BXD STS é o fragmento de um projeto maior, sonhado por mim há muito tempo que consiste em publicar coletâneas de Zines (também conhecidos como FanZines) com temáticas voltadas para questões que emergem através da minha vivência quanto um ser social e também da minha interpretação de certas realidades através destas vivências e também de estudos e formas de olhares que fui adquirindo quanto estudante de Serviço Social.
Esse zine vem como uma provocação, uma denúncia, um convite à reflexão e à informação através da contestação do que realmente está em jogo no meio das relações de poder que atravessam a baixada santista e a realidade das pessoas que passam/vivem ali, focando na realidade das pessoas que pixam e fazendo comparação com a execução da lei ambiental na Baixada Santista. De forma sucinta e objetiva, busquei demonstrar que a punição que determina a lei, para crimes ambientais é relativa e está ligada a fatores de raça/etnia e classe.

O pixo é um movimento artístico de contracultura, originalmente brasileiro, nascido através de mãos pretas e periféricas e é importante citar: trabalhadoras (digo que é importante por haver um grande estigma de que a pessoa que pixa é “vagabunda”, “desocupada”). De 1970 para 1980 através das influencias ideológicas e estéticas do movimento PUNK foi que surgiram as primeiras pixações na cidade de São Paulo através das mãos de Juneca e Pessoinha Bilão. Nesta época estava rolando um verdadeiro rebuliço na capital de São Paulo, várias forças populares estavam emergindo das periferias e invadindo as ruas do centro, com manifestações culturais de diversos povos e todas elas se propunham a ir na contramão da lógica hegemônica de arte e cultura, por isso o nome de “contra-cultura”. O povo estava tomando de assalto o seu espaço na cidade, tomando de volta aquilo que os foi roubado através do processo de colonização do Brasil, tudo isso utilizando a cultura como abridora de portas, caminhos e como força motriz.
O pixo, também conhecido como pixação, é uma prática artística que desafia as instituições da propriedade privada e questiona diretamente as relações de poder: quem manda na cidade? quem determina quem pode ou não manifestar e expressar sua voz através de suas próprias linguagens? É um movimento artístico independente, criminalizado, estigmatizado. Por sua história desde os anos 80 diversas pessoas fizeram e fazem parte, pessoas estas que estão espalhadas por vários lugares do país e atualmente, é admirado por diversos artistas urbanos de fora do país que enxergam sua autenticidade e originalidade. Possui parâmetros estéticos, modalidades, valores.
Segundo o artigo 65 da Lei 9.605/98, a “pichação” se configura como um crime de caráter ambiental, por “desvalorizar, agredir e ferir o meio ambiente e não possuir nenhum valor artístico” (segundo interpretações da lei), sendo assim, as pessoas que são flagradas cometendo tal ato, são conduzidas à delegacia e penalizadas, ficando submetidas a cumprirem penalidades como: detenção de três meses a um ano ou pagamento de multa.
Fora a questão jurídica também existe uma “questão social” entorno do estigma em cima do pixo, que faz com que até mesmo pessoas do meio da arte (até do próprio “grafite”), recriminem a prática artística e reproduzam preconceitos em relação as habilidades das pessoas que pixam e quem elas são ou deixam de ser como seres sociais. Desde que o pixo é pixo, diversas pessoas já foram detidas, presas, punidas com multas (desde as mais baixas até as de milhares de reais – a depender da proporção da pixação e de quem é a propriedade que ela está relacionada), perseguidas e até mesmo mortas pelo simples fatos de estarem pixando. Tanto na mão da polícia e da justiça, quanto na mão das pessoas de bem, que possuem por tarefa divina o dom de proteger a todo custo a propriedade privada (mesmo que ela não seja da própria pessoa) do terrível ataque destruidor da tinta de uma pessoa. A própria lei humilha a prática artística reduzindo seu valor e colocando-a como agressora do meio ambiente.
Agora para e pensa um pouco: em qual estrutura social está inserida esta lei que fala uma coisa dessas e estimula todo esse processo de estigmatização social acerca do ato de píxar?
Isso mesmo, nesta que a gente vive há muitos séculos, também conhecida como capitalista, onde diariamente diversos danos ambientais de larga escala são cometidos pelas empresas de tecnologia e desenvolvimento, danos estes que muitas vezes são irreversíveis ou dificilmente reparáveis. A que ambiente a pixação agride?
