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29 nov 2024

Sobre os ataques a gestão Sankofa do Cafil

A ultima eleição do Centro Acadêmico de Filosofia (CAFil) da UNICAMP, espaço para o qual cotidianamente poucas pessoas voltam sua atenção, se tornou de repente palco de polêmicas. Escrevo esse texto como um membro da gestão Sankofa que se encerrou agora em 2024 do CAFil. 

A chapa Sankofa foi formada por um grupo bastante heterogêneo de estudantes, somos pessoas de diferentes cidades e diferentes origens sociais. Mas chama atenção ter sido uma chapa com uma presença feminina, negra e trans em número significativamente maior que o padrão histórico de outras gestões do CAFil. Como o próprio nome da chapa indica, a valorização de uma perspectiva anti racista foi central na concepção dessa chapa. A chapa Sankofa se formou em 2023 durante a greve estudantil, momento em que a gestão anterior da chapa Desvio já havia implodido. Apesar de termos assumido em um momento de crise do CAFil, a gestão Sankofa conseguiu ser mais ativa que a gestão anterior e se manteve em atividade até o fim do seu mandato.

A chapa Sankofa sempre esteve aberta para o diálogo franco e respeitoso. Apesar de todo o perrengue e sobrecarga de conciliar, estudo, militância e para alguns de nós, trabalho. Durante 2024 realizamos reuniões abertas em diferentes momentos do ano, assim como assembleias e paralisações discentes. O GT de luta pelo curso noturno com a participação de membros do CAFil foi muito ativo, conquistando importantes encaminhamentos para a instauração do curso noturno de Filosofia. Também participamos de audiências públicas pelas cotas Trans, de atividade organizada na roça indígena do IFCH contra as queimadas, de mobilizações pró-palestina, e de estreitamento de laços com membros de coletivos negros da UNICAMP. Houve ainda a organização da calourada de acolhimento dos ingressantes no início do ano, além de outros eventos como CineFilo quinzenal, e festas, como o Filoween, que apesar de não serem no campus eram abertas para todos os estudantes de filosofia e que, por vezes, até organizavam mutirão para caminhar juntos até o local da festa, prezando pela segurança dos calouros e de qualquer um que se dispusesse a ir. Lembro também das reuniões de organização do jornal Sankofa, de que participei ativamente e que espero ainda seja publicado, com a participação na organização de alunos de outros cursos do IFCH.

Durante toda a gestão da chapa Sankofa foram organizadas assembleias e reuniões internas, várias delas abertas e divulgadas com antecedência. Sempre nos articulando com os diferentes atores do movimento estudantil que nos procuraram. Neste sentido então foi espantoso quando nesta eleição do CAFil surgiu a chapa 2 denominada “Permanência, transparência e reestruturação”, que no dia 26/11/2024 enviou no email institucional um manifesto com pesadas acusações contra a gestão Sankofa e contra a nova chapa 1 Urutau. 

Se quando ouvimos a notícia que bolsistas estavam formando uma chapa isso tinha criado uma expectativa positiva, o manifesto da chapa 2 carregando um tom extremamente arrogante e ofensivo foi uma grande decepção. Nele, é feito um balanço político questionável em que se demonstra ignorância sobre a posição política ou a situação social das pessoas contra as quais são feitas uma série de acusações que simplesmente são falsas, chamam a nós da chapa Sankofa e aos membros da chapa atual de serem aristocratas, quando podemos ser melhor descritos como trabalhadores precarizados ou desempregados. Acusa o CAFil de não ter um estatuto, quando na realidade, tem. Acusa a chapa atual de ser uma continuação da gestão anterior chamada Desvio, quando na realidade só temos um membro que fazia parte da chapa anterior que implodiu antes da greve de 2023, quando a chapa Sankofa se formou. 

