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12 out 2024

Memórias dos protestos antifascista e anticononial de 12 de Outubro em Barcelona.

Em outubro de 2021 eu estava em uma viagem de férias de uma semana em Barcelona, era uma viajem que durou menos de uma semana, chegamos nessa cidade por acaso alguns dias antes do dia 12. Descobrimos pesquisando online uma livraria anarquista El Lokal, nesta livraria maravilhosa compramos vários zines e vimos dois cartazes de atos que ocorriam naquela semana, no dia 12, um ato pela manhã convocado por um coletivo antifascista, assinado como Som Antifeixistes que em catalão é “somos antifascistas”, e outro pela tarde com a convocação assinada pelo Bloque Latinoamericano de Barcelona. Neste artigo vou fazer um breve relato da nossa participação nestes dois atos. Lendo uma matéria do El mundo em 2021, pude notar que foram chamadas nessa data atos dirigidos sobretudo pela extrema direita (o partido Vox), não só em Barcelona, mas por toda a Espanha, a data marca disputas públicas significativas entre os diferentes partido da política institucional espanhola, mostrando como a colonização segue central para a identidade nacional e para a monarquia espanhola. 

O 12 de Outubro é o dia da chegada de Cristóvão Colombo na América, sendo ainda hoje um importante feriado nacional na Espanha, comemorado como dia da hispanidade. A partir de uma rápida pesquisa na internet, descobri que na data é realizado um desfile das forças armadas, assistido pelo rei espanhol, a família real, o presidente, representantes dos demais poderes do Estado, e governantes das regiões autônomas, com a ausência dos representantes de algumas regiões, como a Catalunha e a Galicia naquele ano, aparentemente isso ocorre por uma rechaço a data que é relacionado a etnias minoritárias.  

Na época da ditadura fascista de Franco na Espanha, o 12O era chamado de dia da raça, mas as referências racistas a data tem sido atenuadas no período recente. O feriado de comemoração do dia 12 de Outubro ainda continua vigendo em países como Colômbia, Equador, El Salvador, Peru e outros, já países como Argentina, Venezuela, Chile, México e Uruguai, mudaram o nome da data para “Dia das Américas” supostamente celebrando a miscigenação étnica e cultural, os movimentos indígenas têm pautada a data como um dia de resistência onde tem ocorrido atos e debates em diferentes países da América Latina nessa data. 

Em uma rápida pesquisa online pude verificar que o cenário que descrevo aqui se repetiu neste 12/10/24, em que ocorreu pela manhã o ato dos Antifeixistes, também vai ocorrer a tarde o 12O anticolonial do Bloque Latinoamericano de Barcelona, em um mesmo contexto de repúdio aos atos da direita e das paradas oficiais da monarquia em comemoração pela hispanidad.

No Brasil o 12 de Outubro segue sendo comemorado como feriado nacional, mas é feriado de nossa senhora de Aparecida e dia das crianças, pelo que li, a associação com as crianças remonta ao sincretismo religioso, que entende Nossa Senhora como Oxum, patrono das crianças, mas a data foi popularizada como dia das crianças a partir das campanhas de marketing. Mesmo que a associação com a chegada de Colombo não seja oficialmente realizada no feriado brasileiro, parece razoável acreditar que essa associação exista, podendo ser até intencionalmente camuflada, já que esta data segue como um importante feriado de comemorações, protestos e disputa políticas na maior parte do mundo iberoamericano que nos cerca e nos compõe.

Relato do 12 de Outubro Antifa de 2021:

O ato antifascista foi convocado pelo grupo Som Antifeixistes com a consigna 12 de octubre, res a celebrar ( 12 de outubro, nada que celebrar”, em catalão).  O ato ocorreu pela manhã, a concentração foi na praça da Universidade. Nesta praça tem uma estação de metrô, mas não foi possível eu e minha companheira descermos nesta estação de metrô pois ela foi fechada devido ao ato, segundo o  informe dos próprios operadores da estação. Esse início já nos deu uma curiosa sensação, de que o ato estava sofrendo repressão como se fosse um ato do Movimento Passe Livre em São Paulo, principal outra experiência que vivemos em que estações de metrô fechavam para boicotar o protesto. 

