A escola Cívico-Militar é um mecanismo de controle que promove a formação de “cidadãos-polícia” – indivíduos que, mesmo sem serem autoridades formais, vigiam e regulam o comportamento dos outros.

Na tarde de terça-feira, 21 de maio, a Assembleia Legislativa de São Paulo foi palco de um confronto catastrófico entre estudantes e o BAEP, Batalhão de Ações Especiais da Polícia Militar. O “crime” em questão? A defesa fervorosa de uma educação pública de qualidade. Seis estudantes foram detidos, circunstância que nos convida a refletir sobre o retrocesso representado pelas escolas cívico-militares, a real função da polícia a serviço da burguesia e o abolicionismo penal como ação direta.
O projeto do governador Tarcísio para a implantação de escolas cívico-militares foi aprovado com maioria esmagadora na Alesp, apesar dos muitos gritos de protesto. No plenário, 54 deputados votaram a favor, enquanto 21 foram contrários. O projeto de lei estabelece que, nas instituições que adotarem este modelo, policiais da reserva integrarão o quadro de funcionários, assumindo responsabilidades tanto pela administração quanto pela disciplina das escolas. O objetivo do governador é implementar esse tipo de gestão em 100 das 5 mil escolas municipais e estaduais de São Paulo até 2026.
Ao incorporarem policiais no corpo de funcionários para gerenciar a administração e a disciplina, impõem uma lógica ditatorial em sala de aula. Esta abordagem contradiz os princípios de uma pedagogia libertária, que valoriza o desenvolvimento do pensamento crítico. Em vez de promover um ambiente de diálogo, essencial para a formação de pessoas conscientes, enfatizam a obediência e a disciplina rígida, limitando a capacidade dos alunos de questionar as relações de produção em que estão inseridos.
Além disso, a militarização das escolas reforça estereótipos. A presença de policiais como figuras de autoridade cria um ambiente de intimidação, especialmente para estudantes negros e periféricos que já enfrentam discriminação e violência policial fora do ambiente escolar. Essa situação nos leva a refletir sobre o verdadeiro papel da polícia na sociedade e como esse papel será transposto para as práticas pedagógicas.
Na sociedade, a figura do policial emerge como um guardião, não da “ordem” – como dizem; mas da propriedade privada, essência da riqueza burguesa. A justiça, a polícia e as prisões atuam como espadas prontas para cortar qualquer rebelião que ameace o tecido social construído para manter a exploração. A educação, que poderia ser uma ferramenta poderosa de emancipação, é cooptada para servir aos interesses da classe dominante. Os jovens são treinados para se conformarem e aceitarem seu lugar nessa engrenagem perversa.
Se é próprio da burguesia manter o status quo, é da essência da juventude rebelar-se contra ele. Os estudantes secundaristas, ao longo do tempo, têm questionado e travado batalhas contra a polícia, em defesa da escola pública e do livre pensamento. A mobilização estudantil no Brasil em 2016 foi marcada por manifestações e ocupações de escolas secundárias. Tinham como objetivo barrar projetos e medidas dos governos estaduais e do governo do então presidente Michel Temer. Os estudantes protestaram contra a “PEC do teto de gastos”, o projeto “Escola sem Partido” e a medida provisória do Novo Ensino Médio.
Na tarde desta terça-feira (21/05), mais uma batalha se desenrolou, desta vez contra a implementação das escolas cívico-militares. Seis jovens foram detidos após uma ação truculenta da Polícia Militar. Levados à 27ª DP, em Campo Belo, zona sul da capital paulista, os estudantes passaram a noite na delegacia e compareceram a uma audiência de custódia na manhã seguinte. Agora, em liberdade provisória, devem se apresentar mensalmente à justiça.
Levando isso em consideração, a questão vai além da Justiça Penal e da detenção de estudantes; a teoria e a prática militante do abolicionismo penal se inserem de forma coerente nesse cenário. Essa perspectiva desafia a lógica punitiva que criminaliza a juventude e também se opõe à militarização das escolas pelo Estado, defendendo a abolição da própria polícia. A polícia não pode ser reformada. Uma maneira de resistir às escolas cívico-militares é promover um debate educacional que vise a abolição da polícia militar dentro e fora das dependências escolares.
O PL proposto por Tarcísio nas escolas, faz parte de um todo mais amplo que se conecta diretamente com arcabouço da Justiça Restaurativa, compreendida como engodo pelos abolicionistas penais mais radicais. A Política Nacional de Justiça Restaurativa no Brasil, formalizada pela Resolução CNJ nº 225/20161, visa diminuir o atrito entre classes sociais. A burguesia tem percebido cada vez mais que, diante da crise do atual modelo de justiça penal, marcado por falhas que geram insegurança, exclusão social e revoltas populares contra encarceramento, surge a necessidade de adotar uma nova abordagem para manter as relações de produção intactas.
O abolicionismo penal de Hulsman, tomado como ação direta diante de uma situação-problema, se faz libertário e aparta-se das possíveis capturas que reiteram as práticas punitivas, como ocorre com as novíssimas alternativas no interior do direito penal que lançam mão de práticas análogas ao modelo conciliatório, em novas propostas como a da Justiça Restaurativa, como forma de expandir os controles a céu aberto e a formação de cidadãos-polícia, deixando intocada a lógica punitiva que se refaz a cada movimento de reforma. (Augusto, p.168, 2012)2
Essa ideia se conecta diretamente com a militarização das escolas, um fenômeno onde instituições de ensino adotam práticas e estruturas típicas das forças armadas, promovendo uma disciplina rígida e uma vigilância constante sobre os estudantes. A militarização das escolas contribui para a formação desses “cidadãos-polícia”.
Hulsman propõe uma ação direta e radical que se distingue de outras abordagens do direito penal, como a Justiça Restaurativa. Embora a Justiça Restaurativa seja apresentada como uma alternativa ao sistema punitivo tradicional, o autor argumenta que ela pode, inadvertidamente, manter a lógica punitiva subjacente, expandindo os mecanismos de controle social e promovendo a formação de “cidadãos-polícia” – indivíduos que, mesmo sem serem autoridades formais, vigiam e regulam o comportamento dos outros.
Assim, a militarização das escolas ilustra como mecanismos de controle podem ser internalizados e disseminados na sociedade, muitas vezes sob a aparência de reformas benéficas ou necessárias. Essas práticas acabam deixando intocada a lógica exploratória que Hulsman critica, perpetuando um ciclo de controle e vigilância que contraria os princípios libertários da Educação.
Por Guilherme Pompeo — Natural de Barueri, militante anticapitalista, atualmente cursando Letras na UNESP de Araraquara e Professor Categoria O no Estado de São Paulo.
1 Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/atos-normativos?documento=2289
2 Augusto, Acácio. Abolicionismo penal como ação direta. A revista Verve, São Paulo, 21º Edição. p. 154 – 171p, 12, 2016. disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/verve/issue/view/1700 Data de acesso 23/05/2024.
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Salve compas,
trabalho na educação publica estatal, estadual, a 30 anos, sempre foi muito dificil, mas os debates eram interessantes, porem de uns anos para cá, a coisa ficou bem pior, hj convivo com professores que batem no peito e se dizem de direita, alunos que desde a eleição de bolsonaro se assumiam bolsonaristas. Coisa absurdas em relação a TUDO. Nunca tive ilusão na educação publica ou privada, sempre pensei ser mais um dos espaços de luta, resistencia e organização, então seguimos nessa luta. Parabens pela analise e texto.