Na quarta, 28/11/2024, no debate entre chapas, questionei diretamente a chapa 2 sobre o tom desrespeitoso com o qual se referia a chapa Sankofa, desconsiderando totalmente todas as nossas ações e a realidade dos nossos membros, comuniquei como eu me sentia pessoalmente ofendido com o conteúdo da carta. Li um trecho do manifesto da chapa que considero especialmente grave, em que somos reduzidos a alguma caricatura de “cultura woke”, onde fomos acusados de fofoqueiros que perseguem outros estudantes: 

E deve-se reconhecer o mérito de algumas das pessoas que integraram essas gestões e, mais ainda, reconhecer que essas mesmas pessoas permaneceram, dentro das poucas possibilidades, o CAFIL vivo durante a pandemia e mesmo depois dela. Mas à medida que essas pessoas foram sendo, pelos mais diversos motivos, afastadas da gestão, o CAFIL foi se tornando progressivamente um instrumento de perseguição, de cooptação, de tentativa de assassinato de defesa, de fofoca como tática de poder e de uso de casos graves de violência como mecanismos de promoção pessoal.

Na resposta a minha questão, esse ponto da minha pergunta foi ignorado, apesar da ênfase que dei nele. O presidente da chapa 2 nas considerações finais do debate ainda afirmou que o CAFil havia “morrido” durante a gestão Sankofa, e que iria renascer, voltando a ter uma atuação real com a vitória da chapa 2. Reafirmando uma postura de explícito e deliberado desrespeito com os membros da chapa Sankofa.

Nenhum membro da chapa Sankofa foi afastado. Os únicos casos de saída que ocorreram recentemente no CAFil se deram na gestão Desvio, sob graves acusações de violência sexual, alguns membros da chapa Desvio saíram do CAFil assim como de outras organizações do movimento estudantil das quais faziam parte – como é de conhecimento público dos estudantes que acompanham mais de perto o movimento estudantil. E estes eventos foram extremamente desgastantes para todos os membros do movimento estudantil.

A meu ver, querer acusar membros da chapa Sankofa de se promoverem pessoalmente com um tipo de violência racista e misógina que nós mesmos sofremos, reflete uma postura abertamente misógina, racista e transfóbica que nega qualquer tratamento amigável a nós, que fomos colocados como inimigos públicos por um grupo curiosamente seleto. É triste ter que constatar que a chapa 2 se formou a partir de um núcleo composto majoritariamente por pessoas brancas e cis, em sua grande maioria homens. As principais figuras da chapa 2 que nos atacaram nunca compareceram em nenhuma das nossas atividades abertas e reuniões, nem do CAFil e nem dos GTs. Inclusive já tendo se negado a dialogar conosco anteriormente. Entendo que o manifesto da chapa 2 foi escrito pelo presidente da chapa com a colaboração de outras poucas pessoas, e outros membros da chapa já me afirmaram terem grandes discordâncias com seu conteúdo e que não participaram de sua elaboração. Inclusive enfatizo que esses ataques não vieram da maioria dos membros da chapa 2, alguns dos quais sempre tive contatos amigáveis, respeitosos e participaram comigo de atividades.

Acredito que o mais correto seria a chapa 2, no conjunto de seus membros, fazer uma autocrítica, se desculpando pelo tom ofensivo com o qual se referiu às chapas Sankofa e Urutau tanto em seu manifesto, como nas falas de seu presidente no debate. A maioria dos membros da chapa ainda vão seguir vários semestres na filosofia; por isso, é vital que enfrentemos com seriedade o que esse conflito coloca no horizonte das políticas internas do curso, para construirmos um ambiente mais saudável para o estudo e para militância que os movimentos negro, feminista e queer têm construído nos últimos anos na filosofia. Aqui ressalto que o problema da chapa 2 está em colocar o movimento dos bolsistas, uma militância classista, em posição de disputa do espaço no curso de filosofia no lugar de se ocuparem em ampliar o acesso junto dos movimentos citados anteriormente. A posição do presidente da chapa 2 assim enfraquece a luta de classes, negando a possibilidade de aliança entre os diferentes setores da classe trabalhadora. E eu acredito que devem ser repudiadas pelo movimento estudantil essas imitações de táticas de polêmica da direita.

