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25 set 2024

ENGORDA DE PONTA NEGRA: DESTRUIÇÃO ANUNCIADA

Em 2021, o prefeito de Álvaro Dias propôs o projeto da engorda da praia de Ponta Negra (Natal), que começou a ser realizado no segundo semestre de 2024, em meio ao período eleitoral. Embora o projeto venha sendo discutido desde 2012. A obra inicialmente orçada em 70 milhões, já está em 107 milhões de reais. A engorda é um processo de alargamento artificial da faixa de areia das praias, retirando areia de do fundo do mar e colocando na costa.

As obras de engorda têm sido propostas como a “melhor” solução para lidar com as erosões das praias e o aumento do nível do mar. Também tem sido justificada como uma forma de gerar emprego a partir do “aquecimento” do turismo e da especulação imobiliária. Contudo, o que aparece, inicialmente, como uma preocupação “ambiental” com as erosões das praias, se revela no uma preocupação para a manutenção das regiões costeiras fontes de acumulação de dinheiro e concentração de riqueza na mão de grandes empresários do turismo e do ramo imobiliário.

Tais obras já foram realizadas em Balneária Camboriú (SC); Fortaleza (CE); Balneário Piçarras (SC); Florianópolis (SC); Matinhos (PR); Jaboatão dos Guararapes (PE); Vitória (ES); Guarapari (ES); Conceição da Barra (ES); Rio de Janeiro (RS). Mais recentemente, além da Praia de Ponta Negra, em Natal (RN), também foi anunciado um projeto de engorda em Recife (PE)1. Embora a realização de engordas date desde da década de 1970, a proliferação dessas obras é recente. De 1998 para cá, foram ampliadas artificialmente ao menos 38,8 km de faixa de areias.2

A multiplicação das obras de engorda, além disso, nos faz pensar como as engordas têm se transformado num “negócio” em si mesmo lucrativo para os consórcios empresariais que as realizam, capitalizando de maneira perversa os efeitos das mudanças climáticas produzida pela destruição da natureza pelo capitalismo. Assim, por exemplo, a empresa que irá realizar a obra de Ponta Negra é o mesmo consórcio que realizou a engorda de Balneário Camboriú – a DTA Engenharia. Essas obras, que custam em média de 80 à 100 milhões de reais, mobilizam muito dinheiro direta e indiretamente, se tornando, além disso, uma ocasião para a especulação imobiliária via turismo.

A erosão costeira e o aumento do nível do mar pelas mudanças climáticas tem uma mesma causa em comum: a destruição da natureza para alimentar a fome insaciável pela acumulação de dinheiro. O remédio proposto para o problema das erosões é a própria causa daquilo que se visa combater: ampliar mais ainda o turismo, ocupar mais ainda as regiões costeiras com pousadas, grandes hotéis, resorts, aquecendo ainda mais a especulação imobiliária etc.

Já foi constatado que as obras da engorda causam destruições de diversas formas viventes e sistemas ecológicos marinhos, com sua fauna e flora. Pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina, que analisaram diversas obras de engordas, mostraram, além disso, que os impactos ambientais não são apenas locais, mas afetam também praias vizinhas, além de contaminar a água e o ar.3 A engorda de Ponta Negra, por exemplo, terá a areia retirada de uma região à 7 quilômetros da costa, em frente ao farol de Mãe Luíza, ou seja, numa região distinta da praia na qual a engorda será realizada, mas que será também afeta em seus sistemas ecológicos.

Para além da destruição ecológica, há também os efeitos sociais destrutivos, como a gentrificação e higienização das praias, expulsando pescadores, trabalhadores informais, ambulantes e a população mais pobre das praias. Durante a obra, pescadores e trabalhadores ambulantes, já precarizados e vulnerabilizados, ficarão sem seus modos de sustento e sobrevivência. Além disso, sem que seja dada nenhuma garantia que após as obras terem sido realizadas, essas pessoas poderão voltar a realizar seu trabalho como realizavam.

Desde o início da proposta da engorda da praia de Ponta Negra esses aspectos foram levantados. Pescadores e ambulantes também se manifestaram diante dos efeitos negativos que a engorda terá em suas vidas. 4 Assim, no dia 24 de julho, pescadores e moradores de Ponta Negra fizeram um protesto, expondo a falta de diálogo com a comunidade na execução da obra, sem saber como viveriam durante a obra da engorda.

