cuja paternidade parte de uma experiência heteropatriarcal, de uma certa herança cultural colonial que se expressa dentro do ambiente familiar nuclear e suas relações… De observar o quanto poderiam ser dedicadas à sujeitos como meu próprio pai, meu tio, meu avô, e por vezes, mesmo que eu ainda não seja pai, a mim mesmo, em minhas relações… Kafka se dispõe a por essa dúzias de páginas, expressar não só a mais pura análise subjetiva e sistemática das relações desenvolvidas no seio de sua casa e da sua própria existência, mas de uma narrativa psicológica da experiência do ser filho desse homem e como isso influenciou absolutamente toda a sua vida, das mais diversas formas… No trabalho, nas relações amorosas, nas amizades, na sensibilidade… e em grande parte, de uma maneira negativa, com sentimentos muito ligados ao medo, à incerteza, à insuficiência, ao eterno medo da reprovação. Inicialmente, o autor elabora a obra como uma forma de responder à uma indagação de seu pai, um “porque você tem medo de mim ?”. Esse se mostra uma exercício fundamental para o movimento das ideias do autor. O medo sempre foi uma entidade ligada a seu pai, e que sempre o tutelou numa série de atividades da vida adulta como um fantasma. A experiência traumática que a relação com seu pai lhe trouxe se expressou durante sua vida através do medo, do medo da autoridade soberana que o pai exalava e que se fixou no seu caráter. Mas, é também no início do texto que o autor diz que acredita que o pai não tem culpa de todo esse processo, quando afirma: “Você só pode tratar um filho como você mesmo foi criado”, portanto que era “natural que fosse assim”, de alguma forma compreendendo o ciclo das opressões presentes na paternidade, isentando seu pai dos males a ele causado, reconhecendo seu papel dentro das instituições perpetuadas pela reprodução da estrutura patriarcal, do modelo da masculinidade dominante, isto é: todo o discurso ligado à virilidade, à força física, ao status social, ao poder sobre os outros corpos, à dominação sexual, moral, psicológica que deve exercer o homem sobre o universo. Compreensão essa que é central no processo de autoconhecimento e questionamento das nossas formações das masculinidades… Não o de espremer as memórias e os momentos traumáticos da relação paterna, já que esse me parece um exercício diário para os que lidam com situações de confronto com a expressão da masculinidade num processo autocrítico, mas o da prática empática e necessária de entender a relação cíclica de opressões, o que não significa isentar alguém da culpa, mas é tentar afastar a necessidade da vingança e da punição como forma de compreender melhor a questão estrutural do patriarcado. É comum ouvir o velho discurso do “meu pai me maltratava, mas eu sou diferente, não farei isso com você…” mesmo que na prática esses maltratos permaneçam estruturalmente na relação. Não basta apenas reconhecer esse processo, mas sim pensar em como ele se dá nas dinâmicas do cotidiano… O processo de afastamento do pai tóxico, por vezes, é só a mudança da roupagem das agressões, uma vez que o “O oprimido se tornou opressor” e não conhece outro modelo senão o da opressão, como Franz muito oportunamente relata no episódio em que ainda que um bebê seu pai o deixa para fora de casa por estar chorando, o que poderia ser ainda analisado sob a o discurso da educação punitivista como forma de socialização paterna, a eterna retórica do “Só assim pra aprender”. Outro nuance fundamental expresso na relação do autor e seu pai, é a grande influência que esse tem sobre a visão de mundo global do outro. “ [… para mim, você era a medida de todas as coisas.” E é partindo dessa régua chamada pai, um ser que observado da sua perspectiva de filho, de baixo pra cima, parece fisicamente com sua reflexão no espelho. O que tem o papel social de sustentação da sua vida (mesmo que materialmente, o trabalho de reprodução seja socialmente realizado pelas mulheres, …

  • Poesias antiracistas de Gloria Stefanie.