Indiferente ao resultado das eleições, continuaremos convivendo nos corredores do IFCH nos próximos anos, e é fundamental para conseguirmos um ambiente minimamente saudável que encaremos as questões difíceis que temos entre nós de frente. Faço também esse registro para além do curso de filosofia, pois entendo que a gravidade desses eventos demanda que esse diálogo ocorra para além dessa disputa pelo CAFil.

Por Gabriel Silva – Militante antiracista e anticapitalista, estudante da graduação em filosofia na UNICAMP e membro da gestão Sankofa.

Cito abaixo a íntegra do referido Manifesto da chapa 2 conforme recebi por email 

Boa tarde! Segue abaixo o manifesto da chapa 2 ( Transparência, permanência e reestruturação) das eleições para o Centro Acadêmico da Filosofia:

O sentido original de um centro acadêmico se perdeu entre nós há muito tempo. Cremos que pouquíssimas pessoas aqui terão coragem de defender publicamente o contrário. Mas, supondo que tal coisa seja possível, é preciso um diagnóstico correto do tempo presente. Supostamente, a ditadura foi e, com ela, também a necessidade e a urgência de uma resistência da natureza que ela produz, ao menos dentro dos muros da universidade pública. O que sobrou para nós neste momento? De atuação política, nada. A aspiração emancipatória que é própria a um centro acadêmico de filosofia esvaiu-se e dentro dele surgiu um caráter “social” num sentido diferente. A antiga ideia de “atuação social”, que talvez só tenha existido como tarefa infinita no imaginário de uma parte da classe média universitária sucumbiu, por fim. No lugar dela, o centro acadêmico de filosofia ganhou um tipo de atuação “social” muito mais próximo aos salões literários e aos clubes de campo cujos títulos a classe média ostentam nos domingos de sol.

Mas se o centro acadêmico perdeu a razão de ser – e, talvez, não apenas dentro da filosofia – isso certamente não tem como causa única o pretenso direito a que certos setores da classe média se arrogam de serem os paladinos de uma moral cristã disfarçada de esquerdismo. O curso de filosofi Na verdade, o interesse coletivo é frágil demais em vista dos interesses interna é aristocraticamente fragmentado em vários pequenos feudos e, consequentemente, importa mais a posição desses pequenos feudos do que possíveis ações que correspondem ao interesse coletivo.os dessas várias oligarquias. Não se trata aqui de defender um interesse coletivo em abstrato, que passa por cima dos interesses mais particulares que se apresentam, mas uma forma de proceder que considere o interesse coletivo na medida em que ele é a representação de todos os interesses individuais.

Não é a intenção aqui fazer uma inocente justiça de valor, mas o diagnóstico exige uma firme justiça de fato. Diante dessa situação, de acordo com nossos próprios pressupostos, não há trabalhador algum que, na situação presente, possa impedir um controle total sobre os próprios rumores e, consequentemente, nem o coletivo sobre seus próprios rumores. O que apenas queremos lembrar é que os interesses coletivos do curso de filosofia não deixam de existir apenas porque os interesses dos pequenos grupos que compõem são mais imediatos.

Portanto, o primeiro grande problema de qualquer gestão é: como conciliar os interesses de tantos e tão diversos grupos aos interesses coletivos de graduação em filosofia como um todo? E não queremos aqui abarcar os grupos já citados, mas também os interesses das mulheres, da comunidade LGBTQIAPN+, da comunidade preta, indígena, dos trabalhadores e das trabalhadoras e de todos os bolsistas, todos estes, interesses que são mais imediatos e urgentes do que os interesses gerais do curso. Mas devemos ter em mente que, ainda que haja enorme distinção na maneira pela qual as questões de raça, classe e gênero além dos graduandos considerados em particular, as discussões sobre a produção científica do departamento, sobre as linhas de pesquisa da pós-graduação ou graduação sobre o posicionamento do departamento em relação à licenciatura dizem respeito ao corpo discente como um todo.