Por conta do fechamento da estação de metrô, tivemos que descer na estação anterior da praça Catalunha, que estava tomada por manifestantes de extrema direita, a maioria pessoas brancas idosas com os ombros vestidos com a bandeira da Espanha, um cenário familiar com atos da direita aqui no Brasil. Lá também vimos uma roda de jovens carecas bombados, explicitamente um grupo neofascista ou algo do tipo, me chamou a atenção camisetas de dois deles com as estampas white power e white resistance (poder branco e resistência branca). Era curioso que havia barraquinhas com o logo do governo, distribuindo panfletos turísticos e de propaganda do legado cultural da Espanha no mundo, o que deu um estranho aspecto oficial ou governamental para aquela manifestação de extrema direita. Nessas barraquinhas havia bandeiras de outros países latinoamericanos, retratando e reivindicando o vínculo histórico entre os Estados nacionais deste território com o Estado espanhol.

Estávamos um pouco atrasados e ao chegar na praça da universidade o ato antifa já havia saído, mas não tivemos dificuldade em segui-lo, pois neste momento a semelhança com os protestos contra o aumento das passagens do MPL-SP se confirmou. Pois havia a mobilização de um imenso contingente policial pela região, com carros, motos, cavalaria e inclusive um helicóptero das forças policiais catalãs, que serviram para nos ajudar a esclarecer a direção que deveríamos seguir para encontrar o ato e sentir aquele friozinha na espinha do medo de ser preso em um país estrangeiro, apenas por termos ido dar uma olhada em ato político.

 Não esperávamos tamanha comoção por parte das forças de repressão num ato daquele, minha companheira morava em Berlim havia três anos e todo ano participou da organização do mês anticolonial dessa cidade, evento que tradicionalmente começava no dia 12 de outubro marcando a chegada de Colombo na America e terminava em 15 de novembro, o dia de abertura da conferência de Berlim no Congo, onde foi decidida a divisão colonial da África em 1884. Mas em Berlim a série de eventos e atos organizados entorno do mês anticolonial haviam reunido sobretudo imigrantes de diferentes países, sendo um espaço muito rico de troca de experiências internacionais, porém, que não me pareceu ser encarado pelo Estado alemão como uma ameaçadora interferência na política interna como esses atos em Barcelona claramente pareceram ser encarados, o que são evidências consistentes de como a ideologia colonial segue fundamental para o Estado espanhol.

O ato antifascista era pequeno, reparmos um leve movimente ascendente no ato, em que algumas pessoas foram chegando, como nós, enquanto o ato andava. Chegando a ter no auge umas 500 pessoas. O ato teve uma presença bastante combativa, com jovens mascarados como black blocks, havia muitas bandeiras negras, anarquistas e antifascistas, também havia umas duas bandeiras amarela, vermelha e azul com estrela branca da Catalunha, a composição de ato era de ampla maioria branca mas não saberia informar com segurança se eram residentes de Barcelona ou qualquer outra informação sobre a origem dos manifestantes.  Havia uma quantidade muito superior de policiais cercando o ato do que manifestantes presentes durante todo o protesto, o que configura a cena típica de atos do MPL ou de alguns outros casos do movimento autônomo paulista. Mas diferente do que costuma ocorrer em São Paulo, a polícia em nenhum momento envelopou o ato, ou partiu pra violência e a prisão de manifestantes, mas apenas acompanhava o ato mantendo cercados os quarteirões por onde este seguia, em alguns momentos impediam o ato de seguir o caminho que aqueles que estavam a frente queriam. Ocorreram alguns tensões de troca de  caminhos, houve até um momento em que os manifestantes deram um olé na polícia entrando entre os carros na contramão.  O ato durou cerca de 3 horas, na parte final  o ato parou em uma praça, com gritos de palavras de ordem foram queimadas as bandeiras da Espanha e da União Européia. Durante todo o ato um grupo de jovens colocaram stickers pela cidade e garotas mascaradas pixaram frases de protesto, que anotei as traduções como “12O – Nada a Celebrar”,”529 anos de resistência indigena”, “Hispanidade é genocídio”,”Pare com a exploração de territórios indígenas”, “Solidariedade entre pobres” e “zona antifa”. O fim do ato se deu de forma um tanto repentina para a gente, se dispersando bem rapidamente, com as pessoas se dividindo em grupos pequenos e indo embora em diferentes direções.

