
Escrevo esse relato com algumas impressões sobre a preparação e realização da paralisação do dia 14/06 à partir da minha perspectiva como trabalhador bancário e militante dos movimentos sociais com uma atuação na zona sul de São Paulo.
O clima de preparação dessa paralisação quando foi anunciada, dia 01/05, estava muito fraco. A impressão que me dava conversando, ao sondar alguns sindicalistas, é que seria uma mobilização pouco expressiva, se é que sairia do papel. Isso pois os sindicatos estavam com uma postura de não enfrentamento em relação ao governo Bolsonaro, adotando uma cautela em mobilizar inclusive maior do que o tom adotado em relação ao governo Temer[1].
Porém, os cortes realizados na educação e as consequentes mobilizações estudantis e do funcionalismo que se espalharam pelo país mudaram rapidamente essa postura dos sindicatos, de forma que a paralisação geral do dia 14/06 acabou sendo o dia de paralisação nacional mais expressivo fora o dia 24/04/2017. A postura das burocracias sindicais ainda assim foi a de procurar conter as mobilizações em limites que fossem os mais controláveis possíveis, restringindo as mobilizações de rua com a orientação das centrais para que “a população para apoiar a greve deve permanecer em casa”.[2] Isso significou na prática que os grandes sindicatos não colocaram peso para mobilizar suas bases e nem disponibilizar sua infraestrutura para construir as ações de rua.
Tal postura se explica pelo repetitivo precedente de perda de direção das ações de rua que a burocracia tem sofrido no pós 2013, inclusive tendo perdido o controle dos atos mais expressivos em SP no dia 24/04/2017.
Tampouco as paralisações de locais de trabalho chegaram a envolver um número mais expressivo de trabalhadores de base, e se resumiram a algumas paralisações nos transportes, bancários, funcionários públicos e metalúrgicos, sendo o grosso da mobilização espontânea dado por força da paralisação do metrô e pelas ações de travamento. A exceção foi o setor de educação, pública e privada, e o funcionalismo público, que chegaram a ter uma mobilização espontânea de base e paralisações um pouco mais expressivas. Os estudantes e movimentos de moradia acabaram tendo mais relevância nas mobilizações de rua e nos travamentos matinais.
A greve geral na periferia da zona sul de São Paulo:
Na zona sul foram articulados diversos atos regionais, saindo da praça do Piraporinha, do Jd São Luis, do Terminal João Dias e da concentração da Fábrica MWM com proposta para se unificarem na ponte do Socorro, reeditando em menor escala unificação semelhante que aconteceu entre sindicatos e movimentos sociais na paralisação de 28/04/2017 quando quase 10 mil manifestantes de diferentes atos das periferias da zona sul se unificaram em ato na ponte do socorro.
Ato unificado das periferias da zona sul em 24/04/2017
Porém, neste 14/04/2019, tanto em termos de paralisações de locais de trabalho quanto em mobilização de rua tivemos um saldo muitíssimo inferior. Na região sul, as linhas de ônibus funcionaram quase totalmente, sendo apenas a empresa campo belo a realizar uma paralisação na parte da manhã. O metrô da linha lilás, agora que foi privatizado, não teve mais paralisação e a linha esmeralda da CPTM também não conseguiu paralisar.
Algumas fábricas da região realmente pararam, porém a orientação da força sindical para os trabalhadores foi de que eles tinham que ir para casa, de forma que ao contrário do aconteceu em 2017 e 2018 não tinha metalúrgicos no ato na ponte do socorro. Quanto a isso, devemos continuar a nos indagar o significado por trás de determinados dirigentes sindicais explicitamente patronais fecharem acordo com os donos da empresa para paralisar. É necessário destacar que tais paralisações metalúrgicas não partiram da organização dos próprios trabalhadores nas fábricas mas foram concretizadas através de acordos entre cúpulas sindicais e patrões.
O ato na ponte do socorro, ao contrário do planejado, não conseguiu se unificar com os professores que também se mobilizarem pela manhã no socorro, também não unificou com o atos do Jd São Luís ou o do terminal João Dias, que foi o maior da região nesse dia.
Uma ironia desses atos, que foram articulados sobretudo por sindicalistas, foi que contaram com uma reduzida presença de trabalhadores, tendo sido majoritariamente compostos por desempregados de ocupações por moradia (organizadas sobretudo pelo Luta popular e MTST) e em menor medida por estudantes.
