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15 mar 2025

A Engorda de Ponta Negra e o Aumento da Violência Policial

Por Engorda pra quem?

No dia 13/03, ocorreu uma operação a polícia militar (Rocam e Batalhão do Choque) do Estado do Rio Grande do Norte, promovendo um verdadeiro cenário de guerra na Vila de Ponta Negra. Uma grande quantidade de policiais fortemente armados e mascarados entraram na comunidade causando pânico e terror aos moradores. Segundo os relatos de moradores, o tiroteio durou por aproximadamente 30 minutos, enquanto um helicóptero sobrevoava o local. Como resultado, o jovem Ryan, de 30 anos, foi morto e outros dois presos. Ele deixou dois filhos, de 10 e 12 anos.

Para nós que vivemos cotidianamente na Vila e que já estamos sofrendo com a especulação imobiliária, com os efeitos negativos da engorda e com o descaso contínuo do poder público, como a precarização das escolas e dos equipamentos de saúde, trata-se de um projeto de extermínio e expulsão, através da disseminação do terror por parte do Estado. Quem são os interessados? Quem está lucrando em cima deste cenário de guerra? Certamente não somos nós. Além disso, toda essa violência policial vem se intensificando após a Engorda de Ponta Negra.

Não é a primeira vez que uma operação dessa ocorre na Vila. No dia 22 de Janeiro, a ROCAM entrou violentamente na comunidade, invadindo casa de moradoras e promovendo um tiroteio, que culminou na execução de dois jovens e uma cena triste para a comunidade, que mais uma vez teve que consolar as mães aos prantos no meio da rua.1

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Sob a alegação de “ameaça”, a Polícia Militar produz cenários de guerra e exceção em diversos territórios ocupados pelo Estado brasileiro: entram nas casas sem mandato, agridem crianças, jovens, mulheres, pessoas idosas, torturam, forjam flagrantes e executam sumariamente à luz do dia suas crianças, maridos e esposas.

Assim, além de toda insegurança instaurada pela “Segurança Pública”, ainda temos que lidar com as mentiras disseminada pela Polícia Militar e a Mídia Carniceira, que se repete em toda operação: falam em confronto e que foram recebidos com tiros, mas quem vive na comunidade sabe que a polícia chegou atirando (mais de 30 tiros, segundo relatos) e a violência policial foi totalmente desproporcional. Nada se compara ao poder armado e militar do Estado.

À título de exemplo, entre 2022 e 2023, segundo dados do Fórum de Segurança Pública (2024),nenhum policial do RN foi morto em “confronto em serviço”, enquanto 199 pessoas foram mortas em decorrência de intervenções policiais.

Que confronto é esse que apenas um lado tomba?

Desta vez, justificam o assassinato de um jovem por “ter passagem” e “usar tornozeleira”.2 Criminalizam jovens periféricos, negros e indígenas, e depois utilizam da fé pública para alegar “legítima defesa”. Esse roteiro corriqueiro que atiça cada vez mais quem defende “bandido bom é bandido morto” impede que os testemunhos das comunidades sejam escutados, que famílias vivam seu luto e demandem justiça contra as violações por parte do Estado.

Ainda durante o enterro de Ryan, no dia 15/03, a Polícia Militar compareceu em frente ao cemitério, armada com fuzil e produzindo intimidação de familiares e da comunidade.

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Enquanto comunidade precisamos não só acolher a dor de quem teve um ente assassinado, mas criar estratégias para permanecemos vivos. Quem garante que amanhã você também não possa ser uma vítima dessa guerra, que ao buscar seu filho na escola seja atingido por uma “bala perdida”, que seu marido ou filho seja “confundido” e alvejado por resistir a uma prisão injusta. Quem garante que sua casa não será invadida sem mandado de segurança? Quem garante que você não será assediado em uma abordagem da Polícia Militar? Ontem foi Ryan, amanhã pode ser você.

A guerra às drogas, como sabemos, é uma guerra contra população negra, indígena e periférica. E a violência de extermínio é o fundamento da lógica e finalidade da operação da instituição policial, prisional e do Estado. Sabemos que Polícia Militar não entra atirando nos bairros nobres e de classe média, onde também existe tráfico de drogas.3 Sabemos também que mesmo diante da agressão armada por parte da elite política branca, a polícia age com toda proporcionalidade e evitando a letalidade. Basta lembrarmos do caso de Roberto Jefferson, ex-deputado que atirou 50 vezes, jogou granada conta policiais federais e ainda foi tratado com todo respeito durante sua prisão e teve sua vida assegurada. Em contraposição, são incontáveis os casos de policiais e militares que atiram em jovens e pessoas negras desarmadas, como o caso do Evaldo Rosa, morto por 80 tiros.

Por isso, reforçamos:

TODA PRISÃO É UMA PRISÃO POLÍTICA.

A violência policial e o encarceramento são seletivos. Criminalizam e exterminam apenas determinados corpos e não outros.

O que ocorreu no dia 13/03, na Vila de Ponta Negra, foi uma operação de guerra do Estado que não deveria ser justificada sob hipótese alguma. Nada justifica o Estado, altamente armado e militarizado, produzir terror e morte na nossa comunidade.

Por isso, gritamos por Justiça e por um basta na violência de Estado.

1Ver um registro audiovisual da operação aqui: https://www.instagram.com/p/DFF0zU-O-P_/. Para um relato textual, ver https://quilomboinvisivel.com/2025/01/24/terrorismo-e-violencia-racial-de-estado-na-vila-de-ponta-negra/

2Um discurso que revela os limites “humanitários” pelos quais o uso das tornozeleiras foi justificado e disseminado como alternativa ao cárcere. As tornozeleiras, à maneira do “ferro quente”, operam como dispositivos de marcação dos corpos para o exercício da letalidade policial. Ver por exemplo: https://portalbo.com/ate-morrer-operacao-policial-na-vila-de-ponta-negra-termina-com-suspeito-morto-e-dois-presos/

3 Um comandante da Rota, tropa de elite da polícia militar de São Paulo, já declarou isso publicamente: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/08/24/abordagem-no-jardins-e-na-periferia-tem-de-ser-diferente-diz-novo-comandante-da-rota.htm

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