Ato anticolonial do Bloque Latino Americano. 

No ato da tarde conseguimos chegar na concentração sem problemas, o ato era algumas vezes maior que o ato da manha, com um publico de alguns milhares de pessoas. Os participantes tinham muito mais diversificados, havendo também uma variedade de coletivos migrantes auto identificados, a maioria da america latina mas também estavam presentes coletivos africanos. Vimos muitas bandeiras wiphala, que me remete aos povos indígenas andinos, e também bandeiras mapuche. Chamava atenção uma presença organizada feminina proporcionalmente muito maior que a do ato da manhã. Eram visto lenços vários lenços verdes pela legalização do aborto. Havia muitas mulheres encapuchadas (mascaradas), mas com uma estética mais relacionada a culturas populares chilenas e mexicanas, esteticamente mais elaborados. Havia mais de uma bateria, assim como mais de um tipo de música sendo cantado durante o ato. 

O protesto andou um trajeto bastante curto, tendo encerrado em uma ampla rotatória em frente ao mar onde existe um grande monumento em homenagem a Colombo. Não havia policia cercando o ato desta vez e nem diretamente visível próxima ao ato. Mas pude perceber que havia uma grande contingente de policiais em acessos próximos ao monumento de Colombo, mas até aonde eu fiquei, em nenhum momento se moveram em direção ao ato. Comparando com minha memória da quantidade de policiais que apareciam nos atos do Bloque Latinoamericano de Berlim em Hermannplatz, ainda assim destoa por ser um número maior. Essa situação me fez refletir o seguinte, se na Alemanha hoje os atos de imigrantes que geram mais mobilização de repressão são atos mobilizados por árabes, turcos mas especialmente contra os palestinos. Em Barcelona tanto os catalão como minoria étnica, quanto os latinoamericanos, como colonizados, são alvo desse nível de repressão maior. Sinto que a relações geopolíticas neocoloniais entre, por exemplo, Alemanha e Palestina, assim como entre Espanha e America Latina (assim como em relação suas próprias minorias internas) seja uma boa hipótese para explicar essas diferenças no comportamento da repressão.

 Em frente ao monumento de Colombo foi formado uma espécie de palco com uma grande bandeira wipala no fundo, dai até o fim do dia foram realizadas apresentações teatrais, intervenções, falas dos diferentes coletivos e algumas apresentações musicais. Isso deu ao ato um caráter mais fortemente cultural, mas havia uma ampla variedade de sujeitos políticos nas falas, varias pareciam serem coletivos de trabalhadores emigrantes da cultura e estudantes, alguns outros coletivos parecem ter laços mais fortes com seus locais de origem, houveram falas muito contundentes e trazendo um repertório muito específico de países como Chile e Argentina. O único coletivo brasileiro que falou era de trabalhadores culturais em Barcelona e só trouxeram suas demandas especificas de la, não falando nada sobre o Brasil. Posteriormente localizei um manifesto publicado online pela organização do ato. 

A importância da aliança anticolonial no mundo iberoamericano

Desde o período colonial até hoje há profundas ligações entre os países da américa latina e da península ibérica. Essas relações e a proximidade do idioma me permitiram tão rápido conhecer tantos grupos e pessoas por acaso nessa curta viagem, da qual descrevi aqui brevemente os atos do dia 12/10/2021, do qual finalizo com algumas fotos abaixo. Pra mim lembrar essas experiências é falar sobre a grande importância estratégica da aliança entre os de baixo desses diferentes territórios que tem tantos inimigos centrais em comum.

Por Gabriel Silva

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