    Sem título Posso escutar os gritos Dos meus ancestrais Sendo chicoteados Por um branco sem coração Que diz que Preto não é gente Sinto a dor nas costas do açoite Que me machucam Ouço os gritos dos meus irmãos Pedindo misericórdia Sinto a dor De perder o corpo Para um homem branco Que acha que me domina Sinto a raiva de Zumbi Ao ver seus irmãos sofrerem Sinto Dandara dentro de mim Gritando por luta E ao mesmo tempo Seu corpo sendo jogado Na ribanceira (27/09/18) Mais um na multidão Socorro! Ouvi os gritos De uma mãe em desespero Ao ver o seu filho Jogado na escadaria Seus gritos são altos Cheios de dor Mas não são capazes De ressuscitar o filho Assinado pela polícia Dizem que ela era Um traficante E mais umas coisa aí Mas cê tá ligado, Que preto favelado Andando na rua Não precisa de razão para morrer Assim o estado faz Mata e depois vai Procurar o motivo (27/09/18) Gloria Stefanie, uma jovem preta de 18 anos, filha de uma mãe solo maravilhosa. Originária da Bahia mas residente de São Paulo desde os 4. Uma estudante na caminhada à Universidade com pretensões em Medicina. Autora de textos para a compreensão de mundo de maneira individual e também coletiva, assim, através das palavras luto por liberdade.

  • Diário da Pandemia

    Dia 24 de março, começo da quarentena em São Paulo. Acordei com choro de criança, era Maria minha filha caçula. Disse que teve um pesadelo onde todo mundo ficava preso dentro de casa e quem saia na rua morria.  Acho que as crianças estão vendo muito TV, agora que as escolas estão fechadas. Não consigo entreter eles com outras coisas.  Não posso sair de casa para trabalhar sem máscara, preciso comprar álcool em gel para as crianças e produtos de limpeza. Aqui em casa somos em três: eu e meus dois filhos. Não sei como vamos sobreviver em meio a essa pandemia. Na TV vejo a notícia: 47 mortos no Brasil.  O presidente pronuncia-se:  “No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado com o vírus, não precisaria me preocupar. Nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho”  “O vírus chegou, está sendo enfrentado por nós e brevemente passará. Nossa vida tem que continuar. Os empregos devem ser mantidos. O sustento das famílias deve ser preservado. Devemos, sim, voltar à normalidade.”  Dia 30 de março, amanhã preciso pagar o aluguel, ainda não tenho todo o dinheiro. Estou preocupada com a saúde das crianças, o menino acordou fraco e com dor de garganta. Preciso me acalmar um pouco, tento me distrair com a televisão. Escuto a notícia: 167 mortos no Brasil. Mas logo desligo.  – O que não estava no jornal?  David Nascimento vendedor ambulante de 23 anos. Cantor, sonhava em tomar os palcos com sua voz, foi morto depois de uma abordagem policial. Parece que para David a normalidade não funcionou, e nem seu emprego foi mantido, já que o mesmo era ambulante.  Dia 01 de abril, antes de ir ao banco receber meu auxílio passo na casa de minha mãe e do desocupado do meu pai. Fui levar limão, gengibre e um pouquinho de mel pra ela fazer aquele chá de sempre. Acho que ela se resfriou por causa da virada do tempo. Quando chego, me pega de surpresa o maldito jornal que tanto fujo: 244 mortos no Brasil.  E o que diz o presidente sobre o Brasil ter passado o número de mortos da China: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre.”  Fui na fila do banco receber o dinheiro em papel. 600 reais. A fila do banco tava enorme, era tanta gente precisando desse dinheiro. Voltei pra casa depois de muito tempo. No caminho peguei caixotes de feira. Comprei banana, maçã, laranja, mandioca, batata, repolho, alface, tomate e gengibre. Liguei a televisão e coloquei a comida para as crianças no prato. Comecei a preparar uma horta com as crianças no quintal. Para ver se eles se interessam com a terra e permanecem em casa.  Enquanto eles mexiam na terra eu fui limpar a casa. Depois voltei para trabalhar na rua, fui vender máscara de algodão – agora com toda essa coisa de pandemia não posso mais montar minha barraquinha de acarajé. O pobre tem que fazer de tudo pra sobreviver até mesmo durante a pandemia.  Trabalhei apreensiva e agitada. Nas favelas as crianças e os jovens estão todos na rua. Estão jogando bola no terreno da escola. Empinando pipa em cada morro… Parece que nada está acontecendo. Trabalhei depressa para voltar pra casa e cuidar do meus filhos.  Dia 20 de abril, aproveitei o sol para estender a roupa, depois fui na vendinha da esquina comprar um pouco de fermento para fazer um bolo pra Maria. A bichinha faz aniversário hoje e não pode comemorar com as crianças da rua. Chegando lá, seu Luiz da venda me diz: Oi dona Lourdes, como a senhora tá hoje? Cê viu na TV? mais de 2.575 mortos no Brasil e 113 em 24 horas. Tamo perdido com esse governo.  Nesse mesmo dia, em Monte Alegre:  Corpo de jovem de 21 anos encontrado baleado e não se sabe o que aconteceu. E não há interesse em saber, até porque é só mais um corpo, que agora já não produz mais.  Dia 25 de abril, a Dona Dalva e suas irmãs começaram a gritar pra todo mundo ouvir: O pastor Soares trouxe a cura para o vírus! Aos domingos vai nos atender na sua Igreja. No vídeo que ela me mostrou no celular, o pastor está fazendo uma oração ao copo de água, enquanto isso pede dinheiro aos fiéis. Eu já vi esse pastor na televisão, pensa que o povo é besta. Por que todo esses ricos gostam de ganhar dinheiro em cima do povo? Acho que é assim que eles fazem riqueza.  Dia 26 de abril, …O maior desafio do pobre da atualidade é não passar fome.  Dia 30 de abril, hoje o bairro acordou triste, seu Ramón, um dos fundadores aqui do Limão morreu. Não sabe se foi de coronavírus, mas o pobre homem estava sofrendo de pneumonia e hoje, aos 88 anos, faleceu. Sua família mal pode se despedir, só deixaram três pessoas entrar no cemitério, não teve nem velório. Quando essas coisas acontecem assim, tão perto da gente, sentimos mais. Deus me livre eu morro, o que ia ser dos meus filhos? Hoje em dia a vida do pobre tá valendo menos que os testes de coronavírus, você morre e nem sabe do quê. E a triste notícia da TV 5.901 mortos no Brasil e 435 em 24 horas, será que seu Ramón está entre esses números?  Enquanto isso em Osasco:  2 jovens foram assassinados pela polícia na Ocupação Esperança. Um deles suplicou pela vida enquanto recebia os impactos de bala em seu corpo, e toda a comunidade foi aterrorizada para ficar em silêncio. Essa é a normalidade?  Dia 01 de maio, …Liguei a televisão e estava no programa da Ana Hickmann. Ela nos desejou “um ótimo dia” e disse “parabéns a nós trabalhadoras”. Pergunto o que ela quis dizer com o “nós”.  Dia 19 de maio, ontem mais de 734 pessoas morreram. Pessoas que eram crianças, jovens e também adultos. Pessoas que …