Se nos objetarmos que este é um desafio impossível de ser enfrentado, responderemos que não há, pelo menos em muitos anos, uma janela de oportunidade tão ampla quanto a que temos diante de nós. O curso noturno e as discussões sobre o currículo colocam a graduação tradicional em xeque; pela primeira vez as condições de vida dos bolsistas são discutidas seriamente e existe uma candidatura verdadeiramente popular e renovadora ao CAFIL. E devemos dizer que uma renovação total do CAFIL não é apenas preferível, como é necessária. O artigo 5º da lei 7.395 de 31 de outubro de 1985, que dispõe sobre os órgãos de representação dos estudantes de nível superior diz que “A organização, o funcionamento e as atividades das entidades a que se refere esta Lei serão estabelecidas nos seus estatutos, aprovados em assembleia geral no caso de DA’s ou CA’s”. Isto significa que as gestões anteriores, que são, mais ou menos, continuações umas das outras e das quais fazem parte a chapa concorrente, foram incapazes de dar a si mesmos, existência.

E deve-se reconhecer o mérito de algumas das pessoas que integraram essas gestões e, mais ainda, reconhecer que essas mesmas pessoas permaneceram, dentro das poucas possibilidades, o CAFIL vivo durante a pandemia e mesmo depois dela. Mas à medida que essas pessoas foram sendo, pelos mais diversos motivos, afastadas da gestão, o CAFIL foi se tornando progressivamente um instrumento de perseguição, de cooptação, de tentativa de assassinato de defesa, de fofoca como tática de poder e de uso de casos graves de violência como mecanismos de promoção pessoal.

Tudo o que até aqui foi dito tem como consequência um desleixo institucional criador de um sistema que retroalimenta a desmobilização: a ineficiência do centro acadêmico alimenta a desmobilização e o descrédito do corpo discente e, do mesmo modo, quanto mais aumenta esse descrédito, a a mobilização se torna mais e mais difícil. O CAFIL é, então, cada vez menos, um organismo vivo. Assim, o segundo problema central de qualquer chapa que tenha pretensões reais de atuação é: como tornar vivo um centro acadêmico desmobilizado?

Para os dois problemas que expusemos anteriormente, propomos a seguinte solução: um novo conceito de centro acadêmico que integra atividade política e formação acadêmica, envolvido, neste processo, todas as partes interessadas. Há nesta proposta mais do que apenas uma tentativa de resolução meramente lógica de um problema dado. É, de fato, muita inocência desconsiderar que dispomos de pouquíssimo tempo para além das disciplinas e que esse tempo deveria ser gasto com atividade física, em companhia de parentes e amigos ou com a própria saúde. E, além disso, que ninguém quer gastar seu precioso tempo com uma instituição sem crédito. Por isso todas as nossas propostas são pensadas a partir do lema “permanência, transparência e restrição”, que dá nome à nossa chapa e têm como objetivo responder a desafios de um curso cada vez mais competitivo, para o qual a atividade política perdeu o sentido – e essa perda de sentido ameaça a própria continuidade do curso.

Por isso convidamos a todos, todos e todos a conhecer nossas propostas. Lutamos por um conceito de centro acadêmico e pela existência de um centro acadêmico capaz de responder à pluralidade de desafios que se apresentam a nós, alguns dos quais mencionamos neste manifesto. O voto é o seu momento inalienável de expressão diante do que está aí. Vote por transparência, permanência e restrição!

Obrigado pela atenção, contamos com seu voto no dia 27 de novembro (presencial) e dias 28 e 29 (voto online)! Ajude-nos a criar um curso de filosofia efetivamente mobilizado, e que garanta a permanência!

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Lista de discussão Ifch-alunos-l

https://www.listas.unicamp.br/mailman/listinfo/ifch-alunos-l

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