
(Obra de Matheus Maia disponível em @madeingo, pontilhismo, 2019)
Londrina em chamas. A revolta explodiu nas ruas da cidade depois que a Polícia Militar executou dois jovens, Wender Natan da Costa, de 20 anos, e Kelvin Willian Vieira dos Santos, de 16 na última segunda-feira (17/02). A resposta veio rápida: barricadas de fogo, bloqueios, ônibus queimados, uma cidade tomada pela indignação popular. O governo estadual, previsível como sempre, acionou o discurso da pacificação – palavra que, nas bocas do poder, significa repressão, drones de vigilância e mais violência policial.
O enredo se repete: a polícia mata, os governantes justificam, e a mídia corporativa enquadra os mortos como suspeitos. O que diferencia Londrina desta vez é a intensidade da resposta. A revolta não surgiu no vácuo. Vem de um Paraná onde a violência estatal sempre teve alvo definido: os pobres, os negros, os indígenas. A política de extermínio das periferias não é um desvio de conduta, mas a própria engrenagem do sistema.

Nos últimos anos, Londrina tornou-se um polo de organização popular. O avanço do bolsonarismo na região coincidiu com a presença cada vez mais agressiva de grupos neonazistas, que enxergam na cidade um território fértil para sua ideologia. Não é à toa que símbolos antifascistas despertam reações hostis e que, no estado como um todo, bustos de torturadores ainda são reverenciados. Mas também não é coincidência que, em meio a essa atmosfera sufocante, os movimentos anarquistas e autônomos estejam crescendo, se organizando e fortalecendo redes de resistência.
O Estado insiste em classificar as ações da revolta como vandalismo, mas a realidade é clara: o vandalismo maior é o da polícia que executa sem julgamento. Como aponta Peter Gelderloos (2011)1 em seu livro “Como a não-violência protege o Estado”, a estratégia da não-violência frequentemente apenas reforça o monopólio da força estatal. A repressão tolera manifestações pacíficas porque sabe que elas não ameaçam sua estrutura. Protestos pacíficos são facilmente assimilados e cooptados pelo sistema, servindo muitas vezes para canalizar indignação de maneira controlada e inofensiva.
Gelderloos argumenta que a não-violência, ao exigir que os oprimidos limitem suas táticas, legitima a violência do Estado, que pode continuar a reprimir impunemente. Movimentos históricos que desafiaram sistemas de opressão sem o compromisso exclusivo com a não-violência, como as lutas dos zapatistas no México, os Panteras Negras nos EUA e a Comuna de Paris, demonstram que a resistência efetiva muitas vezes exige ações diretas e autodefesa ativa. Se o Estado detém o monopólio da violência e a utiliza para esmagar qualquer contestação, recusar-se a confrontá-lo diretamente é aceitar sua dominação.
Os militantes que se somam à luta em Londrina não buscam protagonismo e nem reivindicam a autoria das ações, porque a revolta não precisa de líderes e nem de partidos para existir. A tática Black Bloc, criminalizada pela mídia e pelo governo, é antes de tudo uma forma de autodefesa coletiva, um escudo contra a brutalidade policial. Em um Estado que condena qualquer resistência real, defender-se é mais do que legítimo – é uma questão de sobrevivência.
Londrina enviou um recado claro: a pacificação do governo não significa justiça, significa silêncio imposto. Mas as ruas disseram não. Cada barricada erguida, cada canto de protesto, cada passo de quem não recua reafirma uma verdade que os donos do poder temem: a revolta está viva. E enquanto houver opressão, a resposta virá.

Por Guilherme Pompeo — Natural de Barueri, professor, militante anarquista, atualmente cursando mestrado em Educação Escolar na UNESP de Araraquara.
1 GELDERLOOS, Peter. Como a não-violência protege o Estado. Porto Alegre: Editora: Deriva, 2011.
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