Em 17 de julho de 2024, o IDEMA (Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente), responsável por conceder a licença ambiental para a realização da obra da engorda, já havia notado fragilidades na proposta. Tais fragilidades diziam respeito há questões como: ausência de uma consulta prévia às comunidades tradicionais presentes na área da engorda; ausência de um levantamento sobre a fauna local presente na área de extração da areia; ausência de um diagnóstico de como a obra afetaria a atividade pesqueira; ausência de alternativas aos efeitos sociais e econômicos destrutivos da engorda etc.5 Ou seja, a catástrofe já era anunciada.

No dia 3 de setembro, quatro dias após o início das obras da engorda, o empreendimento teve que ser paralisado. O motivo: os sedimentos do banco de areia licenciado para a retirada era impróprio para a obra. Isso só mostra a profundide dos problemas sócio-ambientais que o Idema já tinha identificado em julho de 2024.

O próprio início da obra da engorda se deu sem que houvesse uma avaliação rigorosa do projeto. Na verdade, o que houve foi uma pressão feita por comerciantes, grupos empresariais, pelo prefeito Alvaro Dias, o secretário de Urbanismo e Meio Ambiente, Thiago Mesquista e outros políticos para que a engorda começasse “na marra”, obrigando o Idema à fornecer o licenciamento ambiental, mesmo diante de todos os problemas ambientais e sociais apresentados pelo projeto da engorda da praia de Ponta Negra. No dia 08 de Julho, a sede do Idema foi ocupado por políticos e empresários interessados na realização da obra da engorda.6 Antes disso, em 2023, empresários, junto com o prefeito e outros políticos, já haviam realizado um protesto pela realização da engorda de Ponta Negra.7

Tudo isso dá mostras que a obra da engorda de Ponta Negra é, antes de tudo, um projeto econômico-político para atender a classe política e empresarial cujo objetivo é puramente o lucro, e não a população local, residente da comunidade da Vila de Ponta Negra, que será a mais afetada. Como mostra o documentário “Não estamos à Venda”, a Vila de Ponta Negra vem sendo, há muito tempo, alvo da especulação imobiliária, cujo efeito é expulsar a população pesqueira, agricultora, trabalhadores informais e pobre da região, majoritariamente negra.8. Nesse contexto, a engorda configura também como uma prática de racismo ambiental.

Após a paralisação das obras, Álvaro Dias decretou, no dia 20 de setembro, “situação de emergência” nas áreas costeiras como forma de combater a erosão. O decreto funcionou como uma medida de exceção para retornar as obras da engorda.9 No dia 24, o Idema lançou uma nota pública dizendo que a Prefeitura iniciou a extração de areia de uma região que não foi licenciada e não foi contemplada por um Estudo de Impacto Ambiental.10 Ou seja, se é verdade que a prefeitura, junto com empresários, já vinham atuando para forçar o licenciamento da engorda, Álvaro Dias agora utiliza de um decreto de exceção para que a engorda se realize fora da lei, sem licenciamento e relatórios técnicos.

Desde o início, os problema em torno da engorda são de natureza ecológico política, e só por meio da solidariedade e da luta da própria comunidade será possível barrar essa destruição.

Fora Engorda de Ponta Negra

1https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2024/03/13/praias-do-recife-devem-passar-por-obras-de-engorda-para-conter-avanco-do-mar-entenda.ghtml

2https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2024/04/21/cidades-alargaram-ao-menos-38-km-de-praias-nos-ultimos-anos-entenda-por-que-municipios-apostam-nas-engordas.ghtml

3https://noticias.ufsc.br/2023/10/grupo-de-pesquisa-da-ufsc-emite-nota-tecnica-sobre-consequencias-ambientais-do-engordamento-de-praias/

4https://pontanegranews.com.br/2024/07/10/ambulantes-e-pescadores-de-ponta-negra-nao-sabem-como-serao-afetados-pela-obra-da-engorda/; https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2024/07/24/em-protesto-pescadores-e-moradores-de-ponta-negra-pedem-consulta-previa-a-comunidade-local-sobre-a-engorda-de-ponta-negra.ghtml

5https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2024/07/17/engorda-de-ponta-negra-veja-os-8-pontos-nao-respondidos-pela-prefeitura-de-natal-ao-idema.ghtml

6https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2024/07/08/manifestantes-arrombam-portao-e-ocupam-sede-do-idema-para-cobrar-inicio-da-obra-de-engorda-de-ponta-negra.ghtml

7https://tribunadonorte.com.br/natal/manifestantes-cobram-obra-de-engorda-em-ato-publico-sos-ponta-negra/

8https://www.youtube.com/watch?v=PgpTRIqcndc

9https://tribunadonorte.com.br/natal/natal-decreta-situacao-de-emergencia-em-ponta-negra-por-avanco-da-mare/

10 https://www.instagram.com/p/DATbhWQOilA/

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