Piquete na madrugada do dia 14/06 no edifício São João do Banco do Brasil.
A mobilização dos bancários de São Paulo para a greve geral do dia 14/06.
Em 23/05, foi impulsionado por um grupo de militantes independentes um ato em frente à sede do Sindicato dos Bancários de São Paulo reivindicando que fosse convocada uma assembleia geral da categoria para organizar a participação na greve do dia 14/06 e cobrando do sindicato uma postura mais ativa nas lutas.
Em 04/06, diferentes setores de oposição realizaram uma reunião na sede do sindicato para organizar a convocação da paralisação, mas as deliberações tiradas nessa reunião não foram cumpridas pelos diferentes setores. Somente os militantes independentes insistiram em uma convocação mais ampla da assembleia, mas ainda assim a reunião foi importante. O tom conciliador adotado pela diretoria do sindicato para com a oposição foi uma experiência inédita para mim, trazendo indícios importantes para que possamos ter hipótese sobre o comportamento futuro do grupo dirigente e das oposições.
O PSTU, através do seu coletivo Movimento Nacional de Oposição Bancária (MNOB), fez uma expressiva panfletagem de seu jornal antes da paralisação, assim como a Intersindical e o seu coletivo Retomada Bancária, que também fez panfletagens do seu jornal. Os jornais específicos de ambas as organizações trazem importantes denúncias da atual deterioração das condições de trabalho nos diferentes bancos e convocavam genericamente a greve geral do dia 14/06, porém, ambos também são marcados pela ausência de proposição prática ou de horizontes de ação. Não fazem denúncias ou exigências diretas contra a direção do sindicato por seu imobilismo nem fazem propostas de luta relacionadas à realidade específica da categoria. Fecham-se numa perspectiva de autoconstrução de objetivo eleitoral/sindical (ano que vem será a próxima eleição para diretoria do sindicato), dando pouca atenção para a construção da luta para além da estrutura burocrática, de forma que ambos os grupos seguem fortemente atados na ação a deliberações da diretoria do sindicato. O setor independente foi o único a se propor algum nível de ação prática para além da ordem cutista. Ainda assim, este setor independente se coloca como o único a não fazer falas na assembleia geral e a não se preocupar com as disputas eleitorais do aparato sindical, mas apenas com o diálogo com os trabalhadores e a movimentação da categoria em suas ações diretas.
No dia 14, a oposição piquetou importantes concentrações bancárias como o edifício São João do Banco do Brasil, o edifício da Caixa no largo da concórdia no Brás, o CAT do Itaú e o sindicato paralisou mais outras concentrações e corredores de agências. Diferente do piquete das oposições onde a tendência é nenhum trabalhador entrar, a situação nos piquetes da diretoria do sindicato é mais desmoralizada, sendo comum a cena de agências fechadas pelo sindicato com os trabalhadores cumprindo expediente normalmente dentro. A adesão espontânea (sem piquete) a greve foi baixa e restrita aos bancos públicos.
Repressão:
Ato vigília em 15/06 no foro criminal da Barra Funda pela liberdade dos nossos presos no 14J.
Pela manhã na USP houve repressão policial ao travamento realizado por estudantes e trabalhadores, 9 estudantes e 2 trabalhadores acabaram detidos tendo que passar a noite presos. Mais tarde, 3 estudantes da UNIFESP foram detidos na repressão ao ato na Av. Paulista. Os 10 da USP foram liberados no dia seguinte mas seguem tendo que responder processos absurdos, os 3 da UNIFESP continuam em prisão preventiva com a acusação absurda e mentirosa de tentativa de homicídio. Em diversos Estados houve repressão às mobilizações, tendo ocorrido 76 prisões no Rio Grande do Sul.
Essas prisões mostram a continuidade e o aprofundamento da atenção especial que a repressão policial em SP tem dado as mobilizações da juventude autônoma nos últimos anos. Os atos contra o aumento da passagem do movimento passe livre em janeiro que já são tradicionalmente ao menos desde 2013 os protestos reprimidos com maior e mais desproporcional força policial na cidade, o ato contra os cortes na educação do dia 23/05 sofreu um caldeirão de hamburgo e depois seguiu envelopado pela repressão, e houve a presença ostensiva de policiais (com direito a tropa de choque) na região do largo da batata dia 06/06 na aula pública organizada pelo centro acadêmico da filosofia da USP, com os professores de filosofia Paulo Arantes e Vladimir Safatle e a militante Helena Silvestre.