O ambiente de uma sociedade dividida entre pessoas que possuem muito mais que as outras, o ambiente onde se espera que tudo seja feito abaixo da concessão e autorização de quem detém o poder, o ambiente que reprime historicamente toda e qualquer manifestação cultural dos povos pretos e periféricos.
Pensando nisto eu decidi trazer como prova atual no território da Baixada Santista alguns crimes ambientais que classifico como de “grande impacto”, para isto eu articulei com o NEPSSA – Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Saúde Socio-Ambiental da Unifesp (Universidade Federal do Estado de São Paulo). Este núcleo existe desde 2010 e é coordenado pelas professoras doutoras Silvia Tagé e Ana Maria Estevão e faz parte do Departamento de Políticas Públicas e Saúde Coletiva. Ele promove estudos e pesquisas no território da Baixada Santista sobre questões que envolvem a realidade das questões ambientais que perpassam o território, além de através da extensão atuar diretamente na promoção de políticas públicas e no cuidado e acompanhamento da população que é afetada por estas mesmas questões, e do “Observatório da Saúde Socioambiental” .
O Rui, estagiário do NEPSSA realizou um levantamento de dados através das informações adquiridas pelo acompanhamento de três casos que ocorrem/ocorreram na Baixada Santista:
- A Cava Subaquática (2015 até hoje em Cubatão);
- O Caso Rhodia (1974 a 1993 em Cubatão, São Vicente e Itanhaém);
- O Incêndio da Ultracargo (2015 em Santos).
Para responder as seguintes perguntas:
- Onde ocorreu o impacto ambiental?
- Quais foram os prejuízos econômicos?
- Quem foram as pessoas afetadas por este impacto?
- Quais foram os prejuízos ambientais?
- Quais é a situação do processo na justiça e/ou em outras instâncias?
Daí eu misturei imagens que encontrei na internet pesquisando o nome do impacto, fotografias da Lola Magalhãez (fotógrafa e produtora audivisual, criadora do Selo Mali e pixadora) tiradas no território do Mercado Municipal de Santos, notícias sobre punições ocorridas com diversas pessoas que pixam pelo brasil afora, um texto que eu mesma escrevi, e as ilustrações do VG Caras (artista plástico, visual, digital e pixador), um desenho pra capa inspirado em peças clássicas da pixação da Baixada Santista, realizadas por diversos artistas com a mesma estética (que mostra os prédios da orla da praia) e pra finalizar uma folhinha que reúne diversos nomes da pixação da Baixada Santista, tudo isso com as mãos e olhos brilhantes do Chagas da Selva (poeta, músico, escritor, arte educador e designer) e as orientações e mãos e olhos serenos e sagazes do Gabriel, meu mentor (artista visual, grafiteiro e integrante do Coletivo Etinerâncias).
Uma boa leitura <3
Por Laisa, vulgo Olho Vivo ou Coalizão é mulher periférica, sem pai, pátria nem patrão. Começou sua trajetória nos movimentos sociais ainda na adolescência através da arte de rua circense, na mesma começou a atuar no grafite, expressão cultural elementar da cultura Hip Hop. Filha da Balbúrdia, Laisa desde sempre carrega consigo em seu movimento e expressão cultural seu olhar que busca refletir a realidade do território que mora e evidenciar as desigualdades sociais as quais ela e seu povo estão inserides. Cria dos Morros de Santos, nascida no Morro do Santa Maria, atualmente mora no bairro do Saboó e é autora do Zine Baixada Santista: Terra da Hipocrisia e também do “Qual a importância dos Brechós.
Atua desde 2014 em diversos movimentos sociais e prioriza aqueles que utilizam a autonomia e horizontalidade nos processos coletivos. Organizou a Marcha da Maconha da Baixada Santista durante quatro anos, fez comando do Grupo de Trabalho de Segurança nos Atos Fora Bolsonaro na Baixada durante a pandemia, já deu aulas em cursinhos populares pré vestibulares, fez parte da organização e produção de diversos eventos culturais da expressão da cultura Hip Hop, é arte educadora, redutora de danos, facilitadora em justiça restaurativa e graduanda em Serviço Social pela Unifesp. O público alvo de suas ações, produções e organizações são pessoas pretas, indígenas, quilombolas, de povos tradicionais, periféricas, LGBTQIAPN+, mulheres e crianças.
Laisa é mulher de luta, que vive a rua desde muito nova, na experiência de trecho, situação de rua e também foi atravessada pela violência do estado não só no seu território periférico, como diretamente através da detenção carcerária. Busca pela libertação de si e de seu povo através da resistência cultural, da arte e da educação.
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