  • As sinhás contemporâneas

    As sinhás contemporâneas lutam pelos direitos dos seus filhos,mas não conseguem sentir o mesmo pelos filhos de suas empregadas.Elas entendem todas as birras dos seus pequenos niñosmas não concebem que todos os filhos do mundo precisam de carinho. As sinhás contemporâneas não se condoem pelas crianças nos faróise não ligam de comprar o videogame de última geração para os seus filhos consumistas.Elas acreditam que a fome dos seus filhos é a mais importanteE que se dane a fome dos filhos dos restantes, principalmente os das diaristas. As sinhás contemporâneas não querem lavar louça na quarentenae, por isso, não se preocupam que a empregada se contamine.Pensam logo, se justificando:Meu conforto, acima de tudo;se ela se esforçasse mais, talvez teria outra vida. Fácil falar para as sinhás contemporâneasque há centenas de anos têm seus privilégios garantidos.Se tivessem que lutar como uma mulher negra e pobre pela sobrevivência,garanto: há muito tempo já teriam se extinguido. Por Dani Balam em 05/06/20 para Miguel, 5 anos, morto nesta quinta-feira (4). O garoto estava com sua mãe Mirtes, mulher negra e empregada doméstica, em Pernambuco. Descanse em paz pequeno, espero que consigamos não deixar ficar assim. Tempos difíceis… A seguir, imagens de protesto que surgiram nas redes pela morte de Miguel: 20 mil reais. O preço da fiança que a patroa pagou para não ser presa pela morte de Miguel.

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