Essa situação tem aprofundado um justificado clima de medo entre os militantes combativos, mas é importante lembrar que o medo nunca protegeu a vida de ninguém da repressão, precisamos, para nos proteger, é do aprofundamento dos nossos laços de solidariedade e a ação consequente.
Apesar de todo o alarmismo, foi apenas nesse dia 14/06 que ocorreu a primeira grande mobilização popular fortemente reprimida no governo Bolsonaro, a pouca solidariedade que os partidos de esquerda e os sindicatos demonstraram para com os presos são outro sinal importante do dia.
Avenida Paulista, 14/06
Conclusão: Greve geral? A luta continua?
É triste ver como a ausência de horizontes políticos e o domínio burocrático da propaganda faz com que o conjunto da esquerda chame de greve geral ações que pouco vão além de paralisações parciais de algumas poucas categorias. Nem o dia 24/04/2017, nem o 14/06/2018 foram greves por se proporem a ser apenas a paralisação do trabalho em um único dia, e tampouco são gerais, por estarem muito distantes de atingir sequer metade dos trabalhadores. Ainda assim são paralisações intersetoriais extremamente importantes, pois é preciso voltar ao imaginário e a prática a construção de verdadeiras greves gerais para fazer frente ao horizonte sombrio que se coloca na crise que vivemos.
Essas importantes mobilizações hoje, infelizmente, só são possíveis ao pressionarmos as burocracias sindicais e partidárias a convocá-las. Ocorre que essas mesmas burocracias estão pouco interessadas em construir de fato o avanço das lutas, mas dedicam todos os seus esforços na disputa institucional de forma que a paralisação por elas dirigidas acaba reduzida a apenas mais uma oportunidade para legitimar seus palanques eleitorais e suas negociações na gestão do capital.
É significativo nesse sentido que mesmo os partidos que se colocam como a oposição de esquerda, que controlam as principais centrais sindicais, tiveram seus governadores negociando a aprovação da reforma da previdência na mesma semana em que fariam a greve geral contra a mesma reforma [3]. É evidente que enquanto a luta e a capacidade de articulação nacional e internacional dos trabalhadores for controlada por essas organizações não existe nenhuma possibilidade de barramos os atuais ou futuros ataques.
É questão de sobrevivência hoje para o movimento dos trabalhadores construir espaços para além do controle dessas burocracias para podermos viver um avanço real nas lutas, somente através da ação e organização que escape ao controle burocrático podemos construir lutas com um horizonte real de resistência, e ao contrário do que defende o discurso ideológico da “unidade” que tem hoje hegemonizado mesmo os setores radicais, apenas o risco real da perda de controle do movimento propiciado por ações autônomas dos trabalhadores pode realmente forçar as burocracias a também se moverem.
[1] Nesse sentido a disposição e de negociar a perda de direitos dos trabalhadores foi sinalizada logo após a eleição pelo presidente da cut, Vagner Freitas: “O Governo [Bolsonaro] foi eleito por 57 milhões de pessoas (…). A CUT vai procurar o Governo para negociar[…] Diferentemente do que fez com o [presidente Michel] Temer, que nunca foi eleito, o senhor Jair Bolsonaro, com todas as críticas que eu possa fazer, foi eleito presidente da República. E portanto nós vamos tratá-lo assim, como quem foi eleito, e vamos levar a nossa pauta de reivindicação dos trabalhadores para ser negociada. Nós vamos defender os trabalhadores de qualquer ataque que possa acontecer, mas é diferente da nossa visão em relação ao Temer. Nós não considerávamos o Temer presidente eleito”.
https://www.brasil247.com/brasil/para-defender-trabalhadores-cut-vai-dialogar-com-novo-governo
Postura semelhante é adotada pelos grandes movimentos sociais:
[2] “Organizadores orientam população a apoiar greve geral ficando em casa”: https://spbancarios.com.br/06/2019/organizadores-orientam-populacao-apoiar-greve-geral-ficando-em-casa
[3] Sobre a negociação dos governadores para a aprovação da reforma da previdência:
Por Gabriel Silva, bancário e militante do quilombo invisível.
2 Comentários
Legal pra caramba seu artigo. Vou pegar trechos dele e publicar no meu Facebook. Também sou morador da zona sul, Grajaú, e penso que deveríamos nos organizar pra realizar atos semanais nas grandes vias públicas.
Isso mesmo brother